Época dos “anos de chumbo”, em que conversar sobre governos, política, DOPS, imprensa, liberdade, comunismo, socialismo, censura, repressão, etc., representava riscos potenciais de prisão e remoção para Juiz de Fora – sede regional da repressão e tortura aos “descontentes” com a política do ditador de plantão.
Chega a Leopoldina um funcionário público vinculado ao Ministério da Agricultura, vindo diretamente de Brasília, tendo como missão implantar uma delegacia regional da CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – abrangendo quase 30 municípios da Zona da Mata. ROSALVO ALVES, dizendo-se gaúcho, 50/55 anos, era o “cara”.
Tão logo instalado num hotel, iniciou seus contatos com as autoridades políticas locais explanando sobre sua missão e pedindo os necessários apoios. Geração de empregos, delegacia regional, vindo de Brasília, porém, despertou uma dúvida: “Será que ele era mesmo aquilo que dizia e apresentava, ou, seria um agente da repressão sob pele de cordeiro, visando espionar e prender leopoldinenses?” Tal dúvida esmaeceu-se à medida em que ele convivia na cidade.
Super comunicativo, conquistava as pessoas logo nas primeiras conversas, gostava de uma cerveja e compartilhava sua mesa com seus novos amigos, sempre acrescentando mais um ao final de cada rodada de “brahmas” (sinônimo de cerveja, àquela época). Abriram-se-lhe as portas na cidade e era um personagem popular, em pouco mais de 30 dias. Ficara amigo de fé do Ninico Domingues (a quem teria oferecido o cargo de Delegado Regional Contag).
Iniciando seu trabalho de implantação da Delegacia Contag, aluga a loja do João Bártoli ali na Cotegipe, adquire o mobiliário de escritório na Casa Henriques Felipe, contrata uma secretária e inicia as inscrições para o concurso público. A essa altura, Ninico já dava “plantão” no escritório; os editais já publicados; inscrições a todo vapor; jovens formando grupos de estudo; expectativas a “mil” da parte dos concursandos. ...
E o Rosalvo continuava fazendo seu meio de campo: cervejas, bom papo, mais amigos, seus fornecedores abriram-lhe o crédito. A cidade (e municípios limítrofes) movimentava-se ante o concurso, cada dia mais próximo. Segundo Rosalvo, quase 700 candidatos inscritos e taxas pagas, um mês antes do concurso.
Quinze dias antes do concurso, Rosalvo informa ao Ninico de que fora convocado a Brasília para buscar os gabaritos das provas e deveria se ausentar por 8 a 10 dias, cabendo-lhe decidir e conduzir a delegacia durante sua ausência. Na noite anterior à sua viagem, no bar do Clube Leopoldina, Rosalvo, patrocinando a cervejada como sempre, conta uma de suas estórias, “sobre um indivíduo que chegava nas cidades, montava comércios, inicialmente comprava à vista e, depois do crédito concedido, comprava a prazo, fazia liquidação das mercadorias abaixo do custo, embolsava o dinheiro e sumia.” Esperto esse cara, riam os “comensais”
Passaram-se os 8 a 10 dias e o Rosalvo não voltou. Nada de notícias. Teria ocorrido algum acidente com ele? Passaram-se os 15 dias e, NADA! Concurso adiado! Teria sido tentado contato com o Ministério da Agricultura e INEXISTIA tal funcionário nos seus registros. Como? Indagavam todos, inclusive Ninico.
A resposta à indagação tornava-se, a cada dia, mais clara: ROSALVO DERA UM GOLPE!
Conseguira enganar a TODOS na cidade! Daí foram aparecendo os “rombos” nos créditos que a ele foram concedidos, sob amparo de que “a verba viria por ordem de pagamento bancário diretamente a crédito das contas dos fornecedores”: hotel, bares, restaurantes, Casa Felipe, aluguel, água, luz, telefone, salários e outros débitos “menores”.
As taxas de inscrição para o “concurso”? ... Foi o resultado líquido do golpe.
Rosalvo passou alguns meses em Leopoldina, morou, comeu, bebeu, fumou, conviveu, deu o golpe e sumiu. Porém, antes de sumir, no dia anterior à sua “ida a Brasília”, contou a estória do indivíduo que chegava nas cidades e ... Constatado o golpe, viu-se não ser uma estória, e sim, uma HISTÓRIA, cujo personagem principal seria ele, que, ao relatar “seu meio de vida”, dava uma “dica” para os presentes e DESPEDIA-SE DE LEOPOLDINA A PARTIR DO DIA SEGUINTE, com a certeza de seu “dever cumprido”.
Ah! Não me inscrevi para o “concurso”, porém meu amigo, Gilberto Pinheiro, um dia antes de “encerrar as inscrições”, VATICINAVA: “Edson, isso está me cheirando a golpe, por isso vou fazer a inscrição e guardarei o comprovante para posterior constatação. E assim o fez e deve ter, até hoje, tal “recibo de estelionato”, guardado.
Edson Gomes Santos – Ribeirão Preto-SP - 2010