05/01/2017 às 10h29min - Atualizada em 05/01/2017 às 10h29min

A voz mineira e serena do clube da esquina: Milton Nascimento

     Neste  artigo  , o  Cantinho  Musical  homenageará  uma  das  vozes  agradáveis   dentre os  intérpretes  do  nosso  cancioneiro  e  um  dos  mais  talentosos  compositores da Música  Popular  Brasileira  :  MILTON   NASCIMENTO .  Milton nasceu em uma comunidade da Tijuca, no Rio de Janeiro. Mineiro  de coração, tornou-se conhecido nacionalmente, quando a canção "Travessia", composta por ele e Fernando Brant, ocupou a segunda posição no Festival Internacional da Canção, de 1967.   Em Belo Horizonte, para onde se mudou em 1963, a fim de  prestar o vestibular para Economia  ,  foi  tocar com a banda Berimbau Trio .  Nessa  mesma  época , com Wagner Tiso,  , tornou-se amigo de Lô Borges e de Beto Guedes e dos  poetas Márcio Borges e Fernando Brant,  que  marcariam o início  dos  anos  de 1970  com  o  exuberante  Clube da Esquina .    O estilo musical de Milton pode ser classificado como Música Popular Brasileira, surgido de um desdobramento do resultado  da bossa nova, com fortes influências desta, do jazz, do jazz-rock e de grandes expoentes do rock. 

   
  A partir de agora ,  o   Cantinho  Musical   desfilará  algumas  belas  canções  compostas  e  interpretadas   por  esse  artista  que  nos deixa  muito  orgulhosos  diante  do  cenário  musical . Nesta  primeira  amostra  de  Milton   , apresentaremos  uma  canção  que  simboliza  o grande  sofrimento da  mulher  brasileira  frente à   adversidade da  vida  , lutando com  muita  magia  e  força  para  superar  os  problemas que a  envolvem  cotidianamente . O  rótulo  dessa  maravilhosa  mulher não  poderia  ser  outro  senão  :   “  MARIA  ,  MARIA   “  .  [ “ /  Maria, Maria / É um dom, uma certa magia / Uma força que nos alerta / Uma mulher que merece / Viver e amar / Como outra qualquer / Do planeta / Maria, Maria / É o som, é a cor, é o suor / É a dose mais forte e lenta / De uma gente que ri / Quando deve chorar / E não vive, apenas aguenta / Mas é preciso ter força / É preciso ter raça / É preciso ter gana sempre / Quem traz no corpo a marca / Maria, Maria / Mistura a dor e a alegria / Mas é preciso ter manha / É preciso ter graçaÉ preciso ter sonho sempre / Quem traz na pele essa marca / Possui a estranha mania / De ter fé na vida / Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! / Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!! / Lá Lá Lá Lerererê Lerererê / Lá Lá Lá Lerererê Lerererê / Hei! Hei! Hei! Hei! / Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! / Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! / Lá Lá Lá Lerererê Lerererê! / Lá Lá Lá Lerererê Lerererê! / . “  ]   .   

Milton  Nascimento  tornou-se conhecido nacionalmente, quando  criou  esta  canção  em  parceria  com  Fernando Brant  , ocupando  a segunda posição no Festival Internacional da Canção, de 1967.  O eixo  semântico  desta  música  versa  sobre  o  choque  entre  a  realidade  e  o  sonho  em  uma  bela  confissão  amorosa  ,   assumindo  a  sua  própria  solidão , desencanto  e  abandono  da  pessoa  amada  durante  a     “  TRAVESSIA  “  .   [ “ / Quando você foi embora fez-se noite em meu viver / Forte eu sou, mas não tem jeito / Hoje eu tenho que chorar / Minha casa não é minha e nem é meu este lugar / Estou só e não resisto , muito  tenho  pra  falar / Solto a  voz  nas  estradas, já  não quero  pararMeu  caminho é de pedra, como posso sonhar / Sonho feito de brisa, vento vem terminar / Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar / Vou seguindo pela vida me esquecendo de você / Eu não quero mais a morte, tenho muito o que viver / Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer / Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver / Solto a voz nas estradas, já não quero parar / Meu caminho é de pedra, como posso sonhar / Sonho feito de brisa, vento vem terminar / Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar / Vou seguindo pela vida me esquecendo de você / Eu não quero mais a morte, tenho muito o que viver / Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer / Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver / . “    ]   .   

