28/05/2015 às 10h35min - Atualizada em 28/05/2015 às 10h35min

O JUSTINO DO TROMBONE

Por mais de uma década o menino morou na Rua Benedito Valadares e por todo esse tempo circulou, a pé ou de bicicleta, pela cidade a trabalho ou, pela vontade de conhecer pessoas, coisas e lugares. Já na infância, ao voltar do Grupo Novo, vez por outra descia pelo Beco do Sindicato, para acompanhar algum colega, pelo prazer de variar o caminho de volta para a casa ou, para dar algum recado ao Sr. Vitório.

Senhor Vitório, esclareça, era um artesão/carpinteiro que morava num pequeno Beco perpendicular ao do Sindicato, na margem esquerda do Feijão Cru. Um homem que circulava pela rua e intrigava o menino porque sempre carregava um misterioso “livro aberto”, como se o estivesse lendo, independe da claridade da iluminação pública ou da sombra dos oitis. E tantas vezes o menino e o homem se cruzaram pelas ruas que um dia a curiosidade se desfez. Enquanto o homem conversava com alguém o menino parou ao seu lado e analisando melhor o objeto, maravilhado descobriu que o tal livro nada mais era do que uma caixa de madeira bem trabalhada e com o capricho de encaixes perfeitos, guardava no seu interior um pequeno “rádio à pilha”, uma novidade naquela época.

No bairro da Fábrica, nas horas de folga e aos domingos, o menino frequentava o campinho do Cocota, na Avenida Getúlio Vargas ou, um outro campo que existiu por pouco tempo num terreno baldio que margeava o córrego que passa nos fundos dos quintais das casas do lado par da Rua Benedito Valadares. Na juventude eventualmente marcava presença nos bailes do Clube do Sindicato. Jogava conversa fora, principalmente sobre futebol, na calçada do Bar Industrial e fazia compras no SAPS, que funcionava na esquina das ruas 27 de Abril e Helena Junqueira Bastos.

Transitava em velocidade reduzida pela Rua Pompílio Guimarães, de bicicleta e depois de carro, pelo receio de provocar acidente envolvendo uma criança dentre as muitas que brincavam no meio daquela rua. E por todo o bairro admirava aquelas casas geminadas, com a mesma planta e igual arco de tijolinhos na fachada. Varanda bem cuidada, com piso de cimento liso bem tratado com vermelhão, cera Parquetina e escovão nº 3. Em algumas, vasos de plantas e um popularíssimo conjunto de mesa e cadeiras de tubos e chapas de ferro, na mais das vezes, pintado nas cores vermelha e branca.

            E assim, pelas ruas da Fábrica e da Praça da Bandeira, pela Rua das Palmeiras, Alto da Ventania e vilas Miralda e Gilda, vez por outra o menino encontrava outras pessoas que ainda hoje, com saudade, guarda na lembrança. Pessoas como o senhor Francisco Justino Mota que, para o menino da época, era “Justino do Trombone”.

Um mulato alto e magro, cuja ocupação principal era o manuseio da desempenadeira e da colher de pedreiro, mas que nas horas de folga, nos dias de festa e no carnaval, se tornava figura certa nos clubes Cotubas, Niterói ou, Sindicato Têxtil. Um homem simples que por esforço próprio aprendeu a tocar seu instrumento para alegria dos ouvintes, ainda que fossem meninos. Um personagem que circulava pelas ruas da redondeza estufando as bochechas para arrancar as notas do seu instrumento, no que se poderia chamar de “caminhadas musicais”. Quase sempre, metido num terno branco, de linho ou gabardine; na cabeça, a cobertura de um imponente chapéu panamá e nas mãos, o inseparável trombone de vara. Um senhor humilde, nascido e criado em Leopoldina, que hoje se sabe ter sido casado com Dolores Mota, com quem teve os filhos Hildebrando, o saudoso “Batuque”, disputado eletricista que trabalhava no parque de Exposições nos dias de festa. Lurdes ou, Lurdinha, com quem o pai morou após enviuvar-se. E Darci, sapateiro que dividia com o Renato os trabalhos da sapataria que existiu na Rua João Neto.

Infelizmente, hoje, inesquecíveis atores e abandonados cenários de um filme que não se rebobina.                              

José Luiz (Luja) Machado Rodrigues é acadêmico da ALLA – 15.05.15

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