25/09/2017 às 07h29min - Atualizada em 25/09/2017 às 07h29min

Uma velha praga: permanência histórica

Queimada no Morro do Cruzeiro em Leopoldina (Foto Luciano Baía Meneghite Arquivo)
Rodolfo Alves Pereira (*)


Nos meses de agosto e setembro, com a escassez das chuvas, a vegetação das planícies e montanhas de várias partes do Brasil é vorazmente consumida pelas chamas que ardem por horas, ao queimar as plantas secas durante o dia e também à noite, quando protagonizam um belo, mas trágico espetáculo visual, cortando os campos e enchendo o ar com fuligem.
 
Com o pasto seco e os ventos favoráveis, as chamas perdem a timidez e avançam como tropa de infantaria – destruindo e devastando tudo o que veem pela frente.
 
Nesse período, as queimadas ganham as manchetes dos jornais e os noticiários das rádios e televisão, porém, ano após ano, o ciclo do fogo tem se renovado, permanecendo inalterado. A denúncia de tal prática via imprensa não é uma novidade. Em 1914, um dos maiores escritores brasileiros – Monteiro Lobato (1882-1948), criador de Jeca Tatu e do Sítio do Pica-pau amarelo, registrava nas páginas do jornal O Estado de São Paulo uma dura crítica às queimadas, que reduziam vales e serras inteiras a um “cinzeiro imenso”.
 
 
Lobato apontava os prejuízos que resultavam delas, enumerando o horror ocasionado por tal desastre: "As velhas camadas de húmus destruídas; os sais preciosos que, breve, as enxurradas deitarão fora, rio abaixo, via oceano; o rejuvenescimento florestal do solo paralisado e retrogradado; a destruição das aves silvestres e o possível advento de pragas insetiformes; a alteração para piora do clima com a agravação crescente das secas; os vedos e aramados perdidos; o gado morto ou depreciado pela falta de pastos; as cento e uma particularidades que dizem respeito a esta ou aquela zona e, dentro delas, a esta ou aquela “situação” agrícola". Enfim, para o autor de Urupês,  os danos das queimadas também resultariam em grande perda econômica para os fazendeiros, e o autor desabafa: "infelizmente no Brasil subtrai-se; somar ninguém soma..."
 
Imputava ao Caboclo, considerado “inadaptável à civilização” e um seminômade que vagava pelo interior do país, a responsabilidade por atear fogo no mato. Ele queimava para abrir clareiras no terreno e plantar seu sustento – milho, arroz e feijão – mas logo que a terra demonstrasse fraqueza e pouca produtividade, abandonava-a e buscava outro sítio nos sertões do Brasil. 
 
Lobato também denunciava a impunidade daqueles Neros, pois a justiça nada fazia e muitos eram protegidos pelos chefes locais do Vale do Paraíba. A única solução seria tocar o caboclo, expulsando-o para outras paragens. 
 
O incendiário atual queima o mato quando joga lixo e cigarro nas estradas ou, por simples diversão, põe fogo nas montanhas próximas às cidades. Há exemplos de queimadas também nas áreas rurais, as quais  destroem as capoeiras e o habitat de inúmeras espécies de seres vivos, além de acabarem com cercas e incontáveis hectares de terra.
 
Hoje, além dos problemas apontados por Lobato, as queimadas indiscriminadas contribuem para a poluição do ar, e sua fumaça dificulta a visibilidade nas rodovias e no espaço aéreo, podendo causar graves acidentes. Provocam ainda o surgimento de doenças respiratórias nas pessoas, danificam redes de transmissão e telefonia e ameaçam centenas de casas e famílias que ocupam cada vez mais morros e encostas, sem falar na sujeira que aflige as donas de casa. Tal como acontecia com os caboclos da época de Lobato, os Neros de agora raramente são punidos por causar tanta desgraça alheia.  
 
Parece-nos que atualmente os estragos que as queimadas criminosas infligem à natureza e à sociedade são ainda mais contundentes do que os gerados no passado, devido à complexidade da expansão urbana. Um pouco mais de consciência e respeito pelo meio ambiente, por parte dos cidadãos, ajudaria na contenção desta velha praga que teima em atormentar os dias presentes,  constituindo-se num exemplo negativo de permanência histórica.  
 
(*)Professor de História da Rede Estadual de Educação de Minas Gerais e do Rio de Janeiro.Pós-graduado em Ciências Humanas: Brasil - Estado e Sociedade e em Cultura e história dos povos indígenas pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Mestrando em História pela Universidade Salgado de Oliveira, Campus Niterói.


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