Neste artigo , o Cantinho Musical homenageará uma das vozes agradáveis dentre os intérpretes do nosso cancioneiro e um dos mais talentosos compositores da Música Popular Brasileira : MILTON NASCIMENTO . Milton nasceu em uma comunidade da Tijuca, no Rio de Janeiro. Mineiro de coração, tornou-se conhecido nacionalmente, quando a canção "Travessia", composta por ele e Fernando Brant, ocupou a segunda posição no Festival Internacional da Canção, de 1967. Em Belo Horizonte, para onde se mudou em 1963, a fim de prestar o vestibular para Economia , foi tocar com a banda Berimbau Trio . Nessa mesma época , com Wagner Tiso, , tornou-se amigo de Lô Borges e de Beto Guedes e dos poetas Márcio Borges e Fernando Brant, que marcariam o início dos anos de 1970 com o exuberante Clube da Esquina. O estilo musical de Milton pode ser classificado como Música Popular Brasileira, surgido de um desdobramento do resultado da bossa nova, com fortes influências desta, do jazz, do jazz-rock e de grandes expoentes do rock.
A partir de agora , o Cantinho Musical desfilará algumas belas canções compostas e interpretadas por esse artista que nos deixa muito orgulhosos diante do cenário musical . Nesta primeira amostra de Milton , apresentaremos uma canção que simboliza o grande sofrimento da mulher brasileira frente à adversidade da vida , lutando com muita magia e força para superar os problemas que a envolvem cotidianamente . O rótulo dessa maravilhosa mulher não poderia ser outro senão : “ MARIA , MARIA “ . [ “ / Maria, Maria / É um dom, uma certa magia / Uma força que nos alerta / Uma mulher que merece / Viver e amar / Como outra qualquer / Do planeta / Maria, Maria / É o som, é a cor, é o suor / É a dose mais forte e lenta / De uma gente que ri / Quando deve chorar / E não vive, apenas aguenta / Mas é preciso ter força / É preciso ter raça / É preciso ter gana sempre / Quem traz no corpo a marca / Maria, Maria / Mistura a dor e a alegria / Mas é preciso ter manha / É preciso ter graça / É preciso ter sonho sempre / Quem traz na pele essa marca / Possui a estranha mania / De ter fé na vida / Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! / Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!! / Lá Lá Lá Lerererê Lerererê / Lá Lá Lá Lerererê Lerererê / Hei! Hei! Hei! Hei! / Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! / Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! / Lá Lá Lá Lerererê Lerererê! / Lá Lá Lá Lerererê Lerererê! / . “ ] .
Milton Nascimento tornou-se conhecido nacionalmente, quando criou esta canção em parceria com Fernando Brant , ocupando a segunda posição no Festival Internacional da Canção, de 1967. O eixo semântico desta música versa sobre o choque entre a realidade e o sonho em uma bela confissão amorosa , assumindo a sua própria solidão , desencanto e abandono da pessoa amada durante a “ TRAVESSIA “ . [ “ / Quando você foi embora fez-se noite em meu viver / Forte eu sou, mas não tem jeito / Hoje eu tenho que chorar / Minha casa não é minha e nem é meu este lugar / Estou só e não resisto , muito tenho pra falar / Solto a voz nas estradas, já não quero parar / Meu caminho é de pedra, como posso sonhar / Sonho feito de brisa, vento vem terminar / Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar / Vou seguindo pela vida me esquecendo de você / Eu não quero mais a morte, tenho muito o que viver / Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer / Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver / Solto a voz nas estradas, já não quero parar / Meu caminho é de pedra, como posso sonhar / Sonho feito de brisa, vento vem terminar / Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar / Vou seguindo pela vida me esquecendo de você / Eu não quero mais a morte, tenho muito o que viver / Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer / Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver / . “ ] .
