29/04/2016 às 10h46min - Atualizada em 29/04/2016 às 10h46min

Semana dos sonetos líricos camonianos

A tradição poética e a influência clássica serviram de paradigma para a criação de formas e conteúdos de vários poetas da língua portuguesa. Luís  Vaz  de  Camões  cedeu , por meio de suas obras , um modelo clássico para a composição do acervo poético da nossa Literatura Brasileira . O CANTINHO  POÉTICO  , orgulhosamente , dedica a semana ao  poeta do classicismo português  que possui obras à  altura dos grandes poetas do mundo. Seu poema épico “ Os Lusíadas “ divide-se em dez cantos repartidos em oitavas. Esta epopéia tem como tema os feitos dos portugueses: suas guerras e navegações. A bagagem literária deixada pelo escritor é de inestimável valor literário. Ele escreveu poesias líricas e épicas, peças teatrais, sonetos que em sua maior parte são verdadeiras obras de arte.  Em suas  poesias líricas , o amor é descrito como um sentimento que entusiasma o homem, tornando-o capaz de atingir o Bem, a Beleza e a Verdade. Também aparece como um sentimento de significado contrário pela própria natureza. Por um lado, o Amor é manifestação do espírito, por outro lado é manifestação física. Para Camões, o Amor deve ser experimentado, deve ser sentido e não apenas mental , fruto do pensamento. Com tal teoria o poeta oscila entre a visão platônica do amor idealizado e a visão de   Petrarca do amor concretizado.
     Apresentaremos, a partir deste momento, um espaço dedicado aos sonetos camonianos em que o tema AMOR é constituído sobre várias vertentes poéticas .  Na sua poesia lírica, onde o título do soneto é sempre o primeiro verso da primeira estrofe ,   o poeta passa a ideia de que o amor só vale a pena quando é complexo, e contraditório , momento em que o sofrimento amoroso , na concepção poética de Camões, é causa  e  efeito , como veremos no poema abaixo :

Amor é fogo que arde sem se ver
        
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

No soneto abaixo , Camões lamenta a morte de Dinamene , chinesa com quem o Poeta teria vivido em Macau , na volta de uma viagem à Índia em que  o navio naufragou nas costas do Camboja . Nos versos líricos constituídos no poema , o platonismo revela-se pela sublimação eternizada da amada, a partir de sua perda . O poeta contempla a amada transubstanciada em puro espírito ("lá no assento etéreo"), por via do muito amar.

Alma minha gentil, que te partiste

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Camões faz uma abordagem , no soneto abaixo , sobre a sua própria atividade poética , usando de uma falsa modéstia , duvidando de sua capacidade de fazer um poema a altura da amada , desse modo também expressa uma exaltação à beleza da mesma.

Eu cantarei de amor tão docemente

Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dous mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.

Farei que o amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.

Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.

Porém, para cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa,
Aqui falta saber, engenho e arte.

No poema a seguir , trata-se de um soneto em que o assunto central é a pertinência no amor , simbolizada pela narração resumida da história bíblica de Jacob , em que ele representa uma personagem que ultrapassa todas as barreiras a fim de merecer a pessoa amada , mas , ao cabo de um longo período  servindo  Labão , recebe dele Lia , outra filha, e não Raquel, tal como era o seu desejo. 

Sete anos de pastor Jacob servia  

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: – Mais servira, se não fora
Pelo tão longo amor tão curta a vida! 

No poema há uma nítida abordagem sobre a vida passada do poeta e a tristeza que ele sente ao recordá-la , evocando três razões : seus erros , má fortuna , amor ardente que justificam um sentimento de infelicidade   , em relação à vida e aos erros que foram  cometido no passado.

Erros  meus, má fortuna , amor ardente 

Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram; 
Os erros e a fortuna sobejaram, 
Que para mim bastava amor somente.
 
Tudo  passei ; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas  que passaram, 
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.
    
Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa [a] que a Fortuna castigasse 
As minhas mal fundadas esperanças. 
           
De amor não vi senão breves enganos. 
Oh!  quem  tanto pudesse, que fartasse 
Este meu duro gênio de vinganças!

O soneto apresenta um retrato da mulher amada, onde se dá maior relevo aos traços morais. O conjunto de qualidades que lhe é expresso tende a produzir uma imagem de perfeição e a não individualização da mulher . Como as qualidades morais são em maior número, parece ser sobretudo  a beleza espiritual que fascina o sujeito poético. Trata-se de um retrato idealizado, indefinível , expondo ,  à maneira de Petrarca , os atributos morais da mulher amada, podendo transformar-lhe o pensamento em brandura , piedade , honestidade , doçura , humildade e outros atributos moralizantes . A escassa referência a características físicas e a predominância das qualidades morais remetem-nos para a ideologia platônica. Todavia, é sobretudo nítida a influência de Petrarca  no ideal de beleza feminina, e nas qualidades morais atribuídas à mulher .

UM  MOVER  DE  OLHOS ,  BRANDO  E  PIEDOSO

Um  mover de olhos, brando e piedoso
Sem ver de quê; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De  qualquer  alegria  duvidoso;

Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravíssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
Indício da alma, limpo e gracioso;

Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento:

Esta foi a celeste formosura
Da minha Circe, e o mágico veneno
Que pôde transformar meu pensamento.

 
 
 
 
 
 
 
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