O CANTINHO MUSICAL homenageará neste espaço uma pura intérprete de nossos sambas de raiz que adicionava em seus cantos garra , emoção , simplicidade e talento : “ CLARA NUNES “ . A nossa MINEIRA GUERREIRA , cantora e compositora , nasceu no dia 12 de agosto de 1942 , em Cedro (Distrito de Paraopeba ), hoje Caetanópolis, onde viveu até aos 16 anos. Cresceu ouvindo Carmem Costa , Ângela Maria e, principalmente , segundo as suas próprias palavras, Elizeth Cardoso e Dalva de Oliveira , das quais sempre teve muita influência , mantendo , no entanto , estilo próprio. Pesquisou a música popular brasileira , seus ritmos e seu folclore . Conhecendo as danças e as tradições afro-brasileiras, converteu-se ao candomblé. Foi uma das cantoras que mais gravou os compositores da Portela , escola para a qual torcia. Mulher à frente de seu tempo , determinada , corajosa , de personalidade forte , Clara Nunes carregava um ímã no olhar , transmitindo verdade em suas mensagens através de sua maravilhosa voz que emocionava seu público . Fazia questão de mostrar que era brasileira , mulher e espiritualista, que cantava ponto em terreiro e comungava em igreja católica , fezendo da voz sua poderosa arma de guerra . Foi a primeira cantora brasileira a vender mais de 100 mil cópias, derrubando um tabu segundo o qual mulheres não vendiam discos. Clara Nunes faleceu vítima de complicações cirúrgicas decorrentes de uma operação de varizes , no dia 2 de abril de 1083 , no Rio de Janeiro . A partir de agora , o Cantinho Musical fará um desfile de canções interpretadas pela magnífica e autentica voz de CLARA NUNES .
Iniciaremos com um samba de Cid Guerreiro , onde ela faz uma apresentação de seu currículo , demonstrando sua posição artística , suas convicções religiosas , sua segurança diante das adversidades e o profundo amor e grande admiração pelo SAMBA . Toda essa coragem declarada na canção é o suficiente para ser rotulada de: “ GUERREIRA “ . [ “ / Se vocês querem saber quem eu sou / Eu sou a tal mineira / Filha de Angola, de Ketu e Nagô / Não sou de brincadeira / Canto pelos sete cantos / Não temo quebrantos / Porque eu sou guerreira / Dentro do samba eu nasci, / Me criei, me converti / E ninguém vai tombar a minha bandeira / Bole com samba que eu caio e balanço o baláio no som dos tantãs / Rebolo, que deito e que rolo, / Me embalo e me embolo nos balangandãs / Bambeia de lá que eu bambeio nesse bamboleio / Que eu sou bam-bam-bam / E o samba não tem cambalacho, / Vai de cima embaixo pra quem é seu fã / Eu sambo pela noite inteira, / Até amanhã de manhã / Sou a mineira guerreira, / Filha de Ogum com Iansã / . “ ] .
Para confirmação de suas convicções religiosas , Romildo e Toninho compuseram uma linda canção que faz um demonstrativo das Entidades do Candomblé e da Umbanda , homenageando “ A DEUSA DOS ORIXÁS “ . [ “ Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar / Mas Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar / (3X) / Yansã penteia os seus cabelos macios / Quando a luz da lua cheia clareia as águas do rio / Ogum sonhava com a filha de Nanã / E pensava que as estrelas eram os olhos de Yansã / Mas Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar / (3x) / Na terra dos orixás, o amor se dividia / Entre um deus que era de paz / E outro deus que combatia / Como a luta só termina quando existe um vencedor / Yansã virou rainha da coroa de Xangô / Mas Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar/ mas Yansã, cadê Ogum? Foi pro mar/(3x) /. “ ] .
Ainda na composição de Toninho, que escolhe a Bahia como palco do misticismo , a canção é uma verdadeira demonstração da cena quando um pescador é levado pelas tormentas sagradas para o mundo da Deusa dos Orixás , deixando , com muita tristeza , sua amada à beira do mar na esperança do retorno que não se concretizará , tudo isso narrado com muito sentimento em “ CONTO DE AREIA “ . [ “ / É água no mar, é maré cheia ô / Mareia ô, mareia / É água no mar / (BIS) / Contam que toda tristeza / Que tem na Bahia / Nasceu de uns olhos morenos / Molhados de mar / Não sei se é conto de areia / Ou se é fantasia / Que a luz da candeia alumia / Pra gente contar / Um dia morena enfeitada / De rosas e rendas / Abriu seu sorriso de moça / E pediu pra dançar / A noite emprestou as estrelas / Bordadas de prata / E as águas de Amaralina / Eram gotas de luar. / Era um peito só / Cheio de promessa era só / Era um peito só cheio de promessa / (BIS) / Quem foi que mandou / O seu amor / Se fazer de canoeiro / O vento que rola das palmas / Arrasta o veleiro / E leva pro meio das água / de Iemanjá / E o mestre valente vagueia / Olhando pra areia sem poder chegar / Adeus, amor / Adeus, meu amor / Não me espera / Porque eu já vou me embora / Pro reino que esconde os tesouros / De minha senhora / Desfia colares de conchas / Pra vida passar / E deixa de olhar pros veleiros / Adeus meu amor eu não vou mais voltar / Foi beira mar, foi beira mar que chamou / Foi beira mar ê, foi beira / Era um peito só / Cheio de promessa era só / Era um peito só cheio de promessa / ” ].