Fernando Brant e Milton Nascimento , parceiros de grandes obras musicais , compuseram uma bela canção que expressa o mais puro e lírico conceito de amigo , tendo o coração como morada e a memória como perpétua lembrança das lindas amizades , manifestação feita em “ CANÇÃO DA AMÉRICA “ . [ “ / Amigo é coisa para se guardar / Debaixo de sete chaves / Dentro do coração / Assim falava a canção que na América ouvi / Mas quem cantava chorou / Ao ver o seu amigo partir / Mas quem ficou, no pensamento voou / Com seu canto que o outro lembrou / E quem voou, no pensamento ficou / Com a lembrança que o outro cantou / Amigo é coisa para se guardar / No lado esquerdo do peito / Mesmo que o tempo e a distância digam "não" / Mesmo esquecendo a canção / O que importa é ouvir / A voz que vem do coração / Pois seja o que vier, venha o que vier / Qualquer dia, amigo, eu volto / A te encontrar / Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar / . “ ] .
Milton Nascimento e Wagner Tiso compuseram esta canção bem segredada à classe estudantil como uma forte resistência ao regime da época , diluída , verso a verso , em uma bela visão metafórica , descrevendo as perdas de uma juventude amedrontada , porém com esperanças guardadas e muito confiantes no “ CORAÇÃO DE ESTUDANTE “ . [ “ / Quero falar de uma coisa / Adivinha onde ela anda / Deve estar dentro do peito / Ou caminha pelo ar / Pode estar aqui do lado / Bem mais perto que pensamos / A folha da juventude / É o nome certo desse amor / Já podaram seus momentos / Desviaram seu destino / Seu sorriso de menino / Quantas vezes se escondeu / Mas renova-se a esperança / Nova aurora a cada dia / E há que se cuidar do broto / Pra que a vida nos dê / Flor, flor e fruto / Coração de estudante / Há que se cuidar da vida / Há que se cuidar do mundo / Tomar conta da amizade / Alegria e muito sonho / Espalhados no caminho / Verdes, planta e sentimento / Folhas, coração / Juventude e fé / . “ ] .
Mais uma vez com a parceria de Fernando Brand , Milton interpreta uma bela canção externando toda a pureza de um menino que está perpetuado na memória , representando um passado de beleza e um bravo conselheiro diante das adversidades , tudo inspirado em jogos que simbolizam a eterna e pura infância “ BOLA DE MEIA , BOLA DE GUDE “ . [ “ / Há um menino / Há um moleque / Morando sempre no meu coração / Toda vez que o adulto balança / Ele vem pra me dar a mão / Há um passado no meu presente / Um sol bem quente lá no meu quintal / Toda vez que a bruxa me assombra / O menino me dá a mão / E me fala de coisas bonitas / Que eu acredito / Que não deixarão de existir / Amizade, palavra, respeito / Caráter, bondade alegria e amor / Pois não posso / Não devo / Não quero / Viver como toda essa gente / Insiste em viver / E não posso aceitar sossegado / Qualquer sacanagem ser coisa normal / Bola de meia, bola de gude / O solidário não quer solidão / Toda vez que a tristeza me alcança / O menino me dá a mão / Há um menino / Há um moleque / Morando sempre no meu coração / Toda vez que o adulto fraqueja / Ele vem pra me dar a mão / . “ ] . Em um período de repressão política , caracterizado por um regime austero , obrigava aqueles que se opunham a seguir os ditames da época , deixarem o país .
Milton Nascimento e Ronaldo Bastos , em uma visão metafórica , retrataram nesta bela canção todo o problema , na confiança e na esperança de que “ NADA SERÁ COMO ANTES “ . [ “ / Eu já estou com o pé nessa estrada / Qualquer dia a gente se vê / Sei que nada será como antes, amanhã / Que notícias me dão dos amigos? / Que notícias me dão de você? / Alvoroço em meu coração / Amanhã ou depois de amanhã / Resistindo na boca da noite um gosto de sol / Num domingo qualquer, qualquer hora / Ventania em qualquer direção / Sei que nada será como antes amanhã / Que notícias me dão dos amigos? / Que notícias me dão de você? / Sei que nada será como está / Amanhã ou depois de amanhã / Resistindo na boca da noite um gosto de sol / . “ ] .