Fernando  Brant   e  Milton  Nascimento , parceiros  de  grandes  obras  musicais ,  compuseram  uma  bela  canção  que  expressa  o  mais  puro  e  lírico  conceito  de  amigo , tendo  o  coração  como  morada e  a  memória  como  perpétua  lembrança das  lindas  amizades , manifestação feita   em      “   CANÇÃO  DA  AMÉRICA  “ .            [ “  / Amigo é coisa para se guardar / Debaixo de sete chaves / Dentro do coração / Assim falava a canção que na América ouvi / Mas quem cantava chorou / Ao ver o seu amigo partir / Mas quem ficou, no pensamento voou / Com seu canto que o outro lembrou / E quem voou, no pensamento ficou / Com a lembrança que o outro cantou / Amigo é coisa para se guardar / No lado esquerdo do peito / Mesmo que o tempo e a distância digam "não" / Mesmo esquecendo a canção / O que importa é ouvir / A voz que vem do coração / Pois seja o que vier, venha o que vier / Qualquer dia, amigo, eu volto / A te encontrar / Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar /  . “   ] .   

Milton Nascimento  e  Wagner  Tiso  compuseram  esta  canção bem segredada  à  classe  estudantil  como  uma forte  resistência  ao  regime  da  época , diluída , verso a  verso ,  em uma bela  visão  metafórica , descrevendo  as  perdas  de  uma  juventude  amedrontada , porém com   esperanças  guardadas  e  muito  confiantes  no      “  CORAÇÃO  DE  ESTUDANTE  “  .       [ “ /  Quero falar de uma coisa / Adivinha onde ela anda / Deve estar dentro do peito / Ou caminha pelo ar / Pode estar aqui do lado / Bem mais perto que pensamos / A folha da juventude / É o nome certo desse amor / Já podaram seus momentos / Desviaram seu destino / Seu sorriso de menino / Quantas vezes se escondeu / Mas renova-se a esperança / Nova aurora a cada dia / E há que se cuidar do broto / Pra que a vida nos dê / Flor, flor e fruto / Coração de estudante / Há que se cuidar da vida / Há que se cuidar do mundo / Tomar conta da amizade / Alegria e muito sonho / Espalhados no caminho / Verdes, planta e sentimento / Folhas, coração / Juventude e fé / . “   ]   .

Mais  uma  vez  com a  parceria  de  Fernando  Brand ,  Milton  interpreta  uma  bela  canção externando  toda  a  pureza  de  um  menino  que  está  perpetuado    na  memória ,  representando  um  passado  de  beleza e  um  bravo  conselheiro  diante  das  adversidades  , tudo  inspirado em   jogos  que   simbolizam   a  eterna  e  pura  infância   “   BOLA  DE  MEIA ,  BOLA  DE  GUDE  “ .  [ “ /  Há um menino / Há um moleque / Morando sempre no meu coração / Toda vez que o adulto balança / Ele vem pra me dar a mão / Há um passado no meu presente / Um sol bem quente lá no meu quintal / Toda vez que a bruxa me assombra / O menino me dá a mão / E me fala de coisas bonitas / Que eu acredito / Que não deixarão de existir / Amizade, palavra, respeito / Caráter, bondade alegria e amor / Pois não posso / Não devo / Não quero / Viver como toda essa gente / Insiste em viver / E não posso aceitar sossegado / Qualquer sacanagem ser coisa normal / Bola de meia, bola de gude / O solidário não quer solidão / Toda vez que a tristeza me alcança / O menino me dá a mão / Há um menino / Há um moleque / Morando sempre no meu coração / Toda vez que o adulto fraqueja / Ele vem pra me dar a mão / . “  ]  .  Em  um  período  de  repressão   política ,  caracterizado  por  um  regime  austero ,  obrigava  aqueles que  se  opunham  a  seguir os  ditames  da  época , deixarem  o  país .

Milton  Nascimento  e  Ronaldo   Bastos  , em  uma  visão  metafórica ,  retrataram  nesta  bela  canção  todo  o  problema , na  confiança  e na esperança  de  que   “  NADA  SERÁ  COMO  ANTES  “  .  [ “ /  Eu já estou com o pé nessa estrada / Qualquer dia a gente se vê / Sei que nada será como antes, amanhã / Que notícias me dão dos amigos? / Que notícias me dão de você? / Alvoroço em meu coração / Amanhã ou depois de amanhã / Resistindo na boca da noite um gosto de sol / Num domingo qualquer, qualquer hora / Ventania em qualquer direção / Sei que nada será como antes amanhã / Que notícias me dão dos amigos? / Que notícias me dão de você? / Sei que nada será como está / Amanhã ou depois de amanhã / Resistindo na boca da noite um gosto de sol / . “   ]  . 



