26/04/2016 às 19h08min - Atualizada em 26/04/2016 às 19h08min

Tiradentes e Mão-de-Luva passaram pelo feijão cru

A realidade e a lenda (*)

Plinio Fajardo Alvim
1 - Mapa das Estradas Reais e das Rotas clandestinas nas Areas Proibidas
Áreas Proibidas - Até fins do século XVIII essa região - localizada na atual Zona da Mata mineira, na fronteira com o atual Estado do Rio de Janeiro, das margens do Rio Pomba até às do Rio Paraíba do Sul - era conhecida como Sertões de Leste das Áreas Proibidas’. Seus primitivos habitantes eram os indígenas Puris, Cropós e Croatos. Durante o histórico Ciclo do Ouro, a Coroa Portuguesa desautorizava a abertura de novas estradas nesta área. O nome Áreas Proibidas se deve a essa restrição e à imensa floresta – que formava uma barreira natural, contribuindo para dificultar o extravio do ouro.
 
Apesar da medida, a região já abrigava inúmeros moradores e era cortada por incontáveis caminhos clandestinos. Essas rotas eram usadas por contrabandistas para desviarem da fiscalização dos Registros – Postos de Arrecadação – existentes na via oficial, o Caminho Novo, que passava a poucas léguas daqui. Algumas trilhas cruzavam os territórios atualmente ocupados pelos municípios de Rio Pomba, São João Nepomuceno, Guarani, Mar de Espanha, Leopoldina, Argirita, Santo Antonio do Aventureiro, Volta Grande, Estrela Dalva, Pirapetinga e Além Paraíba, e pelo distrito de Angustura, pertencente a este último.
 
A Lenda do Mão-de-Luva - Entre os usuários dessas variantes ilegais merece destaque Manoel Henriques – cognominado o Mão-de-Luva – chefe de um grupo que garimpava ouro, sem a permissão da Coroa, nos vizinhos ‘Sertões de Macacu das Áreas Proibidas’, localizados na Serra Fluminense, à qual tinham acesso atravessando o então caudaloso Rio Paraíba. Segundo a tradição oral popular, Mão-de-Luva teria sido um nobre português – Conde, Marquês ou Duque de Santo Tirso -, que, enamorando-se da Princesa Maria, então futura D. Maria I, a Louca, acabou envolvido em um atentado contra o Rei de Portugal, Dom José I, pai de Maria. O Rei, que se fazia acompanhar do poderoso Ministro Marquês de Pombal, saiu ferido deste episódio. Santo Tirso teria sido extraditado para o Brasil, livrando-se da morte por conta de seu romance com a princesa. Essa curiosa lenda, contudo, não encontra respaldo em provas documentais históricas.

 
Tiradentes no Pouso do Feijão Cru - Em 1784, no dia 16 de abril, o Governador de Minas, Dom Luiz da Cunha Menezes, mandou um Regimento para fazer um minucioso levantamento geográfico, social e econômico da região, incluindo: avaliação do potencial de produção de minerais preciosos; os rios, montanhas e caminhos existentes; o número de povoações e de habitantes; além de abrir novas estradas e criar novos Registros, Rondas e Patrulhas, etc.

O comandante da missão era o Sargento-mor (Major) Pedro Afonso Galvão de São Martinho.
 
Para cumprir a parte técnica da expedição o Governador designou, nominalmente, um perito, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier – o Tiradentes. Profundo conhecedor da região (foi Tropeiro, Chefe da Ronda do Mato e construiu um atalho no Caminho Novo) e dotado de formação bastante eclética (além de dentista prático, conhecia sobre medicina, botânica, engenharia e mineração), que o credenciavam, Tiradentes foi o responsável pela escolha do local e pela construção do ‘Registro ou Porto do Cunha’, atual Além Paraíba-MG. Tiradentes e São Martinho também criaram os Registros de Louriçal (próximo à atual cidade de Chiador-MG)  e de Ericeira (próximo à atual Santana do Deserto-MG), ambos criados ao longo da estrada - parte da qual margeia o Rio Paraíba - que abriram em direção ao Registro do Paraibuna e ao Porto do Menezes, localizados nas proximidades das atuais Matias Barbosa e Juiz de Fora-MG. É muito provável, portanto, que Tiradentes, São Martinho e Mão-de-Luva tenham passado pelas proximidades do primitivo ‘Pouso do Feijão Cru’, berço de Leopoldina.
 
Em 1786, São Martinho e seu Regimento – já sem a presença de Tiradentes - voltaram ao Porto do Cunha, usando-o como base para a operação de ataque ao acampamento e de prisão de Manoel Henriques – no local conhecido como ‘Descoberto do Macuco’, onde, hoje, existe o município de Cantagalo-RJ. A queda do ‘Descoberto” ocorreu no dia 13 de maio daquele ano.
 
Quem era o verdadeiro Mão-de-Luva - Alguns pesquisadores afirmam que seu verdadeiro nome seria Manoel Henriques da Silva, também conhecido como ‘Manoel Henriques do Xopotó’, por ter residido na ‘Igreja Nova do Xopotó’, na região daquele rio mineiro – provavelmente, no atual município de Alto Rio Doce ou no de Cipotânia, antigos São José do Xopotó e São Caetano do Xopotó, respectivamente, na antiga Freguesia de Guarapiranga. Seus pais foram Manoel Henriques Malho e Maria da Silva Campos, moradores naquela Freguesia; ele, natural de Portugal e ela, natural de Guaratinguetá. O seu apelido – Mão-de-Luva - seria devido ao uso constante de uma luva de couro (um tipo de prótese rudimentar), para disfarçar um aleijão ou a falta da mão, perdida em um acidente ou em uma luta.
 


