13/05/2020 às 11h02min - Atualizada em 13/05/2020 às 11h02min

Minhas novas máscaras

Zélia Lopes
Lembro-me de  certo episódio que eu vivi nos tempos de faculdade. Ia e vinha todas as noites, de ônibus, da antiga Fafic, em Cataguases. O cobrador vendia as passagens durante o trajeto e recolhia o recibo na hora que cada passageiro descia.
 
Um dia, ele pediu o recibo a uma senhora muito velhinha e aprumada, ao que ela respondeu: aquele papilim? Iii, meu fio, pitei ele! Eu não me contive, nem o cobrador, nem quem ouviu a resposta e rimos com gosto daquela senhora que utilizou o papelzinho da passagem como cigarro de rolo.
 
Afinal, aquele papelzinho não tinha mesmo nenhuma importância para aquela senhora e o cobrador que se virasse para contabilizar a quantidade de passageiros. Assim  como aquela senhora, eu estou aqui “pitando” meus “rolos” mentais e analisando, no meio dessa pandemia, os papeis de cada um, sociedade e governo.
 
Observo as máscaras que somos obrigados a usar. Vejo no Instagram as postagens de  pessoas ostentando máscaras de tecido, felizes como quem acaba de ganhar seu primeiro celular. Tem pra todos os gostos: beges, vermelhas, pretas (sempre um clássico!) e as coloridas: joaninhas, peixinhos, super heróis para as crianças e flores para as mulheres.
 
Mas, são as brancas que mais me comovem porque são usadas por quem nos garante o pão nosso de cada dia nos mercados e padarias. O que elas escondem? Quem respira por trás das máscaras? O homem infeliz que acabou de ser demitido? A mulher solitária que viu o bar ser instalado em sua sala de estar quando o marido bebe o resto de amor que há na companheira?
 
Elas também escondem  os infortúnios silenciosos das filhas que  cuidam de suas mães idosas, enfermas e esclerosadas....
 
Mas as que me chamam mesmo a atenção e me levam a refletir sobre a fragilidade da vida, são as que mostram olhares atentos, preocupados e temerosos daqueles que, além de máscaras, usam jalecos, calças e sapatos brancos, luvas e outros instrumentos para cuidar da vida dos que chegam aos hospitais, sem ar, com medo e sem esperança.  Homens e mulheres que, mesmo temendo pela própria vida, se enchem de coragem para salvar a vida de estranhos que, no momento do desespero, deixam a máscara do orgulho cair e pedem por socorro agarrados às suas mãos.
 
 
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