19/01/2015 às 10h54min - Atualizada em 19/01/2015 às 10h54min

Quando um mentiroso fala sério

Em Provisão, distrito de Carlota Joaquina, Minas Gerais, o campeão da mentira era o Sr. Jucão.  Lavrador que nunca calçou sapatos, com a pele queimada de sol da lida e de posse de um chapéu puído, não economizava no “caipirês”, nem na mentira. Era um “dom” ou coisa parecida, que ele não fazia questão de esconder.  

As “histórias para boi dormir”  de Jucão deixavam muita gente acordada e movimentavam o pequeno e pacato lugarejo. As mentiras dele quase chegavam à categoria de evento, eram aguardadas como os pasquins de sábado de Aleluia. Aquele homem fazia caricatura da vida e de maneira instantânea já as  “jogava na praça”, sem custo nenhum (pelo menos monetário), para o deleite de alguns ou a ira de outros.

Na ânsia de mais uma, um gaiato interrompeu a marcha acelerada de Jucão, que caminhava com a testa franzida e olhar detido no caminho:

 

− Bom dia Jucão! Conta uma mentira pra nóis hoje – soltou o gaiato cheio de deboche na “prosa”.

Jucão não fez questão de parar, continuou a passos largos, apenas respondeu de canto de boca, com toda sobriedade:

− Dia! Agora num tô podendo cum cunversa fiada. Tô indo ajudá o Humberto da venda, que a mãe dele morreu − e passou batido.

 

O gaiato, aturdido com a notícia, correu para a Igreja, que ainda estava cheia por conta da missa das seis e, mesmo esbaforido, deu um jeito de falar com o padre, que anunciou o acontecido no altar.

Dali saíram todos em direção à venda. À frente ia o padre com todos os seus apetrechos para encomendar a alma da finada cristã. Enquanto carolas rezavam e outros especulavam sobre a causa mortis, crianças corriam em volta. Ao grupo, agregavam-se ainda os curiosos e os bêbados do bar que havia no caminho. Logo se formou uma pequena multidão e o zumbido da falação ecoava pela praça.

Chegando à venda, logo perguntas, condolências e bobagens começavam a pipocar de inúmeras bocas:

 

− Meus pêsames!

− Morreu de quê, a pobre?!

− Meu Deus, mas era tão forte!

− Deus conforte a família.

− Tanta gente pra ir no lugar dela – praguejou uma mau humorada.

− Vamo bebê o defunto! – gritou o bêbado entusiasmado.

 

No canto da venda, Jucão tomava uma “da roça” e beliscava um torresmo, observando o “movimento”.

Humberto, sem entender nada, logo já perguntou de quem se tratava o morto, que trazia tanta gente ali. Para o espanto geral, dona Serena, a mãe de Humberto, descascava batatas no fundo da venda. Surda que era, não ouvira o “zum-zum-zum”.

O gaiato, totalmente sem jeito e sem graça, pressionado pela situação, já foi apontando o dedo para Jucão, dizendo e cuspindo:


− Oia, foi ele lá! O Jucão que falô!

 

Depois de um gole na pinga e uma estalada nos “beiços”, Jucão retrucou:

− Falá eu falei, mas a mentira, foi ocê que incomendô!

 
 

 

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