O Romantismo Brasileiro desenvolveu-se em três gerações temáticas : 1ª. geração : INDIANISMO ; 2ª. geração: MAL- DO- SÉCULO ; terceira geração : CONDORISMO . O CANTINHO POÉTICO reserva seu espaço para a divulgação de algumas poesias de Manuel Antônio ÁLVARES DE AZEVEDO . Pertencente à segunda geração do Movimento Romântico Brasileiro cujas temáticas eram influenciadas pelos sentimentos poéticos de LORD BYRON , geração denominada por MAL-DO-SÉCULO . Nenhuma obra de poeta brasileiro teve origem absolutamente literária como desse adolescente de vida pacata e estudiosa , morto antes de completar 21 anos , autor de uma quantidade de escritos em verso e prosa quase inacreditável para seu tempo de vida. ÁLVARES DE AZEVEDO , poeta ultrarromantista ( expressão dada no Brasil aos seguidores do byronismo europeu ) , manifesta suas temáticas em pleno sentimento pessoal e apaixonado , além do pessimismo doentio , tédio pela vida , obsessão pela morte , consciência da solidão e saudosismo exacerbado , impregnando nos textos a desilusão e a tristeza . De sua obra , selecionamos comoventes e célebres poesias que passamos a desfilar .
No poema seguinte , pode-se perceber que é uma clara reflexão à morte expressa pelo Poeta e observa-se , também , que é uma alusão à família que é sua primeira preocupação , pois sabe que ela sofreria com sua morte , desabafando , por um lado , pelo sofrimento dela por causa de sua ausência ; por outro , que seria um alívio para a alma .
Se eu morresse amanhã
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que amanhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que doce n'alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o doloroso afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
Há no poema , “ Lembranças de Morrer “ , um enorme sentimento de melancolia e uma cadência angustiada do poeta . Diante da existência angustiante , somente a morte simbólica poderia ser a saída . Ainda em versos líricos destina pela virgem seus dias de vida , mas esse desejo não se concretiza e por isso a morte é buscada como meio de libertação dos sofrimentos , numa linguagem que figura uma possibilidade de encanto .
LEMBRANÇAS DE MORRER
Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro,
- Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade - é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.
Só levo uma saudade - é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas.
De ti, ó minha mãe, pobre coitada,
Que por minha tristeza te definhas!
Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei. que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!
Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores.
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.
Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo.
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!
Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Foi poeta - sonhou - e amou na vida.
Na poesia medieval “ morrer de amor “ ou “ coita de amor “ era um imenso sofrimento , fruto pela idealização da mulher amada . Com grandes influências literárias das “ Cantigas de Amor “ , poesia lírico-amorosa no período medieval , Álvares de Azevedo demonstra todo sentimento “ dorido” do amor nos desejos expressos em cada verso e o encantamento exacerbado pela mulher amada com verdadeiras declarações apaixonantes .
Amor
Amemos! Quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tu’alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!
Quero em teus lábio beber
Os teus amores do céu,
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d’esperança,
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!
Vem, anjo, minha donzela,
Minha’alma, meu coração!
Que noite, que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!
No poema seguinte , Álvares de Azevedo extrapola unindo , na temática da poesia , o imagístico com o real . A imagem da virgem , fruto do amor ideal , é simbolizada e projetada no corpo da simples lavadeira. Nos momentos de sua ânsia lírica em transferir a imagem da mulher idealizada , o Poeta elege a lavadeira que estendia roupas no varal , dizendo É ela! É ela! É ela! É ela! A figura da lavadeira no poema é a de uma mulher que não se pode possuir . Dessa maneira , o poema afasta a possibilidade de concretização do ato sexual , confirmando a idealização da mulher no período romântico .
É ela! É ela! É ela! É ela!
É ela! é ela! — murmurei tremendo,
e o eco ao longe murmurou — é ela!
Eu a vi... minha fada aérea e pura —
a minha lavadeira na janela.
Dessas águas furtadas onde eu moro
eu a vejo estendendo no telhado
os vestidos de chita, as saias brancas;
eu a vejo e suspiro enamorado!
Esta noite eu ousei mais atrevido,
nas telhas que estalavam nos meus passos,
ir espiar seu venturoso sono,
vê-la mais bela de Morfeu nos braços!
Como dormia! que profundo sono!...
Tinha na mão o ferro do engomado...
Como roncava maviosa e pura!...
Quase caí na rua desmaiado!
Afastei a janela, entrei medroso...
Palpitava-lhe o seio adormecido...
Fui beijá-la... roubei do seio dela
um bilhete que estava ali metido...
Oh! decerto... (pensei) é doce página
onde a alma derramou gentis amores;
são versos dela... que amanhã decerto
ela me enviará cheios de flores...
Tremi de febre! Venturosa folha!
Quem pousasse contigo neste seio!
Como Otelo beijando a sua esposa,
eu beijei-a a tremer de devaneio...
É ela! é ela! — repeti tremendo;
mas cantou nesse instante uma coruja...
Abri cioso a página secreta...
Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!
Mas se Werther morreu por ver Carlota
Dando pão com manteiga às criancinhas,
Se achou-a assim tão bela... eu mais te adoro
Sonhando-te a lavar as camisinhas!
É ela! é ela, meu amor, minh'alma,
A Laura, a Beatriz que o céu revela...
É ela! é ela! — murmurei tremendo,
E o eco ao longe suspirou — é ela!
O poema “SONETO “ caracteriza-se pela descrição que o poeta faz , expondo , detalhadamente , informações sobre o ambiente e a beleza da mulher amada , mesclando a imagem da musa e a natureza . O tema é o sofrimento pela perda do amor de uma mulher . Os hábitos românticos estão marcados no poema pelo desespero e desilusão : viver perde o significado e a única ação sensata é a renúncia à vida .
SONETO
Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era a mais bela! Seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!
Neste poema o tema predominante é o pessimismo e a morte; o poeta parece que previa que teria uma vida curta, como realmente teve. Por isso despede-se dos sonhos não concretizados, lembrando-se de uma precoce mocidade, um amor não realizado e a ingenuidade vivida com os amores que teve. Sentindo-se ainda 'morto em vida' termina por afirmar que não via " Um punhado sequer de murchas flores! " Como se na verdade, o eu lírico em primeira pessoa fosse um espírito falando sobre a vida daquele corpo morto que observava.
Adeus, Meus Sonhos!
Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!
Misérrimo! Votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto,
E minh’alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.
Que me resta, meu Deus?
Morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já não vejo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!