O Cantinho Musical , neste artigo , entrelaçará com o Cantinho Gramatical , trazendo para os frequentadores de nossas publicações , uma análise estrutural envolvendo uma técnica em que a relação de presença entre a MÚSICA e a POESIA é bastante estreita , o que garante um belo recurso na visão lírica dessas artes .
Exploraremos o fenômeno METAFÓRICO recorrente na POESIA MUSICAL como grande componente das mensagens míticas , envolvendo uma convivência interpretativa, entre os leitores, na descoberta sublinear do conteúdo poético expresso na obra , uma vez que as mensagens poéticas manifestadas nas canções contam com o reforço do ritmo , da harmonia e da melodia .
Antes de entrarmos nas análises das poesias musicais , conceituaremos METÁFORA como figura de linguagem que compara ideologicamente a relação entre o REAL e o IMAGINÁRIO .
METÁFORA é a designação de um objeto ou qualidade mediante uma palavra que nomeia outro objeto ou qualidade que tem com o primeiro uma relação de semelhança . A METÁFORA é a mais comum nas linguagens dos autores que falam de realidades que estão fora da órbita do sensível , quer por pertencerem ao recôndito das almas , quer por se situarem no plano dos entes transcendentais , o que identifica na criação artística a imagem do POETA . Para que haja metáfora é necessário que exista o sentimento de “ transferência “ do sentido de um domínio para outro , em virtude de semelhança de significações .
Por exemplo, dizer "o meu amigo é um touro, levou o móvel pesado sozinho". Obviamente que ele não é um touro nem se parece fisicamente com o animal, mas está tão forte que faz lembrar um touro. Neste exemplo, existe a comparação da força do animal e do indivíduo.
Selecionamos, para análise estrutural do fato poético, três canções que expressam em suas letras verdadeiras relíquias na linguagem figurada . Como temos a concepção de que música não tem fronteira , destacamos duas obras que fizeram e fazem até hoje grande sucesso na preferência do público : “ LA BARCA “ , composição do mexicano Roberto Cantoral , bolero em linguagem espanhola em que estão presentes vários recursos metafóricos . A outra canção que será analisada é uma composição de Nelson Cavaquinho, Guilherme De Brito, Alcides Caminha : “ A FLOR E O ESPINHO “ , samba que se perpetuou na memória daqueles que curtem uma boa canção . E em um toque poético para expressar um sentimento de FELICIDADE AMOROSA , selecionamos um samba de Paulinho da Viola e Élton Medeiros : “ ONDE A DOR NÃO TEM RAZÃO “ .
Primeiramente investigaremos os fenômenos metafóricos expressos no bolero : “ LA BARCA “ .
Dicen que la distancia es el olvido Pero yo no concibo esta razón Porque yo seguiré siendo el cautivo De los caprichos de tu corazón Supiste esclarecer mis pensamientos Me diste la verdad que yo soñé Ahuyentaste de mí los sufrimientos En la primera noche que te amé
Hoy mi playa se viste de amargura Porque tu barca tiene que partir A cruzar otros mares de locura (Cuida que no naufrague en tu vivir) Cuando la luz del sol se esté apagando Y te sientas cansada de vagar Piensa que yo por ti estaré esperando Hasta que tú decidas regresar
O tema da bela canção versa sobre uma separação amorosa , motivo de todas as imagens figuradas expressas na poesia . Observemos no 1º. Verso da 1ª. estrofe [ Dicen que la distancia es el olvido ] que a palavra DITANCIA não dimensionada ( pode ser estreita ou longa ) simboliza, metaforicamente , a separação . Há no verso uma indeterminação do dizer ( Dicen ) sobre o esquecimento ( olvido ) . Observamos no verso seguinte [Pero yo no concibo esta razón ] uma visão pessoal contrária ao 1º. Verso desacreditando a afirmativa , tornando-se escravo (cautivo ) do sentimento (corazón ) da pessoa amada que soube clarificar, durante o relacionamento , o pensamento , dando o amor sonhado [Supiste esclarecer mis pensamientos ] [ Me diste la verdad que yo soñé ] motivo da paixão . Uma das mais lindas metáforas em um cancioneiro está presente nestes versos [Hoy mi playa se viste de amargura ] [Porque tu barca tiene que partir ] há uma bela comparação ideológica entre “ playa “ e sentimento / “ barca “ e separação . No verso [ A cruzar otros mares de locura ] manifesta uma codificação de outros amores . Há metaforicamente um discurso de alerta para um fracasso amoroso ( naufrague ) no verso [ (Cuida que no naufrague en tu vivir) ] . Deixaremos para a complementação da análise dos quatro últimos versos a cargo da percepção lírica dos leitores.