Em  uma  simples  canção que  faz  abordagem  aos  mistérios  que  envolvem  o  plantio  do  campo , em  uma  referência  ao  bem-estar resultante  de  uma  transformação da  colheita  em  fartura  na  mesa , Milton  Nascimento  e  Chico  Buarque  compuseram    “   O  CIO  DA  TERRA  “ .  [ “  / Debulhar o trigo / Recolher cada bago do trigo / Forjar no trigo o milagre do pão / E se fartar de pão / Decepar a cana / Recolher a garapa da cana / Roubar da cana a doçura do mel / Se lambuzar de mel / Afagar a terra / Conhecer os desejos da terra / Cio da terra, propícia estação / E fecundar o chão / . “  ]   .





Em  uma  referência  às  canções  já  ilustradas no  repertório  musical  interpretado  por  Milton  Nascimento  ,  em  parceria  com  Ronaldo  Bastos  ,  criou-se  ,  em  forma  de poesia  ,  um  protesto  veemente  sobre  o  regime repressivo , convidando os  personagens  aludidos  em  outras  canções  se  posicionarem  diante  de  uma  reação  ao  regime da época  com       “  FÉ  CEGA ,  FACA  AMOLADA  “    [ “ /  Agora não pergunto mais pra onde vai a estrada / Agora não espero mais aquela madrugada / Vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser faca amolada / O brilho cego de paixão e fé, faca amolada / Deixar a lua nos  brilhar e ser muito tranquilo / Deixar o seu amor crescer e ser muito tranqüilo / Brilhar, brilhar, acontecer, brilhar faca amolada/ Irmão, irmã, irmã, irmão de fé faca amolada / Plantar o trigo e refazer o pão de cada dia (Plantar o trigo e refazer o pão de todo dia) / Beber o vinho e renascer na luz de todo dia (Beber o vinho e renascer na luz de cada dia) / A fé, a fé, paixão e fé, a fé, faca amolada / O chão, o chão, o sal da terra, o chão, faca amolada / Deixar a sua luz brilhar no pão de todo dia / Deixar o seu amor crescer na luz de cada dia / Vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser muito tranqüilo / O brilho cego de paixão e fé, faca amolada / .  “   ]  .

   O  Cantinho  Musical  , em  uma  especial  deferência ,  encerará  este  artigo  homenageando  um  grupo  de  jovens  que  revolucionaram  a  Música  Popular  Brasileira com  suas  magníficas  e  inteligentíssimas  criações  que  representam  um  rótulo  desse  movimento  mineiro  chamado :  “  CLUBE  DA  ESQUINA  “Milton  foi  ,  também , membro  dessa  bela   movimentação  musical ,  emprestando  sua  voz  nas  interpretações  das  obras  criadas  por  aqueles  jovens . Foi  justamente ali  , no  final  dos anos  60 ,  na esquina  das ruas  Paraisópolis  e Divinópolis , ponto de encontro de músicos mineiros  , no bairro de Santa Teresa ,  em Belo Horizonte , no coração das  Minas Gerais , com uma especial  iluminação da música e da poesia , liderado por Milton Nascimento e Lô  Borges  , onde nasceu , para deleite da Música Popular Brasileira ,  o “  CLUBE  DA  ESQUINA  “ .  Associaram-se  , a esse belo  movimento ,  músicos brilhantes , compromissados  com o sucesso  progressivo  do clube  , participando  com suas  maravilhosas canções  . Dentre as pérola da  MPB , podemos citar , além de Milton Nascimento e Lô Borges , Toninho Horta , Wagner Tiso , Beto Guedes , Márcio Borges , Túlio Mourão , Fernando Brant  , Ronaldo Bastos , entre outros músicos mineiros . Os integrantes do  “ Clube  da  Esquina “ desenvolveram suas carreiras individuais  de sucesso , atuando como cantores , instrumentistas , arranjadores e compositores . Esse movimento cultural  caracteriza-se por um conjunto de práticas musicais e opções estéticas  que utiliza fontes tão  diversificadas  quanto o interior de Minas , a música latino-americana e os  Beatles  , de forma alternativa  a  outras propostas contemporâneas  da  Música Popular Brasileira .  Esta  canção  que  apresentaremos  é  uma  composição  de  Fernando  Brant e  Lô  Borges que  foi  resultante  de  um  fato  interessante . Lô  Borges  fez  a  melodia  e  enviou  para  Fernando  Brant  colocar  a  letra . Inicialmente  houve uma  resistência em adaptar  uma  poesia  à  melodia , porque  estava  sem  inspiração . Ao  hospedar-se  em  um  hotel , Fernando  , ao  abrir  a  janela  de  seu  quarto ,  viu  que  a  visão  dali  era  de  um  cemitério .


