15/07/2015 às 09h33min - Atualizada em 15/07/2015 às 09h33min

EXAME DE FEZES

Éramos uma garotada feliz, sem qualquer maldade, no Grupo Escolar Dr. Justino Pereira, em Miraí. Realmente inocentes, em todos os sentidos que a palavra inocência possa ser escrita. Ninguém jamais ouvira falar que no interior de seu corpo havia vermes, que precisavam ser combatidos.

Não havia a informação de hoje, quando crianças de tenra idade já sabem que o Aedes aegypti e seus sucessores espalham a dengue e causam danos até mortais.

O governo estadual determinou que se fizesse exame de fezes de todos os alunos e a todos foram entregues vasilhas para a indispensável coleta do cocô. Todos levamos as latinhas vazias para casa e as devolvemos “cheias” no dia seguinte.

Um garoto, possivelmente apenas para fazer graça, disse que, quando aberta, da latinha dele iriam entornar fezes líquidas, pois ele estava com forte diarreia. E quando algum colega duvidava de sua notícia, ele ameaçava abrir a latinha e jogar seu conteúdo no descrente.

Era evidente que muitos dos coleguinhas estavam até envergonhados em portar o material a ser examinado.

Uma das alunas, conhecida como Dida, neta da dona Carolina “Carola” Amélia de Resende, colocou um ponto final em todo e qualquer constrangimento. O que fez ela? Abriu “sua” latinha e saiu a mostrar para todo mundo o cocô que levara de casa, chegando ao atrevimento de aproximá-lo do nariz de quem mostrasse mais asco.

Com isso, a Dida, que era menina de roça e havia chegado a Miraí para estudar morando com a avó, se tornou figura popular, apreciada por todos por sua simplicidade e alegria.

Não há como esquecer que eu e minhas irmãs éramos, de tempos em tempos, acordados de madrugada pela mamãe. Quando perguntávamos o que era, Dona Duchinha respondia com a frase rigorosa “abra a boca e engula”. E, conforme lembrou minha irmã Lúcia e foi a ela confirmado pela irmã Eulina, acrescentava “se tomar sem reclamar vai ganhar moedinhas”.[i] O que mamãe nos fazia engolir eram as temidas colheradas de óleo de rícino, de sabor nauseante, mas de efeitos quase milagrosos para combater vermes, que saíam mortos aos milhares a partir da primeira defecação.

Praticamente todas as crianças tinham oxiurus. Em consequência, coceira anal, diarreia, dores de barriga e até mesmo preguiça de brincar eram comuns.

O óleo de rícino era o remédio usado por mamãe, por iniciativa própria, para combater especificamente o oxiurus que, talvez por falta de água tratada, proliferava em Miraí, minha querida terra natal. 

Salvo engano, o óleo de rícino sumiu do mercado, pelo menos como vermífugo. E, en passant, comento que lamentavelmente também sumiu o quemicetina nasal, o milagroso creme usado para se combaterem as incômodas inflamações de cabelos nasais.

 


 

Link
Tags »
Leia Também »
Comentários »