Em uma simples canção que faz abordagem aos mistérios que envolvem o plantio do campo , em uma referência ao bem-estar resultante de uma transformação da colheita em fartura na mesa , Milton Nascimento e Chico Buarque compuseram “ O CIO DA TERRA “ . [ “ / Debulhar o trigo / Recolher cada bago do trigo / Forjar no trigo o milagre do pão / E se fartar de pão / Decepar a cana / Recolher a garapa da cana / Roubar da cana a doçura do mel / Se lambuzar de mel / Afagar a terra / Conhecer os desejos da terra / Cio da terra, propícia estação / E fecundar o chão / . “ ] .
Em uma referência às canções já ilustradas no repertório musical interpretado por Milton Nascimento , em parceria com Ronaldo Bastos , criou-se , em forma de poesia , um protesto veemente sobre o regime repressivo , convidando os personagens aludidos em outras canções se posicionarem diante de uma reação ao regime da época com “ FÉ CEGA , FACA AMOLADA “ [ “ / Agora não pergunto mais pra onde vai a estrada / Agora não espero mais aquela madrugada / Vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser faca amolada / O brilho cego de paixão e fé, faca amolada / Deixar a lua nos brilhar e ser muito tranquilo / Deixar o seu amor crescer e ser muito tranqüilo / Brilhar, brilhar, acontecer, brilhar faca amolada/ Irmão, irmã, irmã, irmão de fé faca amolada / Plantar o trigo e refazer o pão de cada dia (Plantar o trigo e refazer o pão de todo dia) / Beber o vinho e renascer na luz de todo dia (Beber o vinho e renascer na luz de cada dia) / A fé, a fé, paixão e fé, a fé, faca amolada / O chão, o chão, o sal da terra, o chão, faca amolada / Deixar a sua luz brilhar no pão de todo dia / Deixar o seu amor crescer na luz de cada dia / Vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser muito tranqüilo / O brilho cego de paixão e fé, faca amolada / . “ ] .
O Cantinho Musical , em uma especial deferência , encerará este artigo homenageando um grupo de jovens que revolucionaram a Música Popular Brasileira com suas magníficas e inteligentíssimas criações que representam um rótulo desse movimento mineiro chamado : “ CLUBE DA ESQUINA “ . Milton foi , também , membro dessa bela movimentação musical , emprestando sua voz nas interpretações das obras criadas por aqueles jovens . Foi justamente ali , no final dos anos 60 , na esquina das ruas Paraisópolis e Divinópolis , ponto de encontro de músicos mineiros , no bairro de Santa Teresa , em Belo Horizonte , no coração das Minas Gerais , com uma especial iluminação da música e da poesia , liderado por Milton Nascimento e Lô Borges , onde nasceu , para deleite da Música Popular Brasileira , o “ CLUBE DA ESQUINA “ . Associaram-se , a esse belo movimento , músicos brilhantes , compromissados com o sucesso progressivo do clube , participando com suas maravilhosas canções . Dentre as pérola da MPB , podemos citar , além de Milton Nascimento e Lô Borges , Toninho Horta , Wagner Tiso , Beto Guedes , Márcio Borges , Túlio Mourão , Fernando Brant , Ronaldo Bastos , entre outros músicos mineiros . Os integrantes do “ Clube da Esquina “ desenvolveram suas carreiras individuais de sucesso , atuando como cantores , instrumentistas , arranjadores e compositores . Esse movimento cultural caracteriza-se por um conjunto de práticas musicais e opções estéticas que utiliza fontes tão diversificadas quanto o interior de Minas , a música latino-americana e os Beatles , de forma alternativa a outras propostas contemporâneas da Música Popular Brasileira . Esta canção que apresentaremos é uma composição de Fernando Brant e Lô Borges que foi resultante de um fato interessante . Lô Borges fez a melodia e enviou para Fernando Brant colocar a letra . Inicialmente houve uma resistência em adaptar uma poesia à melodia , porque estava sem inspiração . Ao hospedar-se em um hotel , Fernando , ao abrir a janela de seu quarto , viu que a visão dali era de um cemitério .