Eis  a  inspiração  brotando  e  construindo  uma  bela  poesia  , motivada  pela     “  PAISAGEM  DA  JANELA  “  .     [ “ / Da janela lateral do quarto de dormir / Vejo uma igreja, um sinal de glória / Vejo um muro branco e um vôo pássaro / Vejo uma grade, um velho sinal / Mensageiro natural de coisas naturais / Quando eu falava dessas cores mórbidas / Quando eu falava desses homens sórdidos / Quando eu falava desse temporal / Você não escutou / Você não quer acreditar / Mas isso é tão normal / Você não quer acreditar / E eu apenas era / Cavaleiro marginal lavado em ribeirão / Cavaleiro negro que viveu mistérios / Cavaleiro e senhor de casa e árvores / Sem querer descanso nem dominical / Cavaleiro marginal banhado em ribeirão / Conheci as torres e os cemitérios / Conheci os homens e os seus velórios / Quando olhava da janela lateral / Do quarto de dormir / Você não quer acreditar / Mas isso tão normal / Você não quer acreditar / Mas isso tão normal / Um cavaleiro marginal / Banhado em ribeirão / Você não quer acreditar / . “  ]   .

Esta  canção  é  basicamente  um  recado  para  aqueles   que  temiam  a  influência  dos Beatles  na  década  de  70 no mercado  musical  brasileiro , porém  a  reação  desses  jovens  mineiros  em  forma  de  protesto  ao  lixo  ocidental ,  como  perfeito recado  direcionado   “   PARA   LENNON   E   McCARTNEY   “ .       [ “ /  Por que vocês não sabem do lixo ocidental? / Não precisam mais temer / Não precisam da solidão / Todo dia é dia de viver / Por que você não verá meu lado ocidental? / Não precisa medo não / Não precisa da timidez / Todo dia é dia de viver / Eu sou da América do Sul / Eu sei, vocês não vão saber / Mas agora sou cowboy / Sou do ouro, eu sou vocês / Sou do mundo, sou Minas Gerais / Por que vocês não sabem do lixo ocidental? / Não precisam mais temer / Não precisam da solidão / Todo dia é dia de viver / Eu sou da América do Sul / Eu sei, vocês não vão saber / Mas agora sou cowboy / Sou do ouro, eu sou vocês / . “  ]  .

Esta  bela  canção ,  composta  por Tavinho Moura compositor mineiro da geração do Clube da Esquina ,  interpretada  por  Milton  Nascimento ,  busca  elementos na poesia caipira que dialoguem com o texto bíblico. Tal reflexão se dará  à  luz de teorias do imaginário e sua relação com a  música e o texto poético.    Nela  identificam-se traços  simbólicos que dialogam  com passagens bíblicas e com o imaginário presente no pensamento e nas tradições culturais populares, tal como a folia de reis :   “   CALIX   BENTO   “ .  [ “ /  Ó Deus salve o oratório / Ó Deus salve o oratório / Onde Deus fez a morada / Oiá, meu Deus, onde Deus fez a morada, oiá / Onde mora o calix bento / Onde mora o calix bento / E a hóstia consagrada / Óiá, meu Deus, e a hóstia consagrada, oiá / De Jessé nasceu a vara / De Jessé nasceu a vara / E da vara nasceu a flor / Oiá, meu Deus, da vara nasceu a flor, oiá / E da flor nasceu Maria / E da flor nasceu Maria / De Maria o Salvador / Oiá, meu Deus, de Maria o Salvador, oiá / . “  ]  .

     “  Os  mineiros  orgulham-se  de  ter  uma  safra  de  compositores  da  Música Popular  Brasileira  que , com  suas  poesias  e  canções ,  enriqueceram  nossa  galeria  de excelentes obras  musicais  , reunidas  em  um  movimento  cultural  que  revolucionou  o cenário  de  nossas    belas  composições .  Nesse  contexto ,  além  dos  jovens  artistas  engajados na filosofia  criativa  do  “  Clube  da  Esquina  ,  destaca-se  ,  com  uma  voz  cristalina e  admirável  ,  o  maravilhoso  intérprete  de  suas   criações  em  puras  mensagens  musicais :  MILTON  NASCIMENTO  !  “
 
Waldemar  Pedro  Antonio                                     e-mail :  [email protected]
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