Ao contrário do que fazem supor algumas obras de ficção, Mão-de-Luva não era um mero salteador de beira de estrada. Foi, sim, garimpeiro e contrabandista de ouro. E teve uma importante e significativa participação no devassamento e penetração da Zona da Mata Leste e da Região Serrana Fluminense. É interessante notar que Mão-de-Luva penetrara os sertões fluminenses desde meados da década de 1760, trilhando (ou mesmo, abrindo) os caminhos existentes no lado mineiro, em razão da interdição dos acessos pelo litoral (de Cabo Frio a Campos dos Goytacazes), determinada pelo então Vice-rei de Portugal no Brasil, o Conde da Cunha. Uma das vertentes deste chamado ‘Caminho do Mão-de-Luva’ passava por São Manoel (atual Rio Pomba-MG) e cruzava a nossa região.
 
Suspeitas de corrupção - Existem informações de que São Martinho e militares do seu Regimento tinham um contato muito próximo com Mão-de-Luva e seus comandados, motivo de constantes questionamentos do novo Vice-rei, Dom Luiz de Vasconcelos, ao Governador Luiz da Cunha Menezes. Há, inclusive, historiadores que afirmam que o Sargento-mor São Martinho e seus agentes teriam sido corrompidos por Mão-de-Luva – usam a expressão “levar por fora” o ouro contrabandeado – contrariando as ordens da Coroa. Depois de preso, Manoel Henriques teria sido embarcado para Portugal ou para uma das colônias portuguesas, na África; e teria morrido naufragado, durante a viagem. Há, contudo, pesquisadores que afirmam que, depois de presos, ele e seus irmãos – com quem garimpava – teriam sido transferidos para a Província do Rio Grande do Sul, com nomes trocados.
 
E, voltando à interessantíssima lenda, também há quem informe que D. Maria I teria enlouquecido depois de descobrir que o ‘facinoroso Mão-de-Luva’ era o seu amado ‘Tirso’ e que fora dela a ordem para a sua extradição – provocando a sua morte, no referido naufrágio.
 
Possíveis parentes do Mão-de-Luva, em Leopoldina e região - São Manoel do Pomba (Rio Pomba-MG, protocélula de 73 municípios da região) foi fundada oficialmente em 25 de dezembro de 1767 pelo Padre Manoel de Jesus Maria. Convém salientar que, tempos depois, o Pe. Manoel J. Maria viria a ter como coadjutor o Padre Jacó Henriques Pereira - instituidor do Patrimônio da Matriz de N. Sra. das Mercês, em 1790, na atual cidade de Mercês-MG, vizinha à Rio Pomba.
 
Padre Jacó Henriques era tio de Domingos Henriques de Gusmão – um dos fundadores de São João Nepomuceno-MG e o principal benfeitor da construção da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Piedade, no atual distrito de Piacatuba, em Leopoldina-MG. Domingos Henriques de Gusmão, nascido em São José do Xopotó (atual Alto Rio Doce-MG) em fins da década de 1780, tinha um irmão chamado Manoel Henriques de São Nicácio. Ambos eram filhos do Alferes Manoel Henriques Pereira Brandão, irmão do Pe. Jacó, cujo pai, José Henriques, fora ‘baldeador de cargas’ (tropeiro), entre Vila Rica-MG e o Rio de Janeiro, e fixou-se em ‘Campo Alegre dos Carijós’, hoje Conselheiro Lafaiete-MG, para onde viera, de Portugal, por volta de 1745. Em 16 de junho de 1755, José Henriques recebeu Carta de Sesmaria no Sertão do Rio Guarapiranga. José Henriques era filho de Manoel Henriques de São Francisco.
 
É possível que haja algum parentesco entre Domingos Henriques de Gusmão e o Manoel Henriques ‘Mão-de-Luva’. Vejamos: Domingos Henriques de Gusmão (este nome Gusmão é de provável influência religiosa, como era costume) nasceu na mesma região mineira (Rio Xopotó, Guarapiranga), aonde Manoel Henriques ‘Mão-de-Luva’ teria nascido e de onde teria saído para explorar os “Sertões de Macacu” em meados do século XVIII, poucos anos depois da chegada da família de Domingos Henriques à Minas; além do que, vários parentes próximos de Domingos Henriques também se chamavam Manoel Henriques, como vimos - um irmão, o pai e o bisavô. Depreende-se, portanto, que o pré-nome ‘Manoel’ fosse comum entre os homens da família Henriques. O que nos permite acreditar na possibilidade desse parentesco.
 
(*)Plínio F. Alvim – Leopoldinense. Pesquisador diletante da História da Mata Mineira. Ambientalista. Ferroviarista. Membro da Academia Ferroviária de Letras, do Movimento de Preservação Ferroviária, do Grupo Brasil Verde e do Instituto CulturaR. Administrador pela UFRJ. Pós-graduado.
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