22/03/2019 às 08h55min - Atualizada em 22/03/2019 às 08h55min

Política sem partido?

Gino Ribas Meneghitti
Como se não bastasse o clamor “popular” pela escola sem partido, os mesmos cidadãos reivindicam e sugerem o caminho para uma sociedade também sem partido. Seria simples descrença, ignorância ou ingenuidade? O que leva um indivíduo a acreditar no apartidarismo político das pessoas e das instituições? Talvez a mesma razão que os levou a eleger o autoritarismo ao invés da democracia: o analfabetismo político.    

Por quais causas devemos viver e lutar? O que significa ser de direita ou de esquerda? Quais são as ideologias que formam o espectro político? Qual a diferença entre capitalismo e socialismo? Você acredita num mundo pautado em valores individualistas ou coletivos? Você defende uma política pública voltada para os mais ricos e favorecidos, ou para os mais pobres e necessitados?

Quem defende o apartidarismo político deveria colocar essas e outras questões no rol de suas reflexões, pois tudo isso envolve uma tomada de decisão e de partido. O apartidarismo é fruto da ausência de conhecimento e de reflexão, afinal quem o emite apenas atesta a sua ignorância em relação aos princípios básicos da ciência política. 

Por que os membros da extrema direita estão tão preocupados em implementar a escola sem partido? Porque é de interesse da classe dominante impor seu modo de agir, sentir e pensar aos dominados, perpetuando a atual ordem de coisas e preservando seu status quo. E para isso, nada melhor do que a própria educação. O sistema de ensino, público ou privado, poder ser uma ferramenta de libertação ou de manipulação, de consciências e classes, dependendo do conteúdo e da forma como o mesmo é transmitido e apresentado.

A presença, ou ausência, de determinadas disciplinas na grade curricular- como a filosofia e a sociologia, por exemplo – pode nortear comportamentos e condutas: passivas ou ativas, críticas ou alienadas.  Somos responsáveis pelas consequências de nossos atos e escolhas; entretanto, não podemos ser integralmente culpados pelo nosso fracasso em nível educacional e profissional, financeiro e pessoal. Inúmeras variáveis estão em jogo, desde o meio social em que nascemos ao familiar em que somos educados.

É possível discorrermos sobre meritocracia numa sociedade injusta e desigual, a qual não oferece as mesmas oportunidades para todos? Como competir em condições de igualdade, se os filhos dos mais ricos possuem acesso irrestrito aos melhores lugares, hábitos e pessoas, enquanto os mais pobres são privados muitas das vezes do necessário? Como julgar e condenar uma pessoa que na infância vivenciou desde as privações materiais básicas, até o desequilíbrio doméstico e familiar, assimilando e absorvendo cenas de violência e desamor?

Não justifico nem ouso racionalizar as causas do ódio e da maldade, muito menos reproduzir o discurso vitimista da auto-piedade, mas podemos comparar o ensino das escolas particulares com os da escola pública? Podemos negar que as condições socioeconômicas afetam diretamente a vida das pessoas, para o bem ou para o mal? É impossível defendermos uma escola ou sociedade sem partido, enquanto existir uma sociedade dividida em classes.

Quem defende um sistema político e econômico capitalista crê no individualismo, no direito à propriedade privada e na privatização das empresas públicas, afinando-se a uma economia liberal regulada pelo mercado. Aceita também a meritocracia, que diz que todo insucesso e fracasso é de inteira responsabilidade do indivíduo, em sua visão simplista e reducionista do “querer é poder”.

Por outro lado, quem defende um sistema político e econômico socialista acredita no bem-estar social e coletivo, na divisão de terra e renda e no fortalecimento do Estado e de suas instituições. Sabe que a principal causa da desigualdade social é a divisão parcial e injusta das riquezas produzidas pela classe trabalhadora. 

É perfeitamente normal, compreensível e aceitável que as pessoas se revelem apáticas e desacreditadas, tanto dos partidos quanto dos políticos, diante de tantos maus exemplos. Ainda testemunhamos uma política e uma classe de representantes desavergonhada e viciada, tanto nas práticas como nos hábitos, desde o famigerado “toma lá, dá cá”, até as canetadas em benefício próprio. Escândalos de corrupção com cifras milionárias já estão incorporados e internalizados em nossa alma e cultura há anos. Pouquíssimos políticos mostram-se dispostos a abrir mão dos seus privilégios e vantagens em prol dos interesses da população. A ignorância caminha de mãos dadas com a ingenuidade, e é fruto da falta de investimento maciço na educação pública de qualidade.

Enquanto a classe trabalhadora não for conscientizada do seu poder de voto e veto, a elite brasileira irá se apropriar indevidamente do seu sangue, suor e lágrimas representado pela sua força de trabalho. Quem possui os meios de produção não quer dividir seu pão, nem tampouco está interessado na elevação de classes e de consciência. Para ele, é mais fácil se render e se acomodar ao luxuoso conforto proporcionado pelo séquito de escravos, dóceis e obedientes do que ter que responder e revelar a origem de seu poder, prestígio e riqueza.
 
 
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