27/04/2018 às 00h01min - Atualizada em 27/04/2018 às 00h01min

Meus Colégios em Leopoldina

Antônio Márcio Junqueira Lisboa (*)

O CURSO PRIMÁRIO - Com cinco anos, fiz uma tremenda birra na Rua Cotegipe, em frente ao Colégio São José, então sob a orientação das irmãs Lintz, e dirigido pela Professora Judith Lintz. Eu queria estudar.

Fui matriculado no curso primário. Minha caligrafia era tão feia que tive que repetir o primeiro ano. Creio que para não ficar traumatizado, não fui reprovado, mas tive que cursar o primeiro ano A e, aprovado, o B. Considero-me o único aluno reprovado no primeiro ano primário por causa da caligrafia.   Vencida essa etapa inicial, sempre me classifiquei entre os melhores alunos.    

Quanto à caligrafia, melhorou pouco. Exerço uma profissão que prima pela péssima caligrafia, o que torna, não raramente, as prescrições inelegíveis. A situação é tão grave que os Conselhos de Medicina recomendam que seus membros escrevam de forma legível.

Dona Judith deixava-me de castigo, após as aulas, em frente a um flanelógrafo, para aprender composição: “Peri tem uma bola. A bola é verde. Tupi é um cachorro com manchas pretas e brancas...”. Meu companheiro de “prisão” era o Geraldo Barbosa, que chorava o tempo todo, não fazia a composição e, quando eu entregava o meu trabalho, ele saia comigo.   A Ierecê, mãe da Beth,  minha esposa, aluna  do último ano, me ajudava, para que eu saísse mais cedo.  Com as Lintz aprendi a ler, a escrever e, principalmente, continuei meu aprendizado de princípios, valores, limites e disciplina. Guardo até hoje meu pequeno livro sobre “Civilidade”, adotado no Colégio.
Com D. Judith aprendi muito, inclusive que existem pessoas que nos punem para nosso bem. Até sua morte, jamais deixei de visitá-la, de contar-lhe minhas vitórias, de dizer-lhe o quanto ela era responsável pelos meus eventuais sucessos.  Com as Lintz eu aprendi a importância, muitas vezes não reconhecida, do papel das professoras do curso primário na formação da personalidade dos cidadãos.

Durante o curso primário, só um incidente.  Durante o recreio, rasguei minha calça.  Ao voltarmos para a sala de aulas, fui chamado para ir até o quadro negro.  Recusei-me terminante a me levantar cadeira, por motivos óbvios. A professora ficou espantada com meu comportamento estranho.  Saí do Colégio com a pasta no traseiro, para tapar o rasgão. 

O CURSO SECUNDÁRIO - Em 1938 entrei para o “Gymnasio Leopoldinense”, à época considerado um dos melhores do Brasil. E deve ter sido mesmo, pois saí do interior, não fiz cursinho, e consegui ser aprovado em oitavo lugar no vestibular da Faculdade Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro. No Ginásio, entoávamos o Hino Nacional diariamente. Desfilávamos pelas ruas da cidade em dias festivos – Independência, Proclamação da República, Dia da Bandeira, Aniversário do Colégio.  Aprendi a amar minha pátria, a Bandeira de meu país, meu colégio, a respeitar meus colegas e professores. 

Quando terminei a quinta série, passei para o segundo ano do Curso Científico, e o Ginásio passou a chamar-se “Colégio Leopoldinense”. Em 1944, com 17 anos terminei meus estudos.

MINHA PRIMEIRA PAIXÃO - No segundo ano ginasial, com 12 anos, tive minha primeira paixão, D. Maria Helena Motta, a professora de Ciências.  Ficava louco para chegar o dia da aula para vê-la. Ficava fascinado. Trinta anos mais tarde, confessei-lhe minha paixão de adolescente. Quando ela já era cunhada de um tio meu.