Cuando la luz del sol se esté apagando Y te sientas cansada de vagar Piensa que yo por ti estaré esperando Hasta que tú decidas regresar
Agora uma outra análise demonstrando os recursos metafóricos nas letras do samba “ A FLO R E O ESPINHO “ . Tire o seu sorriso do caminho Que eu quero passar com a minha dor Hoje pra você eu sou espinho Espinho não machuca a flor Eu só errei quando juntei minh'alma a sua O sol não pode viver perto da lua Tire o seu sorriso do caminho Que eu quero passar com a minha dor Hoje pra você eu sou espinho Espinho não machuca a flor Eu só errei quando juntei minh'alma a sua O sol não pode viver perto da lua É no espelho que eu vejo a minha mágoa E minha dor e os meus olhos rasos d'água Eu na sua vida já fui uma flor Hoje sou espinho em seu amor
Eu só errei quando juntei minh'alma a sua O sol não pode viver perto da lua
Tire o seu sorriso do caminho Que eu quero passar com a minha dor Que eu quero passar com a minha dor
A poesia expressa na canção é uma manifestação lírica composta por Guilherme De Brito, Alcides Caminha , traduzindo através das metáforas muita tristeza, elementos típicos do samba da década de 50. Logo nos primeiros versos [ “Tire esse sorriso do caminho, ] [ Que eu quero passar com a minha dor. ] [ Hoje pra você eu sou espinho. ] [ Espinho não machuca a flor ] , notam-se várias comparações ideológicas com muita carga de lirismo , onde SORRISO e DOR simbolizam ALEGRIA e TRISTEZA e CAMINHO representando VIDA . A outra bela similitude poética está expressa entre a FLOR , a mulher amada , e o ESPINHO , o apaixonado , em uma relação mediada pelo verbo MACHUCAR representando a idéia de “ não ferir sentimentos amorosos “ . Manifestação também metafórica , encontramos relacionada na comparação psíquica “SOL “ e a “ LUA “ . Deixaremos também a cargo dos leitores a continuidade analítica , observando as metáforas nos seguintes versos : É no espelho que eu vejo a minha mágoa E minha dor e os meus olhos rasos d'agua Eu na sua vida já fui uma flor Hoje sou espinho em seu amor
Encerrando a análise na poesia musical em : “ ONDE A DOR NÃO TEM RAZÃO “de Paulinho da Viola e Élton Medeiros.
“ ONDE A DOR NÃO TEM RAZÃO “ Canto Para dizer que no meu coração Já não mais se agitam as ondas de uma paixão Ele não é mais abrigo de amores perdidos É um lago mais tranquilo Onde a dor não tem razão Nele a semente de um novo amor nasceu Livre de todo rancor, em flor se abriu Venho reabrir as janelas da vida E cantar como jamais cantei Esta felicidade ainda Quem esperou, como eu, por um novo carinho E viveu tão sozinho Tem que agradecer Quando consegue do peito tirar um espinho É que a velha esperança Já não pode morrer
A canção Inicia simbolizando o coração como reduto de seus sentimentos amorosos . Embutido nos versos e apoiado por uma bela melodia , as expressões metafóricas manifestam um grau de felicidade amorosa , expulsando do coração todo sofrimento [ Canto ] [ Para dizer que no meu coração] e , coerentemente no verso seguinte, manifesta a força de seu sentimento , utilizando as expressões que denotam grandeza de um sentimento “ AGITAM “ e “ ONDAS “ [ Já não mais se agitam as ondas de uma paixão ] e a seguir , reforça , metaforicamente , a morada por meio do verbo“ ABRIGAR “ e a perda na manifestação em“ AMORES PERDIDOS [ Ele não é mais abrigo de amores perdidos ] , reforça ainda a figura locativa e a tranquilidade no verso [ É um lago mais tranqüilo ] . Como o aparecimento de uma nova paixão utiliza o termo “ SEMENTE “ [ Nele a semente de um novo amor nasceu ] , como resultante do semear , surge em uma comparação metafórica onde o termo “ FLOR “ é a figura do novo amor . [ Livre de todo rancor, em flor se abriu ]. Deixaremos , a partir de agora , que os leitores busquem as comparações ideológicas , ou metáfora como figura de linguagem nos termos ou expressões : “ JANELAS DA VIDA “ [ : Venho reabrir as janelas da vida ] ; “ DO PEITO TIRAR O ESPINHO “ [ Quando consegue do peito tirar um espinho ] e a conotação do termo “ MORRER “ no verso [ Já não pode morrer ] .