Candeia continua com o mesmo eixo semântico em que apresenta todo mistério do mar e as belezas naturais , curvando-se diante de uma sambista e comparando-a com uma sereia , e ainda a bravura do pescador demonstrando coragem em mudar seu rumo em função de ter visualizado a bela cena da sambista quando “ O MAR SERENOU “ . [ “ / O mar serenou quando ela pisou na areia / Quem samba na beira do mar é sereia / (bis) / O pescador não tem medo / É segredo se volta ou se fica no fundo do mar / Ao ver a morena bonita sambando / Se explica que não vai pescar / Deixa o mar serenar / O mar serenou quando ela pisou na areia / Quem samba na beira do mar é sereia / A lua brilhava vaidosa / De si orgulhosa e prosa com que deus lhe deu / Ao ver a morena sambando Foi se acabrunhando então adormeceu o sol apareceu / O mar serenou quando ela pisou na areia / Quem samba na beira do mar é sereia / Um frio danado que vinha / Do lado gelado que o povo até se intimidou / Morena aceitou o desafio Sambou e o frio sentiu seu calor e o samba se esquentou / O mar serenou quando ela pisou na areia / Quem samba na beira do mar é sereia / A estrela que estava escondida / Sentiu-se atraída depois então / apareceu / Mas ficou tão enternecida Indagou a si mesma a estrela afinal será ela ou sou eu / O mar serenou quando ela pisou na areia / Quem samba na beira do mar é sereia / . “ ] .
Clara Nunes , com sua voz brilhante , incorpora uma verdadeira vendedora de símbolos e objetos brasileiros descritos no decorrer da bela canção composta por Sivuca e Glorinha Gadelha em vários tabuleiros de brasilidade na “ FEIRA DE MANGAIÓ “ . [ “ / Fumo de rolo arreio de cangalha / Eu tenho pra vender, quem quer comprar / Bolo de milho broa e cocada / Eu tenho pra vender, quem quer comprar / Pé de moleque, alecrim, canela / Moleque sai daqui me deixa trabalhar / E Zé saiu correndo pra feira de pássaros / E foi passo voando pra todo lugar / Tinha uma vendinha no canto da rua / Onde o mangaieiro ia se animar / Tomar uma bicada com lambu assado / E olhar pra Maria do Joá (2x) / Cabresto de cavalo e rabichola / Eu tenho pra vender, quem quer comprar / Farinha rapadura e graviola / Eu tenho pra vender, quem quer comprar / Pavio de cadeeiro panela de barro / Menino vou me embora / Tenho que voltar / Xaxar o meu roçado / Que nem boi de carro / Alpargata de arrasto não quer me levar / Porque tem um Sanfoneiro no canto da rua / Fazendo floreio pra gente dançar / Tem Zefa de purcina fazendo renda / E o ronco do fole sem parar (2x) / Eiii forró da mulestia.. / “ . ] .
Um canto muito bem ecoado sobre os problemas sociais nas etapas em que se formaram a etnia no Brasil , relacionados com a dor e o sofrimento dos negros , dos índios e dos brancos , na competência poética de Paulo Pinheiro e Mauro Duarte , quando , maravilhosamente , descrevem , com clareza em cada estrofe , toda história de dor do povo brasileiro , através do “ CANTO DAS TRÊS RAÇAS “ . [ “ / Ninguém ouviu / Um soluçar de dor / No canto do Brasil / Um lamento triste / Sempre ecoou / Desde que o índio guerreiro / Foi pro cativeiro / E de lá cantou / Negro entoou / Um canto de revolta pelos ares / No Quilombo dos Palmares / Onde se refugiou / Fora a luta dos Inconfidentes / Pela quebra das correntes / Nada adiantou / E de guerra em paz / De paz em guerra / Todo o povo dessa terra / Quando pode cantar / Canta de dor / E ecoa noite e dia / É ensurdecedor / Ai, mas que agonia / O canto do trabalhador / Esse canto que devia / Ser um canto de alegria / Soa apenas / Como um soluçar de dor / . “ ] .
