28/09/2017 às 17h41min - Atualizada em 28/09/2017 às 17h41min

Recursos metafóricos nas poesias musicais

WALDEMAR PEDRO ANTÔNIO
Cantinho   Musical  , neste  artigo  ,  entrelaçará  com  o  Cantinho   Gramatical  ,  trazendo  para  os  frequentadores  de  nossas  publicações  , uma  análise  estrutural  envolvendo  uma  técnica em  que  a  relação   de  presença   entre  a  MÚSICA  e  a  POESIA   é  bastante  estreita ,  o  que  garante  um  belo  recurso  na  visão  lírica  dessas  artes .

    Exploraremos  o  fenômeno  METAFÓRICO  recorrente  na  POESIA  MUSICAL  como  grande  componente  das  mensagens  míticas , envolvendo  uma  convivência  interpretativa,  entre  os  leitores,  na  descoberta  sublinear do  conteúdo  poético  expresso  na  obra ,  uma  vez  que  as  mensagens  poéticas  manifestadas   nas  canções  contam  com  o  reforço  do  ritmo ,  da  harmonia  e  da  melodia .

    Antes  de  entrarmos  nas  análises  das  poesias  musicais ,  conceituaremos    METÁFORA  como  figura  de  linguagem  que  compara  ideologicamente  a  relação  entre  o  REAL  e  o  IMAGINÁRIO .

       METÁFORA  é  a  designação de um objeto ou qualidade mediante uma palavra que nomeia  outro objeto ou qualidade que tem com o primeiro uma relação de semelhança .  A  METÁFORA  é  a  mais  comum  nas  linguagens  dos  autores  que  falam  de  realidades  que  estão  fora  da  órbita  do  sensível ,  quer  por  pertencerem  ao  recôndito  das  almas  ,  quer  por  se  situarem  no  plano  dos  entes  transcendentais , o  que  identifica  na  criação  artística  a  imagem  do  POETA  . Para  que  haja  metáfora  é  necessário  que  exista  o  sentimento  de  “ transferência “  do  sentido  de  um  domínio  para  outro ,  em  virtude   de  semelhança  de  significações .

   Por exemplo, dizer "o meu amigo é um touro, levou o móvel pesado sozinho". Obviamente que ele não é um touro nem se parece fisicamente com o animal, mas está tão forte que faz lembrar um touro. Neste exemplo, existe a comparação da força do animal e do indivíduo.
        
    
  Selecionamos,  para  análise  estrutural  do  fato  poético,  três  canções  que  expressam  em  suas  letras  verdadeiras  relíquias  na  linguagem  figurada .  Como  temos  a  concepção  de  que  música  não  tem  fronteira , destacamos  duas  obras  que  fizeram  e  fazem  até  hoje  grande  sucesso  na  preferência  do  público :  “  LA   BARCA  “ , composição  do  mexicano   Roberto  Cantoral ,  bolero  em  linguagem  espanhola  em  que  estão  presentes  vários  recursos  metafóricos .  A  outra  canção  que  será  analisada  é  uma  composição  de  Nelson Cavaquinho, Guilherme De Brito, Alcides Caminha :  “ A  FLOR  E  O  ESPINHO  “ ,  samba  que  se  perpetuou  na  memória  daqueles  que  curtem  uma  boa  canção . E  em  um  toque  poético  para  expressar  um sentimento  de  FELICIDADE  AMOROSA  ,  selecionamos  um  samba  de  Paulinho  da  Viola  e  Élton  Medeiros :  “  ONDE  A  DOR  NÃO  TEM  RAZÃO  “ .

      Primeiramente  investigaremos  os  fenômenos  metafóricos  expressos  no  bolero  :         “  LA   BARCA  “ . 