Eis a inspiração brotando e construindo uma bela poesia , motivada pela “ PAISAGEM DA JANELA “ . [ “ / Da janela lateral do quarto de dormir / Vejo uma igreja, um sinal de glória / Vejo um muro branco e um vôo pássaro / Vejo uma grade, um velho sinal / Mensageiro natural de coisas naturais / Quando eu falava dessas cores mórbidas / Quando eu falava desses homens sórdidos / Quando eu falava desse temporal / Você não escutou / Você não quer acreditar / Mas isso é tão normal / Você não quer acreditar / E eu apenas era / Cavaleiro marginal lavado em ribeirão / Cavaleiro negro que viveu mistérios / Cavaleiro e senhor de casa e árvores / Sem querer descanso nem dominical / Cavaleiro marginal banhado em ribeirão / Conheci as torres e os cemitérios / Conheci os homens e os seus velórios / Quando olhava da janela lateral / Do quarto de dormir / Você não quer acreditar / Mas isso tão normal / Você não quer acreditar / Mas isso tão normal / Um cavaleiro marginal / Banhado em ribeirão / Você não quer acreditar / . “ ] .
Esta canção é basicamente um recado para aqueles que temiam a influência dos Beatles na década de 70 no mercado musical brasileiro , porém a reação desses jovens mineiros em forma de protesto ao lixo ocidental , como perfeito recado direcionado “ PARA LENNON E McCARTNEY “ . [ “ / Por que vocês não sabem do lixo ocidental? / Não precisam mais temer / Não precisam da solidão / Todo dia é dia de viver / Por que você não verá meu lado ocidental? / Não precisa medo não / Não precisa da timidez / Todo dia é dia de viver / Eu sou da América do Sul / Eu sei, vocês não vão saber / Mas agora sou cowboy / Sou do ouro, eu sou vocês / Sou do mundo, sou Minas Gerais / Por que vocês não sabem do lixo ocidental? / Não precisam mais temer / Não precisam da solidão / Todo dia é dia de viver / Eu sou da América do Sul / Eu sei, vocês não vão saber / Mas agora sou cowboy / Sou do ouro, eu sou vocês / . “ ] .
Esta bela canção , composta por Tavinho Moura , compositor mineiro da geração do Clube da Esquina , interpretada por Milton Nascimento , busca elementos na poesia caipira que dialoguem com o texto bíblico. Tal reflexão se dará à luz de teorias do imaginário e sua relação com a música e o texto poético. Nela identificam-se traços simbólicos que dialogam com passagens bíblicas e com o imaginário presente no pensamento e nas tradições culturais populares, tal como a folia de reis : “ CALIX BENTO “ . [ “ / Ó Deus salve o oratório / Ó Deus salve o oratório / Onde Deus fez a morada / Oiá, meu Deus, onde Deus fez a morada, oiá / Onde mora o calix bento / Onde mora o calix bento / E a hóstia consagrada / Óiá, meu Deus, e a hóstia consagrada, oiá / De Jessé nasceu a vara / De Jessé nasceu a vara / E da vara nasceu a flor / Oiá, meu Deus, da vara nasceu a flor, oiá / E da flor nasceu Maria / E da flor nasceu Maria / De Maria o Salvador / Oiá, meu Deus, de Maria o Salvador, oiá / . “ ] .
“ Os mineiros orgulham-se de ter uma safra de compositores da Música Popular Brasileira que , com suas poesias e canções , enriqueceram nossa galeria de excelentes obras musicais , reunidas em um movimento cultural que revolucionou o cenário de nossas belas composições . Nesse contexto , além dos jovens artistas engajados na filosofia criativa do “ Clube da Esquina , destaca-se , com uma voz cristalina e admirável , o maravilhoso intérprete de suas criações em puras mensagens musicais : MILTON NASCIMENTO ! “