Na competente simbiose poética do profano com o sacro , Paulo César Pinheiro e João Nogueira compuseram , homenageando , simultaneamente , a Portela , em seu desfile monumental , e Nossa Senhora Aparecida , padroeira do Brasil , numa comparação lírica e bela , com a interpretação intocável e emocional de Clara Nunes , o samba : “ PORTELA NA AVENIDA " . [ “ / Portela / eu nunca vi coisa mais bela / quando ela pisa a passarela / e vai entrando na avenida / parece / a maravilha de aquarela que surgiu / o manto azul da padroeira do Brasil / Nossa Senhora Aparecida / que vai se arrastando / e o povo na rua cantando / é feito uma reza, um ritual / é a procissão do samba abençoando / a festa do divino carnaval / Portela / é a deusa do samba, o passado revela / e tem a velha guarda como sentinela / e é por isso que eu ouço essa voz que me chama / Portela / sobre a tua bandeira, esse divino manto / tua águia altaneira é o espírito santo / no templo do samba / as pastoras e os pastores / vêm chegando da cidade, da favela / para defender as tuas cores / como fiéis na santa missa da capela / salve o samba, salve a santa, salve ela / salve o manto azul e branco da Portela / desfilando triunfal sobre o altar do carnaval / ] .
Ainda em composição de Mauro Duarte , uma canção que versa sobre a grande busca de uma ascensão social , não dando importância à maneira pela qual utiliza-se métodos inadequados , investindo , sem preocupação com a imagem , na finalidade a que se propõe alcançar . Esta música foi um sucesso na voz de Clara Nunes , transmitindo uma bela mensagem para aqueles que preferem a “ LAMA “ . [ “ / Pelo curto tempo que você sumiu / Nota-se aparentemente que você subiu / Mas o que eu soube a seu respeito / Me entristeceu, ouvi dizer / Que pra subir você desceu / Você desceu / Todo mundo quer subir / A concepção da vida admite / Ainda mais quando a subida / Tem o céu como limite / Por isso não adianta estar / No mais alto degrau da fama / Com a moral toda enterrada na lama / . “ ] .
Em um belo tema inspirado na reação contra a maldade composto por Paulo César Pinheiro e João Nogueira , com uma interpretação magnífica de Clara Nunes , confirmam que todo mal praticado pelos homens maus será extirpado da face da terra em uma resistência do bem oriunda dos fenômenos naturais , demonstrando que todo o poder não emana dos homens , e sim , da “FORÇA DA NATUREZA" . [ “ / Quando o Sol / Se derramar em toda sua essência / Desafiando o poder da ciência / Pra combater o mal / E o mar / Com suas águas bravias / Levar consigo o pó dos nossos dias / Vai ser um bom sinal / Os palácios vão desabar / Sob a força de um temporal / E os ventos vão sufocar o barulho infernal / Os homens vão se rebelar / Dessa farsa descomunal / Vai voltar tudo ao seu lugar / Afinal / Vai resplandecer / Uma chuva de prata do céu vai descer, la la La / O esplendor da mata vai renascer / E o ar de novo vai ser natural / Vai florir / Cada grande cidade o mato vai cobrir, ô, ô / Das ruínas um novo povo vai surgir / E vai cantar afinal / As pragas e as ervas daninhas / As armas e os homens de mal / Vão desaparecer nas cinzas de um carnaval (2X) / . “ ] .
Nesta canção , o compositor Edil Pacheco faz uma homenagem ao líder da independência indiana, MAHATMA GANDHI e a todos seus seguidores . Gandhi foi o idealizador e fundador do moderno Estado indiano e o maior defensor do Satyagraha (princípio da não-agressão, forma não violenta de protesto , traduzido como “ caminho da verdade ) como um meio de revolução . Clara Nunes acrescenta musicalmente pontos de louvor aos descendentes de Gandhi em cada estrofe de “ FILHOS DE GANDHI “ . [ “ / Filhos de Ghandi / Badauê / Ilê Alê / Malê de Balê / Ojú Obá / Tem um mistério / Que bate no coração / Força de uma canção (2x) / Que tem o dom / De encantar / Seu brilho / Parece o Sol derramado / Um céu prateado / Um mar de estrelas / Revela a leveza / De um povo sofrido / De rara beleza / Que vive cantando / Profunda grandeza / A sua riqueza / Vem lá do passado / De lá do congado / Eu tenho certeza / Filhas de Gandhi / Ê povo grande / Ôjuladê / Catendê / Babaobá / Netos de Gandhi / Povo de Zambi / Traz pra você / Um novo som / Ijexá / . “ ] .
