10/03/2017 às 09h13min - Atualizada em 10/03/2017 às 09h13min

70 – Martins de Almeida – Carta de Mário de Andrade

Personagens Leopoldinenses

Luja Machado e Nilza Cantoni
O Trem de História encerra com este número a parte da viagem com Francisco Martins de Almeida no que se refere à sua obra. A partir do próximo Jornal se conhecerá a família deste leopoldinense que estava totalmente esquecido pela cidade.
Lembremos então a opinião de Drummond de Andrade(1), para quem o grupo modernista mineiro atingiu rapidamente notoriedade no restante do país e fiquemos com a carta de Mário de Andrade a Martins de Almeida, datada de São Paulo (SP), em 19.03.26.
 
“Ah! Martins de Almeida, tenho recebido tudo o que você mandou, cartas e A Revista… Mas você não pode imaginar que vida apertada ando vivendo. Só por isso não tenho respondido. Escrevo artigo sobre artigo. É A Manhã do Rio (quero que você leia o meu artigo de ontem “Contrabando de passadismo” que define minha posição social, é Terra Roxa aqui, é o São Paulo Jornal onde estou como crítico musical e tenho trabalho quase diário e inda por cima um curso de estética geral para moças com conferências semanais. E como tenho péssima faculdade de falar de improviso, sou obrigado a escrever essas conferências! Imagine a trabalheira! Contando ainda com meus cursos no Conservatório e particulares. Não tenho vida mais. Estou reduzido a uma máquina pra sustentar os outros. Miséria miserável que me faz sofrer. Não leio nada. Não escrevo nada de aproveitável. Meus livros todos parados. Não escrevo pra nenhum amigo quase. Até o Manu [Manuel Bandeira] que é o do coração nem sei dele. Hei de reagir mas não pode ser tão já. Estava carecido de ganhar um pouco mais pra me enroupar, comprar uns livros e umas músicas. Talvez pelo fim do ano readquira minha vida se Deus quiser. A Revista está excelente. Não tanto pela colaboração de fora como por você. Até por isso que acho o nº- 2 melhor que o 3. Acabo de falar isso mesmo pra Nava. E você? Quando nos manda um artigo pra Terra Roxa? Me esqueci de insistir com o Nava também. Insista você por favor. E com o João Alphonsus. E com o Emílio Moura. Mas mandem prosa que é melhor. Prosa é mais legível e estamos vendo se conseguimos fazer o jornaleco se sustentar. […] Você está sem o Drummond aí e o meu primeiro movimento, o mais sincero, foi me felicitar por causa disso. Depois corrigi pra maior nobreza e lamento sinceramente mas espiritualmente essa separação. Eu adoro o Carlos. Foi a inveja que me fez de primeiro ter um movimentinho de alegria de vê-lo sequestrado de Belo Horizonte. Tenho por ele uma afeição admirada muito quentinha que me faz quando penso nele me sentir bem. A impressão que tenho dele é dessas que grudam como cheiro de laranja azeda. Não sai mais. É de vocês todos o que me dá mais a sensação, a comoção igual à que tive com certas paisagens mineiras, sobretudo uma tarde maravilhosa em Carmo da Mata. Que gostosura! que boniteza pura! que silêncio caricioso e cheio de amor ardendo dentro! E uma força de terra virgem atrás, cheia de ouro, cheia de vegetal e de minério rico. Isso é o Carlos pra mim. A impressão que ele dá pros que o veem pouco é de secura… Eu amoleci essa secura… Pra mim ele é um amigo verdadeiro, nunca esqueço a inteligência extraordinária e o lirismo incansável que ele é. O adoro. Queria o Carlos juntinho de mim… Não pode ser! Lá está em Itabira do Mato Dentro, que é dos nomes mais maravilhosos que conheço… Carecemos agora de agasalhá-lo ainda mais nos nossos carinhos e esperanças, Martins de Almeida. A terra, assim meio virgem pra onde ele foi, é boa mas traiçoeira. Faz a gente se esquecer da cabeça. A terra ama por demais, chupa a gente… Bom, até logo. Não se esqueça de continuar me escrevendo. Invente assunto pra discutirmos. Andamos tão concordes e cheios de notícias!… Ciao. Mário”
 
Também nós dizemos “tchau” ou, “ciao” como o mestre Mário de Andrade. Mas numa despedida apenas quanto à obra de Martins de Almeida. Porque, na próxima edição continuaremos com a sua família. Aguardem.
 

Referência:
1 - Drummond, Testemunho da Experiência Humana. Disponível em: Acesso em 17 nov. 2015
Luja Machado e Nilza Cantoni - Membros da ALLA
Publicado na edição 325 no jornal Leopoldinense de 16 de fevereiro de 2017
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