15/08/2017 às 07h01min - Atualizada em 15/08/2017 às 07h01min

Papo de surdo e mudo

Gino Ribas Meneghitti
Nestes novos tempos virtuais, principalmente nas redes sociais, é comum nos depararmos com inúmeros posts e comentários nascidos de um engano ou mal-entendido gerado por um suposto erro de comunicação. Num eterno papo de surdo e mudo as pessoas parecem ter pedido a capacidade de interpretar um texto e ler nas entrelinhas. Poucos se dão ao trabalho de ler e refletir, digerir e ruminar o conteúdo, deixando, desta forma, escapar o seu sentido e essência.  

Como se isso não bastasse, uma enxurrada de opiniões são lançadas e emitidas sem nenhum tipo de critério ou avaliação, inundando a rede de uma série de conceitos e preconceitos que são diariamente repassados e reproduzidos, de forma irrefletida e inconsequente, em alta escala e velocidade, atingindo milhares de pessoas e lugares ao mesmo tempo.

Uma das maiores preocupações filosóficas de todos os tempos, permanece viva, ativa e operante, transcendendo os corredores da história e do tempo: a busca pela verdade. A verdade é sempre associada às questões estéticas (belo), éticas (justiça) e morais (bem) e sua imagem, forjada por um prisma romântico e poético, pode ser comparado a um espelho que reflete de forma clara, límpida e fidedigna, o brilho de sua luz, cujos raios dissipam todo tipo de dúvida, angústia e incerteza. 
 
No período clássico da Grécia Antiga (500-338 a.C.), Platão, filósofo e matemático ateniense, discípulo de Sócrates, mestre de Aristóteles já nos fornecia os primeiros elementos para que pudéssemos visualizar a diferença entre o conhecimento popular (denominado senso comum, representado pela opinião e adquirido através da experiência e vivência empírica) do conhecimento da verdade, realizado através da busca e investigação filosófica, mediante conceitos lógicos, matemáticos e abstratos.

Acredito que seja de extrema valia e necessidade, para quem quiser construir um argumento lógico, o estudo da lógica: nada mais óbvio. Se por um lado somos obrigados a admitir que o nível das discussões ainda permanece restrito aos “ismos e achismos” de seus interlocutores, por outro nos resta reconhecer que o espaço virtual se transformou, para o bem ou para o mal, na ágora* moderna.       

Polêmicas discussões são alimentadas e mantidas no intuito de defender e convencer o outro do nosso ponto de vista e opinião. Hercúleo esforço é despendido na tentativa de nos fazermos ouvidos, entendidos e aceitos. Não por acaso os gregos reverenciavam a peithó, a arte da persuasão, como uma divindade. Quem detinha o dom da retórica e da oratória era aclamado e reverenciado, o que lhe conferia prestígio, status, e claro, poder.

O debate, assim como a discussão, além de promover e ampliar a compreensão e o entendimento, são elementos indispensáveis na construção do conhecimento e na manutenção da democracia. Na inútil tentativa de evitar o atrito, o conflito e a discórdia, milhares se esquecem ou simplesmente ignoram que o raciocínio dialético nasce justamente do embate e da tensão entre os opostos.

Porém, quantas amizades estão sendo desfeitas e repensadas após infindáveis réplicas e tréplicas desgastantes e desnecessárias? Uma coisa é colocar o argumento acima da amizade, outra é abrir mão de expressar a nossa opinião. Se uma amizade se rompe por este motivo, vale a pena repensarmos nosso conceito de amizade.  

Afinal, o que queremos quando publicamos ou postamos qualquer tipo de comentário? Na melhor das hipóteses ampliar o horizonte da discussão, tornando pública uma reflexão privada. Se eu digo que não penso igual a você, você tem várias opções, entre elas, de levar para o lado pessoal ou simplesmente aceitar o fato de existirem pessoas que pensam diferente. E pensar diferente de você é totalmente diferente de estar contra você. Será que temos essa maturidade e compreensão?

Até que ponto conseguimos aprofundar uma discussão apenas na esfera dos fatos e das ideias sem cairmos na dimensão particular e pessoal? Será que vale a pena abrirmos mão daquilo que temos de mais sagrado: o direito de expressarmos abertamente nossa opinião, seja ela qual for, para mantermos por perto pessoas que se revoltam e se mordem à menor contrariedade?

Ou não seria extremamente vantajoso saber, como hoje sabemos, que existem pessoas do nosso meio que defendem o fascismo, a homofobia e a tortura?  Não seria tão ingênuo a ponto de acreditar cegamente em tudo que leio assim como não seria tão leviano para não reconhecer o valor do sangue derramado de meus irmãos para que eu pudesse ter o direito à liberdade de expressão.

Enquanto isso, intermináveis disputas são travadas aos olhares atentos e ansiosos dos doadores de like. Se nos primórdios combatíamos nas arenas, passando pelo espetáculo dos gramados, hoje, apesar das limitações e dificuldades encontradas pela falta de manejo, traquejo e trato com a língua, nossos gladiadores e craques estão migrando, de forma lenta, contínua e necessária, para o mundo das palavras e do pensamento. Grande salto qualitativo de nossa nação.   
 
*Ágora era o lugar em que os gregos se reuniam para discutir e debater os seus problemas políticos e sociais.
 
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