10/08/2017 às 13h54min - Atualizada em 10/08/2017 às 13h54min

Artigo sobre Zé Keti

Eu sou o samba / A voz do morro sou eu mesmo sim senhor. Daqui do morro/ Eu não saio, não.

WALDEMAR PEDRO ANTÔNIO
O  Cantinho  Musical  prestará   neste  artigo  uma  justa  homenagem  a  um  dos  compositores  portelense   que  mais  cedeu  suas  obras  para  interpretação  de  grandes  cantores  da  MPB ,  tendo  a  luminosidade  e  o  reconhecimento  devidos  junto  aos  grandes  criadores  do  samba  no cenário  musical  brasileiro  :  “  ZÉ   KETI  “  .

    Nascido em 16 de setembro de 1921, embora tenha sido registrado, em 6 de outubro, no bairro de Inhaúma, José Flores de Jesus, ficou conhecido como Zé Kéti .   Ele começou a atuar na década de 1940, na ala dos compositores da escola de samba Portela.  Em 1955, sua carreira começou a deslanchar quando seu samba "A voz do morro", gravada por Jorge Goulart e com arranjo de Radamés Gnattali, fez enorme sucesso na trilha do filme "Rio 40 graus", de  Nelson  Pereira  dos   Santos .  Em 1964, participou do espetáculo "Opinião", ao lado de João do Vale e Nara Leão, que o levou ao concerto que tornou conhecidas algumas de suas composições, como "Opinião"  "Diz que Fui por Aí" , esta em parceria com Hortêncio Rocha. No ano seguinte, lançou "Acender as velas", considerada uma de suas melhores composições. Esta música inclui-se entre as músicas de protesto da fase posterior a 1964 . Ele foi também um dos principais responsáveis pela divulgação do samba, por ter trazido a música do morro para o asfalto, estabelecendo uma ligação direta entre dois universos do mundo carioca, o da Favela e o da Zona Sul.

    
A partir de agora,  apresentaremos  algumas  joias  musicais   criadas  por  esse  compositor  que  soube  expressar  em  suas  obras  a  realidade  de  um  povo . Iniciaremos  com  uma  música  considerada  uma  das  melhores  composições que  está  contida  entre  as  canções  de  protesto  da  fase  posterior  a  1964.  A  letra   deste samba possui um impacto forte, criado pelo relato dramático do dia a dia da favela. Nara Leão, Elis Regina fizeram um enorme sucesso com a gravação de    “   ACENDER   AS  VELAS  “ .  [ “ /  Acender as velas ​Já é profissão / Quando não tem samba, / Tem desilusão (2x) / É mais um coração / Que deixa de bater / Um anjo vai pro céu / Deus me perdoe, mas vou dizer / Deus me perdoe, mas vou dizer / O doutor chegou tarde demais / Porque no morro não tem automóvel pra subir / Não tem telefone pra chamar / E não tem beleza pra se ver / E a gente morre sem querer morrer / E a gente morre sem querer morrer / . “ ]  .  


Zé  Keti  nesta  canção  ainda  faz  outra  demonstração  de  como  o  samba  se  valoriza  com  o  clamor  oriundo  de  sua  voz    , em  uma  afirmação  de  aceitabilidade  do nosso  ritmo  diante  de  todos  os  brasileiros   e  do  cenário  mundial  :  “   A  VOZ   DO  MORRO   “ .   [ “ /  Eu sou o samba / A voz do morro sou eu mesmo sim senhor  / Quero mostrar ao mundo que tenho valor / Eu sou o rei dos terreiros / Eu sou o samba / Sou natural daqui do Rio de Janeiro / Sou eu quem levo a alegria / Para milhões / De corações brasileiros / Mais um samba, / Queremos samba / Quem está pedindo é a voz / do povo do país / Viva o samba, / vamos cantando / Essa melodia pro Brasil feliz /    (BIS) / . “  ]  . 