          Dicen que la distancia es el olvido
          Pero yo no concibo esta razón
          Porque yo seguiré siendo el cautivo
           De los caprichos de tu corazón
           Supiste esclarecer mis pensamientos
           Me diste la verdad que yo soñé
            Ahuyentaste de mí los sufrimientos
            En la primera noche que te amé
 
            Hoy mi playa se viste de amargura
            Porque tu barca tiene que partir
            A cruzar otros mares de locura
            (Cuida que no naufrague en tu vivir)
             Cuando la luz del sol se esté apagando
             Y te sientas cansada de vagar
              Piensa que yo por ti estaré esperando
              Hasta que tú decidas regresar

   O  tema  da  bela  canção  versa  sobre  uma  separação  amorosa ,  motivo  de  todas  as  imagens  figuradas  expressas  na  poesia .  Observemos  no  1º. Verso  da  1ª. estrofe  [  Dicen que la distancia es el olvido ] que  a  palavra  DITANCIA  não  dimensionada  (  pode  ser  estreita  ou longa  ) simboliza, metaforicamente ,   a  separação . Há  no  verso  uma  indeterminação  do  dizer ( Dicen )  sobre  o  esquecimento   ( olvido ) . Observamos   no  verso  seguinte  [Pero yo no concibo esta razón ] uma  visão  pessoal contrária  ao  1º. Verso   desacreditando a  afirmativa ,  tornando-se  escravo  (cautivo )  do  sentimento  (corazón )  da  pessoa  amada que  soube  clarificar, durante  o  relacionamento ,  o  pensamento  , dando  o  amor  sonhado  [Supiste esclarecer mis pensamientos ]  [ Me diste la verdad que yo soñé ]  motivo  da  paixão  .   Uma  das  mais  lindas  metáforas  em  um  cancioneiro está  presente  nestes  versos  [Hoy mi playa se viste de amargura ]  [Porque tu barca tiene que partir ] há  uma  bela  comparação  ideológica  entre       “ playa “ e  sentimento  /  “ barca “  e separação .  No  verso    [  A cruzar otros mares de locura ] manifesta uma  codificação  de  outros  amores . Há  metaforicamente   um  discurso  de  alerta  para  um  fracasso  amoroso                    ( naufrague )  no  verso     [   (Cuida que no naufrague en tu vivir)  ] .  Deixaremos  para  a  complementação  da  análise  dos  quatro  últimos  versos a  cargo da  percepção  lírica  dos  leitores.

             Cuando la luz del sol se esté apagando
             Y te sientas cansada de vagar
              Piensa que yo por ti estaré esperando
              Hasta que tú decidas regresar

       
 Agora  uma  outra  análise  demonstrando  os  recursos  metafóricos   nas  letras  do  samba    “  A  FLO R  E  O  ESPINHO  “ .
                 
                  Tire o seu sorriso do caminho
                  Que eu quero passar com a minha dor
                  Hoje pra você eu sou espinho
                  Espinho não machuca a flor
                  Eu só errei quando juntei minh'alma a sua
                  O sol não pode viver perto da lua
                  Tire o seu sorriso do caminho
                  Que eu quero passar com a minha dor
                  Hoje pra você eu sou espinho
                  Espinho não machuca a flor
                  Eu só errei quando juntei minh'alma a sua
                  O sol não pode viver perto da lua
                  É no espelho que eu vejo a minha mágoa
                  E minha dor e os meus olhos rasos d'água
                  Eu na sua vida já fui uma flor
                  Hoje sou espinho em seu amor

                 Eu só errei quando juntei minh'alma a sua
                O sol não pode viver perto da lua

               Tire o seu sorriso do caminho
               Que eu quero passar com a minha dor
               Que eu quero passar com a minha dor

