24/05/2016 às 00h00min - Atualizada em 24/05/2016 às 00h00min

VINTE ANOS DEPOIS

POR NELSON VIEIRA FILHO
Dr. Nelsinho, Bira, Jairo e Carlinhos
A Rádio Jornal transmitia direto do Maracanã os jogos de domingo do campeonato carioca de futebol. O locutor já era o Jairo Fernandes, com seu vozeirão e sua competência. Como repórter de campo, o Ubiracy “Bira” Bártoli e, como comentarista, o carioca Fulano. Dirigindo nossa condução, meu saudoso e cordial amigo Carlinhos, nome completo Carlos Augusto de Almeida Ramos.

Era tempo do programa “Fio da Navalha”, comandado pelo José Américo Barcellos, de que eu, o José Geraldo “Gué” e o Antônio Carlos “CaiCai” Lima Iennaco participávamos uma vez por semana. Era o início de maio de 1996 e alguém, em tom de lamento, informou “não vamos poder transmitir o jogo de domingo porque o Fulano telefonou que está acamado. E sem comentarista não será possível irmos”. Sem ser chamado à conversa, meti o bedelho e falei “se é por causa de comentarista não se preocupem, eu posso ir fazer a função do Fulano”. Surpresos com meu oferecimento, Zé Américo e seu interlocutor me confirmaram.

Ignorando minha tarefa, disse que iria ficar à beira do campo para melhor ver tudo e, quando chamado, poder falar. Com antecedência, fui me atrevendo por “aqui e ali” e um educado funcionário do Estádio me informou que, pela cor de minha credencial, eu não poderia ter acesso ao campo. Fiquei tão amuado que nele despertei comiseração e ele, generoso, me falou “fique  em tal lugar e, quando os times forem entrar, haverá uma movimentação diferenciada e aí você vai no bolo e entra, não sem antes virar sua credencial para ninguém perceber a cor dela”. Assim fiz, fotografei o Flamengo em sua pose oficial antes do jogo e uma das fotos ficou tremida, pois, afoito,invadi o espaço de outro fotógrafo, que me derrubou. Voltei ao lugar onde estava o Jairo, esperando ser convidado a comentar.  Votei no lateral-esquerdo Gilberto para melhor jogador e, quando cheguei à minha casa em Leopoldina, fui censurado por meu filho Maurício, que ficou vendo o jogo pela TV e ouvindo a transmissão pela Rádio Jornal.



O Flamengo ganhou a Taça Guanabara de 2 x 0, gols de Romário e Sávio. Deslumbrado, decidi dar a volta olímpica com o time e, mais veloz que Cafuringa, voltei ao gramado e me diverti. Quis entrar no vestiário e fui barrado, mesmo estando com uniforme da Rádio e microfone na mão. Amuado, ou mais propriamente arrasado, ia voltar a meu posto quando ouvi uma charanga tocando e enxerguei uns brutamontes carregando pelas laterais um enorme e bem confeitado bolo. Sabe aquele lugar onde os parentes de defuntos pegam no caixão, na parte de trás, sem alça? Num despertar de inteligência, “voei” em direção ao bolo e peguei em sua parte traseira e, sob delirantes gritos de “Mengo, Mengo”, entrei no vestiário ao som da charanga que tocava “Uma vez Flamengo, sempre Flamengo etc.”. Chamaram-me, fotografaram-me individualmente perto do bolo e, quando o Cléber Leite partiu o bolo e deu o primeiro pedaço para o Romário, este,  num gesto automático, sem me olhar, passou-o (isto mesmo, o primeiro pedaço !) para mim que, tal papagaio de pirata, estava a seu lado. Peguei o pedaço e me afastei, quase chorando de emoção.

Áureo Ameno, vascaíno fanático, comentarista da Rádio Globo, foi meu colega de faculdade e tínhamos um relacionamento muito cordial. Na viagem de volta, o rádio do carro só pegava a Globo e o Áureo estava falando “que palhaçada, nunca vi dar volta olímpica em primeiro turno”. Quanto tempo fiquei a esperar para dizer pessoalmente ao Áureo “volta olímpica é palhaçada porque seu Vasco perdeu o jogo”.

Como “comentarista”, só me lembro de ter votado no Gilberto como melhor jogador da partida, mas garantidamente o 05 de maio de 1996, mesmo depois de vinte anos, continua um dia inesquecível em minha vida.

A quem se admirar com minha aventura, um esclarecimento de altíssima relevância: dias depois é que me dei conta que, durante todo o tempo em que estive no vestiário, fui, diante da euforia geral, confundido com o Plínio Serpa Pinto, na ocasião diretor de futebol do Flamengo e, como eu, baixinho e de cabelos muito brancos.
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