O CANTINHO MUSICAL ocupará este espaço para desfilar algumas pérolas musicais de um grande poeta de vanguarda de nossa literatura : “ CAETANO VELOSO “ . Credenciado pela crítica como músico , arranjador , cantor e escritor de primeira grandeza , sua produção intelectual é marcada por uma releitura musical com grande manejo poético. Baiano de Santo Amaro da Purificação , líder de um movimento chamado Tropicalismo , figura importante de Música Popular Brasileira , é citado , internacionalmente ,como um dos melhores compositores do século XX . Ao longo de sua carreira foi considerado uma das personalidades mais polêmicas e autêntico formador de opinião . Fez parte do grupo de resistência musical ao Regime Militar , opressor e ditatorial . Nos anos 60 , num ambiente de efervescência social e política , caracterizado pela emancipação de um livre pensamento da juventude que se opunha a valores tradicionais , sociais e econômicos , que CAETANO VELOSO começa a repensar a MÚSICA POPULAR BRASILEIRA .
Desfilaremos uma exposição de músicas selecionadas mais conhecidas do autor . Na ótica de uma liberdade, marco inicial do movimento tropicalista , Caetano Veloso compõe uma canção revolucionária que reflete a repressão do período militar no Brasil , usando expressões metafóricas para burlar o regime autoritário e , de uma inteligente ironia , para salientar que a cultura importada era alienante. Nas entrelinhas , uma crítica à esquerda intelectualizada , a negação de qualquer forma de censura e denúncia de sedução dos meios de comunicação de massa . Embora não haja caracteres de ambiente alegre , tudo é manifestado com “ ALEGRIA , ALEGRIA “ .
[ “ / Caminhando contra o vento / Sem lenço e sem documento / No sol de quase dezembro / Eu vou . / O sol se reparte em crimes / Espaço naves , guerrilhas / Em cardinales bonitas / Eu vou. / Em caras de presidente , / Em grandes beijos de amor , / Em dentes , pernas , bandeiras , / Bombas e Brigitte Bardot . / O sol nas bancas de revista / Me enche de alegria e preguiça . / Quem lê tanta notícia ? / Eu vou . / Por entre fotos e nomes / Os olhos cheios de cores / O peito cheio de amores vãos . / |
Eu vou / Por que não ? / Por que não ? /Ela pensa em casamento / E eu nunca mais fui à escola / Sem lenço e sem documento / Eu vou / Eu tomo uma coca-cola / Ela pensa em casamento / Uma canção me consola / Eu vou . / Por entre fotos e nomes / Sem livros e sem fuzil / Sem fome , sem telefone / No coração do Brasil . / Ela nem sabe até pensei / Em cantar na televisão / O sol é tão bonito ./ Eu vou / Sem lenço , sem documento / Nada no bolso ou nas mãos / Eu quero seguir vivendo amor. / Eu vou / Por que não ? / Por que não ? / . “ ] .
A imagem de um verdadeiro Eldorado que os imigrantes nordestinos tiveram antes de sair de sua terra natal , não se coaduna com a realidade visualizada da cidade de São Paulo . Caetano , em sua bela e dura poesia , usando de todos os recursos metafóricos , relata o triste panorama visto pelos imigrantes , causando uma certa decepção na relação entre o real e o imaginário. A canção é uma descrição dos problemas de um metrópole chamada “ SAMPA “ .
[ “ / Alguma acontece / No meu coração / Que só quando eu cruzo a Ipiranga / E a Avenida São João ... / É que quando eu cheguei por aqui / Eu nada entendi / Da dura poesia / Concreta de tuas esquinas / Da deselegância discreta / De tuas meninas / Ainda não havia para mim Rita Lee / A tua mais completa tradução / Alguma coisa acontece no meu coração / Que só quando eu cruzo a Ipiranga / E a Avenida são João ... / Quando eu te encarei / Frente a frente / Não vi o meu rosto / Chamei de mau gosto o que vi / |
De mau gosto , mau gosto / É que Narciso acha feio / O que não é espelho / E a mente apavora / O que ainda não é mesmo velho / Nada do que não era antes / Quando não somos mutantes .../ E foste um difícil começo / Afasto o que não conheço / E quem vem de outro sonho / Feliz de cidade / Aprende depressa a chamar-te / De realidade / Porque és o avesso / Do avesso , do avesso , do avesso / O povo oprimido nas filas / Nas vilas , favelas / Da força da grana que ergue / E destrói coisas belas / Da feia fumaça que sobe / Apagando as estrelas / Eu vejo surgir teus poetas / De campos e espaços / Tuas oficinas de florestas / Teus deuses da chuva / Panaméricas / De Áfricas utópicas / Túmulo do samba / Mais possível novo / Quilombo de Zumbi / E os novos baianos / Passeiam na tua garoa / E novos baianos /Te podem curtir numa boa / . “ ] .