Uma  das  características  temáticas  de  Zé  Keti  desenvolve-se  nos  aspectos  cênicos  dos  morros  e  sua  gente . Neste  samba ele  descreve  misteriosamente  um  ato  de  morte  de  alguém  muito  temido  na  comunidade :   “  MALVADEZA    DURÃO  “ .               [ “ / Mais um malandro fechou o paletó / Eu tive dó, eu tive dó / Quatro velas acesas em cima de uma mesa / E uma subscrição para ser enterrado / Morreu Malvadeza Durão / Valente, mas muito considerado /     Céu estrelado, lua prateada / Muitos sambas, grandes batucadas / O morro estava em festa quando alguém caiu / Com a mão no coração, sorriu / Morreu Malvadeza Durão / E o criminoso ninguém viu. / . “  ]  .     




A história da música popular brasileira se entrelaça com a história do Brasil todo o tempo, as letras e melodias das canções dialogam com a realidade e os dilemas enfrentados pela população. A música composta por Zé Kéti sobre o processo de remoção de favelas que era executado pelo governo da Guanabara, seria o mote perfeito para que no final de 1964 os artistas pudessem dar o seu primeiro grito de liberdade silenciada. Zé Kéti, que interpretava mais uma vez o malandro dos morros cariocas, e atuava ainda ao lado de Nara Leão no papel da mocinha da zona sul e João do Vale, representando a força do nordeste  em   “  OPINIÃO  “  [ “ / Podem me prender / Podem me bater / Podem, até deixar-me sem comer / Que eu não mudo de opinião / Daqui do morro / Eu não saio, não / Se não tem água / Eu furo um poço / Se não tem carne / Eu compro um osso / E ponho na sopa / E deixa andar / Fale de mim quem quiser falar / Aqui eu não pago aluguel / Se eu morrer amanhã, seu doutor / Estou pertinho do céu / . “  ]  .  


Sendo  o  carnaval  o  eixo  de  preferência  dos  brasileiros ,    Zé  Keti  e   Pereira  Mattos  compuseram  uma   marcha-rancho  que  fez  muito  sucesso  nos  bailes  carnavalescos , cuja  abordagem   é  a  descrição  de  um   relacionamento  amoroso  fixado em  um  passado  bem  fantasiado  de  pierrô , arlequim  e  colombina   na  esperança  de  no  período  de  momo  retornar  todo  um  sentimento  de  paixão  ocultado  sobre  uma      “   MÁSCARA  NEGRA  “ .   [ “ / Tanto riso oh quanta alegria / Mais de mil palhaços no salão / Arlequim está chorando / Pelo amor da colombina / No meio da multidão / Foi bom te ver outra vez / Está fazendo um ano / Foi no carnaval que passou / Eu sou aquele pierrô / Que te abraçou, que te beijou meu amor / Na mesma máscara negra / Que esconde o teu rosto / Eu quero matar a saudade / Vou beijar-te agora / Não me leve a mal / Hoje é carnaval / . “  ]   . 

Como uma  sequência  cênica , dando  continuidade ao  tema descrito em “ Máscara  Negra “, Zé  Keti  e  Elton  Medeiros  compuseram  uma  outra  etapa  do  encontro  no  baile  na  esperança   de  ver  e  venerar  o  rosto  da   “  MASCARADA  “ .    [ “ / Vejo agora, / Este teu lindo olhar / Olhar que eu sonhei / Que sonhei conquistar / E que um dia afinal conquistei enfim, / Findou-se o Carnaval / E só nos Carnavais / Encontrava a ti sem / Encontrar este teu lindo olhar porque... /  O poeta era eu / Cujas rimas eram compostas  / Na esperança de que / Tirasses essa máscara / Que sempre me fez mal / Mal que findou só depois do Carnaval / .“  ]  .





