18/08/2016 às 20h29min - Atualizada em 18/08/2016 às 20h29min

A noiva da cidade - A vida da gente também é cachoeira.

Plínio Fajardo Alvim
Em 1975, como de hábito, nossa família passava férias em Angustura, vinda de Leopoldina, onde morávamos. Assim como nós, havia um número enorme de outras famílias que gozavam as férias ali - e todas também com alguma ligação ancestral com o lugar.
 
Foi em julho daquele ano que muitas cenas do filme "A noiva da cidade" tiveram como locação o “nosso Angu”, a nossa querida Angustura, além de Volta Grande, Pirapetinga, Estrela Dalva, Leopoldina, Cataguases e, salvo engano, a própria Além Paraíba, a cujo município o Distrito de Angustura pertence. Essas locações materializariam, na telona, a fictícia cidadezinha interiorana de “Catavento”, que na história recebia a sua “filha famosa”, a atriz Daniela, que retornava às origens. Humberto Mauro foi o autor do argumento e co-autor do roteiro do filme. Humberto era natural de Volta Grande e, quando ele nasceu, em fins do século XIX, Volta Grande era distrito de Além Paraíba. E ele estudou aqui em Leopoldina, no Ginásio.
 
Eu era um adolescente de dezoito anos. Lembro-me, com muita nitidez, de ter presenciado a gravação de cenas que contaram com a participação de muitos artistas, consagrados, no cenário - e pelo público - brasileiro, como: Elke Maravilha, a protagonista (uma simpatia, então jurada do Programa do Chacrinha), Jorge Gomes (que, pouco tempo antes, havia participado da novela "O Rebu", um estrondoso sucesso das 22 horas, na TV Globo), Zé Rodrix (também famoso compositor), Wilson Grey, Nelson Dantas,entre muitos outros de igual grandeza - além do próprio diretor e co-roteirista Alex Viany. As filmagens causaram um verdadeiro "Rebu no Angu”. Foi uma “verdadeira festa” para todos nós, poder assistir às gravações e conversar com os artistas.
 
O calhambeque do filme, um modelo dos anos 1920, azul e sem capota, era uma graça – suponho que fosse um Chevrolet. O estrado de madeira, acoplado a ele e usado para comportar a câmera e o cinegrafista, parecia que ia desmontar e cair, a todo instante, por conta de tantos solavancos. Alguém da equipe me explicou que a câmera deveria ter os mesmos movimentos do carro.
 
Vários moradores e visitantes do “Angu” participaram de algumas cenas e tomadas, sempre disponíveis e solícitos, como os irmãos Afonso e Wálter Cerqueira, descendo em sua charrete a ladeira da Matriz, na frente do “Fordeco da Chevrolet” – como o chamou um habitante local. Ou como a garotada que se acotovelou, a pedido da produção do filme, no "balcão", a varandinha-sacada, do velho sobrado, então com cerca de cinquenta anos (a casa da minha saudosa Vovó Carmita), que, depois, viria a pertencer aos meus também muito saudosos pai e mãe, João Batista e Maria Guilhermina – lá depois do Largo da Matriz, na Rua Padre Atanásio. E o carro-de-bois (acho que era o do Jaime do ‘Sô’ Camilo), passando em frente ao prédio do antigo Conselho Distrital de Angustura, inaugurado em 1896 e recentemente reformado. E muitas gravações tiveram que ser repetidas e refeitas, contando, sempre, com a boa vontade e o interesse dos "figurantes cataventenses”.

 

Além da casa da Vovó Carmita, onde passei as férias no período de infância, acho que também possa ter aparecido o velho casarão centenário, localizado na ladeira da Matriz e pertencente aos meus pais e tios, onde ficávamos já na minha fase de adolescência. Mas, não sei se todas essas cenas foram aproveitadas no filme, que ainda não cheguei a assistir. É, até, bem possível que tanto eu quanto meu irmão Júnior, além de muitos dos nossos jovens amigos angusturenses – os naturais e os visitantes – tenhamos aparecido no filme.
 
Tempos depois, em meados da década de 1980, durante o exercício de minhas atividades profissionais, já no Rio de Janeiro, eu tive como colega de trabalho o Joubert, um sobrinho de Humberto Mauro. Passados mais uns vinte e poucos anos, ainda no Rio de Janeiro, já por volta de 2005, eu tive a oportunidade de atender a uma neta de Alex Viany (filha da atriz Betina Viany), que me disse que a mãe estava organizando o acervo da grande obra deixada por Alex – soube, mais recentemente, que ela conseguiu restaurar o filme. E pude conhecer a atriz Isolda Cresta, também muito simpática, que trabalhou nesse filme, e com quem pude conversar um incontável número de vezes – ela sempre falava sobre sua neta Rosa Morena e do cachorrinho que tinha; e, certa vez, me convidou para assistir a uma peça em que atuava.
 
Ao longo de mais de trinta anos eu pesquiso, por diletantismo, a história e a cultura regionais da Zona da Mata Mineira. Com o tempo, o meu acervo histórico cresceu e tem hoje centenas de livros e milhares de documentos e fotos. Já escrevi e publiquei dezenas de textos; e já organizei ou participei de inúmeros eventos e exposições culturais, em Leopoldina, Angustura, Além Paraíba e Volta Grande, alguns dos quais contaram com a presença de familiares de Humberto Mauro - como a filha e o genro, que também é sobrinho dele.
 
É claro que eu não poderia ter deixado de pesquisar – e de conseguir um bom material – sobre Humberto Mauro, e, obviamente, sobre o filme “A noiva da cidade”. Tenho hoje, além de alguns mini-cartazes do filme, uns três ou quatro livros, raros e importantes, verdadeiras preciosidades, sobre a obra de Humberto. Um deles é de autoria de um sobrinho-neto de Humberto, o ator André Mauro, irmão da também atriz Cláudia Mauro. Outro, do historiador e crítico Paulo Emílio S. Gomes, revela e contextualiza o caminhar de Humberto Mauro no cinema. E mais outro, raríssimo, que contém o autógrafo de Alex Viany e fala do roteiro da “Noiva” e de algumas das cenas rodadas em Angustura. E como se não bastasse, há uma curiosa coincidência, qual seja, a trilha musical do filme é de autoria de Chico Buarque de Holanda e Francis Hime. O Chico não sabe, mas, é meu parente distante – o “bisavô mineiro” dele, cantado na música “Paratodos”, tinha laços próximos de parentesco com o meu avô paterno – de quem herdei o nome.
 
Como o próprio Humberto Mauro dizia: “Cinema é cachoeira. Deve ter dinamismo, beleza, continuidade eterna”.

Assim eu penso também, em relação à nossa própria vida. A gente, de vez em quando, precisa dar um passeio, lá atrás, e buscar a “beleza e o dinamismo” dos fatos e acontecimentos, cotidianos ou não, que nos marcaram, para reprocessá-los no presente e projetá-los para o futuro, para que possam ter “continuidade eterna”.
 
 


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