21/08/2014 às 12h11min - Atualizada em 21/08/2014 às 12h11min

A Televisão em Leopoldina

Luciano Baía Meneghite

Quem tem acesso à Internet ou cresceu vendo televisão, talvez não consiga imaginar como era a vida sem essas máquinas “de fazer doido”, como classificou a TV Sergio Porto,o Stanislaw Ponte Preta , e o que representou a chegada delas no dia a dia de cidades do interior, como Leopoldina.

Curiosamente, a primeira transmissão televisiva no Brasil foi realizada pelo inventor leopoldinense Olavo Bastos Freire, em 1948, na cidade de Juiz de Fora, antes da inauguração da TV Tupi, em 1950. Em Leopoldina, a televisão só chegaria dez anos depois.

Em 1958 o Brasil já tinha 344 mil aparelhos de televisão. A “era do rádio” dava sinais de decadência, embora no interior este ainda fosse o principal, às vezes o único, veículo de comunicação.

Leopoldina tinha pouco mais de 40.000 habitantes, cerca de 62% na zona rural. Era a época da ZYK-5 Rádio Sociedade Leopoldinense que reproduzia aqui os modelos de programas das grandes emissoras de então: Rádio Nacional, Rádio Tupi, entre outras.

As revistas e colunas de jornais especializadas em rádio começavam a dedicar cada vez mais espaço aos programas de TV. Logo, estas foram sendo substituídas por publicações como “São Paulo na Tv” do jornalista Plácido Manaia Nunes,criador do Troféu Imprensa, “Intervalo”, “7 dias na tv”, “TV guia” e colunas como de Airton Rodrigues no “Diário da Noite” e Câmara Leitão no jornal “O Tempo”. As recordistas de venda, “O Cruzeiro” e “Manchete,” passaram a estampar notícias com as estrelas da época.

Em Leopoldina, a banca de jornais do Italiano Francesco Calábria, localizada na lateral da estação ferroviária, recebia principalmente publicações do Rio de Janeiro e naturalmente as notícias sobre a televisão despertavam cada vez mais a curiosidade dos leopoldinenses.

O Brasil havia acabado de conquistar a Copa do Mundo na Suécia. Como não existia transmissão via satélite,os filmes dos jogos iam ao ar na tv 2,3 dias depois de ocorrerem. Isso nas capitais. No interior demoravam às vezes semanas até serem apresentados nos cine-jornais que antecediam aos filmes principais no Cine Brasil ou Cine Theatro Alencar. Marcou época o Canal 100 de Carlos Niemeyer, mais tarde transferido para a tv e exibido até a década de 90 na extinta Rede Manchete.

A programação da televisão baseava-se então nos programas de auditório do rádio. Programas como de J.Silvestre, Flávio Cavalcante, Hebe Camargo,Clube dos artistas com Airton e Lolita Rodrigues, Dercy Gonçalves, Abelardo Barbosa com a “Discoteca do Chacrinha” e logo depois Silvio Santos, Moacyr Franco e tantos outros. Em 1958 ainda não existiam redes nacionais. A primeira transmissão interestadual em cadeia havia ocorrido em 56 entre a TV Rio e a Record de São Paulo.

Em Leopoldina, após vários estudos e testes em diversos pontos da cidade, o técnico em eletrônica José Silva, o professor Áttila Feliciano de Lima e o também técnico de rádio Jacy Ribeiro conseguiram no dia 19 de Agosto de 1958, às 17:50 h, no Alto do Cruzeiro, sintonizar imagens das estações de TV do Rio de Janeiro,TV Rio e TV Tupi. Entre os colaboradores estavam Zanoni Araújo, Dário Cândido da Silva, Dalmo Silva, José Anselmino, Ademar Corrêa, Manoel Dutra de Morais, Manoel Machado, José Carlos Rodrigues(Zé Biliza) Domingos Jardim Junqueira e José Mauro Jardim Junqueira.

Zé Bilíza, então funcionário de José Silva, era o responsável por segurar a antena durante os testes e ao menor sinal de sintonia ficava estático e quando enfim, sintonizaram as primeiras imagens,até a posição do fio da antena foi marcada no chão para que não se perdesse o sinal. Segundo Zé Biliza “fizeram um foguetório no Morro do Cruzeiro que chamou a atenção da cidade”.

Hoje pode soar até cômico, mas dadas as condições tecnológicas disponíveis na época, se tratava realmente de uma aventura. Por falta de equipamentos mais adequados, as imagens não puderam ser sintonizadas pelos poucos aparelhos receptores existentes no restante da cidade. Houve algumas demonstrações posteriores no Morro do Cruzeiro com grande afluência de curiosos, inclusive com a presença do prefeito Jairo Salgado Gama. Segundo publicações da época, devido aos altos custos das experiências, Jacy Ribeiro e o professor Áttila resolveram sustar as mesmas. Mais tarde, já em 1959 foi formada uma sociedade denominada PROLEO, tendo à frente José Gomes Domingues e José Brando que através da empresa Emerson colocou no ar o canal 9 com a condição de que o grupo adquirisse 50 televisores para revenda ao público. Houve uma certa polêmica, pois segundo artigo de 15 de setembro de 1960 publicado no jornal “Ilustração” pelo presidente da PROLEO José Domingues,existia na cidade mais de 40 televisores não vendidos pela PROLEO, beneficiando-se com os serviços instalados por ela sem lhe conferir nenhuma contribuição de ajuda. Cogitou-se até no recolhimento dos televisores vendidos pelo grupo e das aparelhagens de retransmissão, o que acabou não ocorrendo.

Não havia na época legislação específica sobre esta área de telecomunicações. Mas polêmicas a parte, Leopoldina entrou a década de 60 do século XX ligada na televisão. Como a TV era artigo de luxo, assim como no resto do país, aqui também foi “instituída” a figura do “Televizinho”.Os que não possuíam TV se aglomeravam nas casas dos que possuíam o aparelho a partir das 17:00h, que era quando as emissoras entravam no ar. Alguns só arredavam pé ao término das transmissões,por volta das 23:00h. Para alguns donos de televisores era um incômodo. Para outros era uma satisfação exibir a TV aos amigos e conhecidos, já que ter uma TV era sinal de status. Era comum até se tirar retrato posado ao lado de um televisor, mesmo que não fosse de propriedade do retratado.

A televisão foi um dos fatores decisivos para as mudanças comportamentais, principalmente em cidades do interior como Leopoldina. Antigos hábitos de lazer como o cinema, o passeio na praça, os bate-papos à frente das casas foram rareando até quase desaparecerem. O futebol, o Carnaval, as campanhas políticas, tudo passou a ser visto através da tv. Houve um deslumbramento com a tv que foi muito explorado pelos donos de emissoras e patrocinadores. E apesar dessas passarem a ser concessão pública,sujeitas a leis,na prática se tornaram instrumentos de manipulação política e econômica. Mas nota-se hoje uma certa mudança. Há alguns anos atrás, o que tínhamos era um monopólio quase absoluto de uma rede de televisão (Globo).Hoje a audiência está se diluindo e há um desgaste de velhas fórmulas.

Embora o número de telespectadores ainda seja maior que de internautas, é consenso que a Internet oferece opções infinitamente maiores de informação, serviços e divertimento, inclusive TV, de forma mais democrática que a TV convencional. O que não diminui a importância dos pioneiros da TV em Leopoldina.


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