Com base em uma carnavalização , Armando Fernandes compôs um samba , eternizado na voz de Clara Nunes , que expressa uma comparação nos movimentos oriundos das peças instrumentais de um bloco carnavalesco com os profundos sentimentos em uma perspectiva de se manter uma tradição com muita “ TRISTEZA PÉ NO CHÃO “ . [ “ / Dei um aperto de saudade / No meu tamborim / Molhei o pano da cuíca / Com as minhas lágrimas / Dei meu tempo de espera / Para a marcação e cantei / A minha vida na avenida sem empolgação / (BIS) / Vai manter a tradição / Vai meu bloco tristeza e pé no chão / Vai manter a tradição / Vai meu bloco tristeza e pé no chão / Fiz o estandarte com as minhas mágoas / Usei como destaque a tua falsidade / Do nosso desacerto fiz meu samba enredo / Do velho som do minha surda dividi meus versos / Vai manter a tradição / Vai meu bloco tristeza e pé no chão / (BIS) / / Nas platinelas do pandeiro coloquei surdina / Marquei o último ensaio em qualquer esquina / Manchei o verde esperança da nossa bandeira / Marquei o dia do desfile para quarta-feira / Vai manter a tradição / Vai meu bloco tristeza e pé no chão / (BIS) / . “ ] .
Em uma previsão de o mundo se tornar melhor , expressa em uma pequena canção , Nélson Cavaquinho e Elcio Soares , na grande esperança da maldade desaparecer cedendo lugar à bondade , compuseram um samba , com uma linda interpretação de Clara Nunes , que relata o momento em que o bem chegará a todos os corações no dia do “ JUÍZO FINAL “ . [ “ / O Sol há de brilhar mais uma vez / A luz há de chegar aos corações / Do mal será queimada a semente / O amor será eterno novamente / É o juízo final / A história do bem e do mal / Quero ter olhos pra ver / A maldade desaparecer / (BIS) / . “ ] .
Finalizando esta amostra de algumas canções da Guerreira , afirmamos que Clara Nunes foi a grande porta-voz dos sentimentos poéticos de nossas canções . Sendo esposa de Paulo César Pinheiro , levava , com sua bela voz e interpretação magníficas e inconfundíveis ao mundo do samba , temas com as descrições próprias de uma “ GUERREIRA “. Aos quarenta anos de idade ela é chamada pelos orixás para entoar lindos cantos com sua maravilhosa voz . Após a trágica morte de Clara Nunes , Paulo César Pinheiro e João Nogueira compuseram um poema musical inspirado no canto de um sabiá , cabendo à ALCIONE , a Marrom , a bela interpretação em homenagem à guerreira que agora é “ UM SER DE LUZ “ . [ “ / Um dia / Um ser de luz nasceu / Numa cidade do interior / E o menino Deus lhe abençoou / De manto branco ao se batizar / Se transformou num sabiá / Dona dos versos de um trovador / E a rainha do seu lugar / Sua voz então a se espalhar / Corria chão / Cruzava o mar / Levada pelo ar / Onde chegava espantava a dor / Com a força do seu cantar / Mas aconteceu um dia / Foi que o menino Deus chamou / E ela se foi pra cantar / Para além do luar / Onde moram as estrelas / E a gente fica a lembrar / Vendo o céu clarear / Na esperança de vê-la, sabiá / Sabiá / Que falta faz sua alegria / Sem você, meu canto agora é só / Melancolia / Canta meu sabiá, / Voa meu sabiá, / Adeus meu sabiá... / Até um dia../ ] .
Depois da triagem feita no imenso repertório das canções gravadas por CLARA NUNES , esperamos ter selecionado algumas peças que , de certa forma , venham agradar a todos amantes do samba , porque são canções que fizeram e fazem bastante sucesso junto aos sambistas . O “ Cantinho Musical lamenta não poder apresentar neste artigo outras belas joias gravadas pela “ MINEIRA GUERREIRA “ .
“ O RITMO E A CADÊNCIA DO SAMBA ESTÃO CONTIDOS NA ALMA DO POVO BRASILEIRO E SUAS POESIAS ESTÃO PRESENTES NA MEMÓRIA DOS SAMBISTAS . ESSES MAGNÍFICOS FENÔMENOS QUE OCORREM COM NOSSAS CANÇÕES SÃO REFORÇADOS DURANTE A EXECUÇÃO DAS MÚSICAS INTERPRETADAS POR CLARA NUNES , PORQUE ELA CANTA COM MUITA EMOÇÃO E ENCANTA COM A MANEIRA AUTÊNTICA EM SUAS BELAS APRESENTAÇÕES “ .