Em uma visão comparativa , Caetano motiva-se no devastador furacão que , nos anos 90 , destruiu o Haiti , chamando atenção para a excessiva ajuda dada àquele país , perante a miséria que se vive no Brasil. O tema apresenta um tom de “ hip-hop “ , caracterizando um protesto musical na canção-poema “ HAITI “
[ “ / Quando você for convidado para subir no adro da / Fundação Casa de Jorge Amado / Pra ver do alto a fila de soldados , quase todos pretos / Dando porrada na nuca de malandros preto / De ladrões mulatos / E ouros quase brancos / Tratados como pretos / Só para mostrar aos outros quase pretos / ( E são quase todos pretos ) / E ao quase brancos pobres como pretos / Como é que pretos , pobres e mulatos / E quase branco quase pretos de tão pobres são tratados / E não importa se olhos do mundo inteiro possam / |
Estar por um momento voltados para o largo / Onde os escravos eram castigados / E hoje um batuque , um batuque com a pureza de / Meninos uniformizados / De escola secundária em dia de parada / E a grandeza épica de um povo em formação / Nos atrai , nos deslumbra e estimula / Não importa nada / Nem o traço do sobrado , nem a lente do Fantástico / Nem o disco de Paul Simon / Ninguém / Ninguém é cidadão / Se você for ver a festa do Pelô / E se você não for / Pense no Haiti / Reze pelo Haiti / O Haiti é aqui / O Haiti não é aqui / E na TV se você vir um deputado em pânico / Mal dissimulado / Diante de qualquer , mas de qualquer mesmo / Qualquer qualquer / Plano de Educação / Que pareça fácil / Que pareça fácil e rápido / E vá representar uma ameaça de democratização / Do ensino de primeiro grau / E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital / E o venerável cardial disser que vê tanto espírito no feto / E nenhum no marginal / E se , ao furar o sinal , o velho sinal vermelho habitual / Notar um homem mijando nas esquina da rua / Sobre um saco brilhante de lixo do Leblon / E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo diante da chacina / 111 presos indefesos / Mas presos quase todos pretos / Ou quase pretos /Ou quase brancos , quase pretos de tão pobres / E pobres são como podres / E todos sabem como se tratam os pretos / E quando você for dar uma volta no Caribe / E quando for trepar sem camisinha / E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba / Pense no Haiti / Reze pelo Haiti / O Haiti é aqui / O Haiti não é aqui / . “ ] .
Caetano Veloso , nesta bela e inteligente canção , exalta , estilisticamente , o paradoxismo , em temas volitivos de alta complexidade , usando uma figura de linguagem cujo nome é OXIMORO que consiste em reunir palavras aparentemente contraditórias , manifestação poética presente na composição “ O QUERERES “ .
[ “ / Onde queres revólver , sou coqueiro / Onde queres dinheiro , sou paixão / Onde queres descanso , sou desejo / E onde sou só desejo , queres não / E onde não queres nada , nada falta / E onde voas bem alto , eu sou o chão / E onde pisas o chão , minha alma salta / E ganha liberdade na amplidão / Onde queres família , sou maluco / E onde queres romântico , burguês / Onde queres Leblon , sou Pernambuco / E onde queres eunuco , garanhão / Onde queres o sim e o não , talvez / E onde vês , eu não vislumbro razão / |
Onde o queres o lobo , eu sou o irmão / E onde queres cowboy , eu sou chinês / Ah ! bruta flor do querer / Ah ! bruta flor , bruta flor / Onde queres o ato , eu sou o espírito / E onde queres ternura , eu sou tesão / Onde queres o livre , decassílabo / E onde buscas o anjo , sou mulher / Onde queres prazer , sou o que dói / E onde queres tortura , mansidão / Onde queres um lar , revolução / E onde queres bandido , sou herói / Eu queria querer-te amar o amor / Construir-nos dulcíssima prisão / Encontrar a mais justa adequação / Tudo métrica e rima e nunca dor / Mas a vida é real e de viés / E vê só que cilada o amor me armou / Eu te quero ( e não queres ) como sou / Não te quero ( e não queres ) como és / Ah! Bruta flor do querer / Ah ! bruta flor , bruta flor / Onde queres comício , flipper-vídeo / Onde queres romance , rock’n roll / Onde queres a lua , eu sou o sol / E onde a pura natura ,inseticídio / Onde queres mistério , eu sou a luz /E onde queres um canto , o mundo inteiro / E onde queres quaresma , fevereiro / E onde queres coqueiro , eu sou obus / o quereres e o estares sempre a fim / Do que em mim e de mim tão desigual / Faz-me querer-te bem , querer-te mal / Bem a ti , mal ao quereres assim / Infinitamente pessoal / E eu querendo querer-te sem ter fim / E, querendo-te , aprender o total / Do querer que há e do que não há em mim / . “ ] .