Identificado  com  a  vida  de  boêmio ,  Zé  keti  não  poderia  deixar  de  fazer  alusão  em  uma  bela  composição   aos  hábitos  dos  que  vivem  nas  noitadas   cantando  e  bebendo   compromissados  somente  com  a  liberdade  e  com  a  alegria .  A canção foi  um  grande  sucesso  nas vozes de Jair Rodrigues, Elis Regina e MPB-4, dentre vários outros que a regravaram :   “  DIZ  QUE  FUI  POR  AÍ   “ .  [ “ /  Se alguém perguntar por mim / diz que fui por aí / levando um violão debaixo do braço / em qualquer esquina eu paro / em qualquer botequim eu entro / e se houver motivo é mais um samba que faço / se quiserem saber se volto, diga que sim / mas só depois que a saudade se afastar de mim / mas só depois que a saudade se afastar de mim / eu tenho um violão pra me acompanhar / tenho muitos amigos / eu sou popular / tenho uma madrugada como companheira / a saudade me dói / no meu peito me rói / se eu estou na cidade / eu estou na favela / eu estou por aí / sempre pensando nela / . “  ]  .

Neste   samba  ,  Zé  Keti  descreve  uma  atitude da  amada  em  busca  de  seu  amante  que  desapareceu  deixando-a  sem  condições de  sobrevivência , porque  ele  levava   a  vida  de  um  completo boêmio  não  aparecendo  e , finalmente ,   com  muito  escândalo  ,  ele  é  surpreendido  no  Morro  do  São  Carlos  pela    “  NEGA  DINA  “  [ “ / A  Dina subiu o morro do Pinto / Pra me procurar / Não me encontrando, foi ao morro da Favela / Com a filha da Estela / Pra me perturbar Mas eu estava lá no morro de São Carlos / Quando ela chegou / Fazendo um escândalo, fazendo quizumba / Dizendo que levou / Meu nome pra macumba / Só porque faz uma semana / Que não deixo uma grana / Pra nossa despesa / Ela pensa que minha vida é uma beleza / Eu dou duro no baralho / Pra poder comer / A minha vida não é mole, não / Entro em cana toda hora sem apelação / Eu já ando assustado, sem paradeiro / Sou um marginal brasileiro / . “  ]  . 


As  histórias  de  traição  e  separação  sempre  foram  temas de  nossas  canções .  Neste  samba , Zé  Keti  expressa  em  cada  verso  uma  rejeição  à  amada ,que  implora  novamente  um  relacionamento , tendo  uma  resposta  negativa  por  julgá-la    “   LEVIANA    “ .  [ “ / O azar é seu  / Em vir me procurar  / Me abandona, me deixa  / Não quero mais ver  / A luz do seu olhar  / Você manchou um lar que era feliz  / E agora quer voltar  / Leviana,  / Sinto muito, mas vai tratar da sua vida, /  Leviana,  / Precisando eu te posso dar uma guarida  / Mas o meu lar  / Sente vergonha como eu  / O nosso amor morreu / . “  ]  .



    O  Cantinho  Musical  , ao  escolher  o  repertório  de  Zé  Keti  , ficou  surpreso  com  a  qualidade  e  quantidade  de  lindas  canções  expressando  belas  poesias  na  simplicidade  de  um  compositor  que  escolheu  como  conteúdo  de  seus  sambas  a  vida  e  a  gente  do  morro , externando  ,  sensivelmente ,  toda  realidade  daquele  espaço  e  daquela  gente  em  um  quadro  verbalizado .

    “   O  MAIOR  ORGULHO  MUSICAL  DOS  BRASILEIROS  É  A  CERTEZA  DE  QUE  CORRE  EM  SUAS  VEIAS  A  ESSÊNCIA   RÍTMICA  DO  SAMBA .    CADA  CANÇÃO  DE  ZÉ  KETI  INJETA ,   COM  MUITA  MELODIA  NA  CORRENTE  SANGUÍNEA  ,  A  CADÊNCIA  MARAVILHOSA  QUE  ROTULA  VERDADEIRAMENTE   A  GRANDE  FELICIDADE  E  A  IMENSA  SATISFAÇÃO   DE  UM  SAMBISTA ! “
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