    A poesia  expressa  na  canção é  uma  manifestação  lírica  composta  por  Guilherme De Brito, Alcides Caminha , traduzindo através das metáforas  muita tristeza, elementos típicos do samba da década de 50. Logo nos primeiros versos     [  “Tire esse sorriso do caminho, ]   [ Que eu quero passar com a minha dor. ]  [  Hoje pra você eu sou espinho.  ]   [  Espinho não machuca a flor  ] ,  notam-se  várias  comparações  ideológicas  com  muita  carga  de  lirismo , onde  SORRISO DOR   simbolizam  ALEGRIA   e  TRISTEZA   e  CAMINHO   representando  VIDA  .  A  outra  bela  similitude  poética está  expressa  entre  a  FLOR , a  mulher  amada ,  e  o  ESPINHO  ,  o  apaixonado , em  uma  relação  mediada  pelo  verbo  MACHUCAR   representando  a  idéia  de     “  não  ferir  sentimentos  amorosos “ . Manifestação  também  metafórica  , encontramos  relacionada  na  comparação psíquica “SOL  “  e  a  “  LUA “ .  Deixaremos  também  a  cargo  dos  leitores  a  continuidade  analítica , observando  as  metáforas nos  seguintes  versos :
                            É no espelho que eu vejo a minha mágoa
                            E minha dor e os meus olhos rasos d'agua
                            Eu na sua vida já fui uma flor
                            Hoje sou espinho em seu amor
 
     Encerrando  a  análise  na  poesia  musical   em   :  “  ONDE  A  DOR  NÃO  TEM  RAZÃO  “de  Paulinho  da  Viola  e  Élton  Medeiros.     


 
                 “  ONDE  A  DOR  NÃO  TEM  RAZÃO  “
             Canto
             Para dizer que no meu coração
             Já não mais se agitam as ondas de uma paixão                                                               
             Ele não é mais abrigo de amores perdidos
             É um lago mais tranquilo
             Onde a dor não tem razão 
             Nele a semente de um novo amor nasceu
             Livre de todo rancor, em flor se abriu
             Venho reabrir as janelas da vida
             E cantar como jamais cantei
             Esta felicidade ainda 
             Quem esperou, como eu, por um novo carinho
             E viveu tão sozinho
             Tem que agradecer
             Quando consegue do peito tirar um espinho
             É que a velha esperança 
             Já não pode morrer

      A  canção  Inicia simbolizando  o  coração  como  reduto  de  seus  sentimentos  amorosos  . Embutido  nos  versos  e  apoiado  por  uma  bela  melodia , as  expressões  metafóricas   manifestam  um  grau de  felicidade  amorosa ,  expulsando  do  coração  todo  sofrimento  [  Canto  ] [ Para dizer que no meu coração ]  e , coerentemente  no  verso seguinte,  manifesta  a  força  de  seu  sentimento , utilizando  as  expressões que  denotam  grandeza de  um  sentimento  “  AGITAM “  e   “ ONDAS “  [ Já não mais se agitam as ondas de uma paixão ]  e  a  seguir  ,  reforça , metaforicamente , a  morada por  meio  do  verbo  “ ABRIGAR “  e  a  perda  na  manifestação  em  “  AMORES  PERDIDOS  [ Ele não é mais abrigo de amores perdidos ] , reforça ainda a figura  locativa  e  a  tranquilidade  no  verso          [  É um lago mais tranqüilo ] . Como  o  aparecimento  de  uma  nova  paixão  utiliza  o  termo     “ SEMENTE  “  [ Nele a semente de um novo amor nasceu ] como  resultante  do  semear , surge em  uma  comparação  metafórica  onde  o  termo  “ FLOR “  é  a  figura  do  novo  amor .    [  Livre de todo rancor, em flor se abriu ]. Deixaremos , a  partir  de  agora , que  os  leitores  busquem  as  comparações  ideológicas ,  ou  metáfora  como  figura de  linguagem  nos  termos  ou  expressões  :  “  JANELAS  DA  VIDA  “  [ :  Venho reabrir as janelas da vida  ] ;   “  DO  PEITO  TIRAR  O  ESPINHO “  [  Quando consegue do peito tirar um espinho ]  e  a  conotação  do  termo “  MORRER “  no  verso [  Já não pode morrer ] .

Waldemar  Pedro  Antonio            e-mail :  [email protected]
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