13/06/2020 às 14h04min - Atualizada em 13/06/2020 às 14h04min

ABÓBORA NA MARMITA

Durante muito tempo, eu, o Honório “Honorinho” Lacerda Filho e o José Manoel Thiago Bittencourt, que fazíamos o horário de 7 às 13 horas no Banco do Brasil, almoçávamos no quarto andar no horário que tínhamos para lanche.

Com isso, tínhamos mais tempo para exercer nossas atividades profissionais autônomas, pois já saíamos da agência alimentados.

Meu sogro Aristides Policiano da Silva levava quase na hora minha marmita; o José Manoel trazia a dele de Cataguases.

Nós três, advogados militantes, éramos subalternos do subgerente Miguel dos Santos, homem de complexos de superioridade excessivos e que, pelo que demonstrava, tinha a inveja como seu mais evidente pecado capital. O que fazíamos não contrariava qualquer norma interna nem mesmo externa do Banco.

Eu havia comprado um Opala 0 km.

Para que se possa imaginar a mente do homem, recebi, através de sua esposa Tereza, o recado que reproduzo:

“o Miguel mandou você vender o carro novo, pois o Peixoto (gerente José de Salles Peixoto) tem um Maverick e ele, que é subgerente, tem um Corcel, e então você não pode ter um carro melhor”.

Em inequívoca demonstração de incapacidade administrativa, ele encarregou o supervisor Francisco Capuruço de ficar vigiando para impedir que nós, ao almoçar, ultrapassássemos os 15 minutos regimentais para o lanche.

Lamentavelmente, o psicótico supervisor aceitou a tarefa e, enquanto comíamos, ficava de pé junto a nós, ostensivamente de olhos fixos no relógio de pulso. É lógico que, almoçando no clima que se criou, a comida nos fazia mais mal do que bem. Por conveniência profissionale responsabilidades familiares, combinamos tudo tolerar.

O saudoso monsenhor Gerardo Naves, meu amigo e confidente, teve influência decisiva em minha disposição de não reagir, argumentando, com sua extraordinária sapiência, que todos deveríamos multiplicar nossa calma, pois em Leopoldina nós iríamos ficar anos e anos e que nossos algozes em pouco tempo iriam embora, como foram.

O notável conselheiro acertou em tudo !

Na casa do Honorinho, à época, a sogra dele, dona Lourdes, era a encarregada da cozinha. Honorinho e a sogra inclusive moravam bem longe do comércio e, por isso, nem sempre havia na casa legumes frescos. Ao lado da casa, porém, havia um terreno baldio, extremamente estercado, onde espontaneamente nasceu, cresceu e teve fecundíssima produção um pé de abóboras e com ele dona Lourdes resolvia seu problema de complementação de cardápio: o legume na marmita do Honorinho era abóbora praticamentenum dia sim e no outro também.

A cada refeição, dona Lourdes nos deslumbrava com sua versatilidade, mandando abóbora preparada de um modo diferente: abóbora madura, abóbora batida, abóbora à milanesa, abóbora recheada, abóbora gratinada, abóbora refogada, empadão de abóbora com carne seca, quiche de abóbora e, como sobremesa, doce de abóbora puro ou com coco, ou seja, abóbora o mês inteiro.

Certo dia, quando a marmita chegou, o Honorinho (logicamente brincando) disse para a Celina, garota encarregada do transporte: “se hoje tiver abóbora na minha marmita, vou jogar você e a marmita pela janela”.

A garota, que conhecia de folga o conteúdo quase diário da marmita, colocou-a sobre a mesa e saiu em disparada, descendo pelas escadas apesar de ali existir elevador.

Assentamo-nos para almoçar. O Honorinho, sob suspense, abriu sua marmita. Como que milagrosamente, nela não havia abóbora.

Aí, o ineseperado: minha marmita estava repleta de abobora !

Com o tempo ridiculamente cronometrado, ficamos sem almoçar naquele dia, pois todo o tempo de que dispúnhamos foi ocupado com sonoras e relaxantes gargalhadas. Atualmente, quando o Honorinho, o José Manoel e eu nos encontramos, não há como não voltar a rir ruidosamente de ocorrido.

Em 24.06.2011

Nelsinho
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