Depois de cantar com bastante precisão a beleza da mulher carioca , em homenagem ao Rio de Janeiro , Caetano , tendo como modelo de sua canção um surfista da praia de Ipanema , símbolo de uma geração de jovens , bronzeados , cabelos soltos , ar atlético , descreve , poeticamente , caracteres corporais e atitudes de liberdade com o pensamento de viver a vida de um “ MENINO DO RIO “ . ,
[ “ / Menino do Rio / Calor que provoca arrepio / Dragão tatuado no braço / Calção corpo aberto no espaço / Coração , de eterno flerte / Adoro ver-te... / Menino vadio / Tensão flutuante do Rio / Eu canto pra Deus / Proteger-te .../ O Hawai , seja aqui / Tudo o que sonhares / Todos os lugares / As ondas dos mares / Pois quando eu te vejo / Eu desejo o teu desejo / Menino do Rio / Calor que provoca arrepio / Toma esta canção / Como um beijo ... / . “ ] |
. A língua como sistema organizado e meio de comunicação permite , de forma emotiva , que a linguagem mítica faça um jogo com suas palavras para expressar sua criatividade . Caetano , em uma bela demonstração de conhecimento do idioma e da Literatura , constrói , poeticamente , uma linda canção onde manifesta todos os conceitos e preconceitos linguísticos , em um maravilhoso manejo com a conotação das palavras presente em “ LÍNGUA “ .
[ “ / Gosto de sentir a minha língua roçar / A língua de Luís de Camões / Gosto de ser e estar / E quero me dedicar / A criar confusões de prosódias / Que encurtem dores / E furtem cores como camaleões / Gosto do Pessoa na pessoa / Da rosa no Rosa / E sei que a poesia está para prosa / Assim como o amor está para amizade / E quem há de negar que esta lhe é superior / E deixa os portugais morrem à míngua / “ Minha pátria é minha língua “ / Fala mangueira ! / Fala ! / Flor do Lácio Sambódromo / |
Lusamérica latim em pó / O que quer / O que pode / Esta língua ? / Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas / E o falso inglês relax dos surfistas / Sejamos imperialistas / Vamos na velô da dicção choo , choo de / Carmem Miranda / E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate / E – xeque-mate – explique-nos Luanda / Ouçamos com atenção os deles e os delas da / TV Globo / Sejamos o lobo do lobo dos homem / Adoro nomes / Nomes em à / De coisas como romã e ímã / Nomes de nomes / Como Scarlet Moon Chevalier / Glauco Matoso e Arrigo Barnabé e Maria da / Fé e Arrigo Barnabé / Flor do Lácio ............Esta língua ? / Incrível / É melhor fazer uma canção / Esta provado que só é possível / Filosofar em alemão / Blitz quer dizer corisco / Hollyood quer dizer Azevedo / E o Recôncavo , e o Recôncavo / E o Recôncavo / Meu medo ! / A língua é minha pátria / E eu não tenho pátria : tenho mátria / E quero frátria / Poesia concreta e prosa caótica / Ótica futura / O samba-rap , chic – left com banana / Será que ela está no Pão de Açúcar ? / Tá craude brô você e tu lhe amo / Qué queu te faço , nego / Bote ligeiro / Nós canto-falamos como que inveja negros /Que sofrem horrores no gueto do Harlem / Livros , discos , vídeos à mancheia / E deixe que digam , que pensem e que falem / . “ ] .
Em uma bela apologia poética ao samba , Caetano , nesta linda canção , conceitua os efeitos benéficos causados por esse gênero musical em relação à sua sobrevivência como receituário para transformação de muitas melancolias em “ DESDE QUE O SAMBA É SAMBA “ .
[ “ / A tristeza é senhora / Desde que o samba é samba é assim / A lágrima clara sobre a pele escura / A noite à chuva cai lá fora / Solidão apavora / Tudo demorando em ser tão ruim / Mas alguma coisa acontece no quando agora em mim / Cantando eu mando a tristeza embora / O samba ainda vai nascer / O samba ainda não chegou / O samba não vai morrer / Veja , o dia ainda não raiou / O samba é pai do prazer / O samba é filho da dor / O grande poder transformador / . “ ] . |
Encerrando esta pequena amostra de uma imensa galeria de sucesso cultuada por esse gênio da MPB , O CANTINHO MUSICAL , em respeito às composições magníficas de CAETANO VELOSO , sente-se plenamente orgulhoso de expor algumas joias musicais que fascinam os amantes da arte musical .
“ SE O SER HUMANO CONSEGUISSE DIMINUIR A DISTÂNCIA ENTRE A EMOÇÃO E O CONHECIMENTO , CERTAMENTE , A BOA MÚSICA DARIA LENITIVO POÉTICO AOS SENTIMENTOS AMOROSOS E À COMPREENSÃO CLARA DAS MENSAGENS . CONSEQUENTEMENTE , AS COMPOSIÇÕES DE CAETANO VELOSO SERIAM RESPONSÁVEIS PELO ESTREITAMENTO EM RELAÇÃO AO EMOTIVO E AO CONHECER . “
Waldemar Pedro Antonio e-mail : [email protected]