O PROFESSOR DE MÚSICA - Nosso professor de Música chamava Manuel, apelidado pelos alunos de Manuel Reco-Reco. Pessoa humilde, pobre, os alunos transformavam sua aula numa bagunça. Atiravam cascas de banana, bagaços de laranja, falavam em voz alta. Frequentemente, a confusão se tornava tão grande que era chamado o diretor – Carlindo Mayrink, para a aula voltar ao normal. Um dia, um dos alunos pediu para tirar uma fotografia dele com a turma, Fomos para a entrada da sala e o Manuel perguntava “Tem filme?”. O “fotógrafo” respondia que sim, pedia poses, ajeitava as pessoas, e o tempo da aula acabava.  A máquina não tinha filmes.

BATE EM MIM PRIMEIRO – Renildo era um menino muito agressivo.  Costumava bater nos colegas, principalmente, nos menores.  Ameaçou de bater no Darcy Vasconcelos. Resolvi defendê-lo e disse aquela célebre frase: “Se quiser bater, nele tem que bater em mim primeiro”. E, assim, ele o fez. Deu-me um murro no queixo e eu cai, de costas. Fiquei com o queixo inchado, mas o Darcy não apanhou.

IVETE – Quarta feira, 14 horas, sala de música.   Havia um buraco no chão, perto do quadro negro.  Ivete a menina mais bonita do colégio foi chamada ao quadro e começou a escrever às respostas às solicitações do professor. Ouviu um ruído, olhou para o chão e viu um olho no buraco.  Alguém mirando suas lindas pernas. Gritou, apontando para o buraco: “Professor, tem um homem aqui”. O Diretor foi chamado, a sala evacuada e o Chico, um regente que quase não enxergava foi colocado vigiando o alçapão existente no meio do salão, para evitar a fuga dos meliantes. Eram três: Dandão, Toinzão e Jurací, os colegas mais velhos da minha turma. A Ivete era bem mais nova.  Na ânsia de verem as pernas da menina, um tropeçou no outro e, daí, o barulho.  O Diretor mandou chamar, em voz alta, um carpinteiro para pregar o alçapão. A turma ficou apavorada com a ideia de ficar presa no porão.  Sentiram que as pessoas haviam saído da sala, escaparam pelo alçapão, saltaram por uma janela localizada a quase dois metros de altura e chegaram à rua.  Mas, o Chico, embora quase ceguinho, os viu, e comunicou ao Diretor. A população da cidade ficou revoltada. Os comentários iam desde “isso é coisa de menino” até a exigência de expulsão. O Diretor, Professor Carlindo Mayrink, um homenzarrão de mais de 100 quilos, voz tonitruante, respeitado e temido pelos alunos, chamou os três ao seu gabinete. Passou-lhes um sermão e deu-lhes como punição ficarem, durante um mês, presos uma hora, após as aulas, com a obrigação de escreverem mil vezes uma mensagem, em que confessavam que haviam agido de forma errada. Nessa altura, um deles, Dandão, feliz por não ter sido expulso, perguntou ao Diretor: “O senhor vai dar a tinta ou eu terei que trazê-la de casa?”.

PROVA DE QUIMICA - Houve uma época, no Ginásio, que costumavam chamar para participar da Banca Examinadora uma pessoa da comunidade que se interessava pelo tema.  Chamaram o Miguel. No dia da prova, um dos alunos que estavam sendo examinados, misturou reativos que resultaram em uma tremenda explosão. Não houve feridos, mas o susto e a correria foram enormes.  Terminados os exames, a Banca se reuniu para dar as notas. As notas recebidas pelo aluno que causou a explosão foram zero– zero e dez.  Os dois professores que deram zero fizeram ver ao outro, o da comunidade, que aquele aluno era o da explosão e se ele não queria mudar a nota. A resposta foi: “Não. Se ele fez isso hoje, imaginem o que poderá causar na segunda época?”

(*) Membro da Academia Leopoldinense de Letras e Artes
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