18/06/2020 às 09h48min - Atualizada em 18/06/2020 às 09h48min

DR. BIRA

Publicado na edição 196,  do Jornal Leopoldinense em janeiro de 2012

Dizem que, ao nascer, a pessoa recebe de Deus um livro, o livro que é o roteiro de sua vida, onde está escrito tudo que acontecerá com cada um ao longo de sua permanência aqui na terra.

E se assim é, estava escrito que meus sogros dona Noêmia e Aristides Policiano da Silva (pais de minha esposa Scarlet) se mudariam de Piacatuba para a Rua Três de Junho, número 345 e bem defronte, quase à mesma época, para o número 256 da mesma rua, chegariam dona Palmira e o Sr. Odívio Ferreira Lima (pais da Ângela), oriundos de Pirapetinga. Da estreita amizade surgida entre dona Noêmia e dona Palmira, ambas as criaturas repletas de virtudes e nenhum defeito, surgiu uma convivência quase que familiar entre todos.

E estava escrito que a Ângela se casaria com um jovem médico, Francisco Ubirajara de Moraes Coutinho, e que o novel casal iria fixar residência no mesmo prédio da Rua Três de Junho. E quando a Scarlet foi se casar, o casal Ângela/Bira foi padrinho de seu casamento, ocorrido em época em que para apadrinhar um casamento convidavam-se apenas dois casais.

O Dr. Bira já era médico da família de meu sogro Aristides. A partir daí, e não apenas por isto e por ter sido padrinho de nosso casamento, o Dr. Bira se tornou médico também de nossa família.  Todos nossos filhos nasceram “em suas mãos” e ele foi nosso médico, “da caspa ao chulé” até encerrar definitivamente sua atividade profissional. 

Como caçador ou pescador, tinha o privilégio inigualável de pescar e caçar aonde quer que fosse sem ser incomodado/perseguido/impedido, pois todos sabiam que pescava ou caçava unicamente como terapia, para se recuperar do desgaste físico/emocional que lhe causava a medicina, de altíssima qualidade e de uma desgastante constância.

E nas páginas que lhe estavam escritas para seu tempo terreno, ele rapidamente se fez um expoente da medicina cirúrgica e da clínica geral, ele se tornou um raro mito na medicina leopoldinense. Ele se consumia por inteiro na medicina, levando para onde fosse as preocupações com o estado de saúde de seus pacientes, sempre atento a qualquer chamado, a qualquer hora, com qualquer tempo e em qualquer lugar, até mesmo no meio rural, ainda que sob temporais e estradas lamacentas. Desgastou-se demais por isto, mas se tornou em pouco tempo um ponto de referência na medicina regional.

Era realidade, não era lenda, que bastava o Dr. Bira adentrar onde estivesse um doente que este melhorava até mesmo antes da consulta. Dr. Bira tinha o dom a poucos concedido, o de diagnosticar, num simples toque com as mãos, onde estava “com defeito” o corpo que ele examinava.  E sempre se soube que ele pedia poucos dos hoje sofisticados exames complementares, pois tinha o dom do “olho clínico” e por coincidência faleceu no dia dedicado a Santa Luzia, a protetora dos olhos.

Ele “via” tudo com mais facilidade, com melhor clarividência. Aquele que salvou tantas vidas, aquele que trouxe à vida milhares de crianças, passou seus últimos instantes exatamente num leito da Casa de Caridade Leopoldinense, aonde como médico chegou quase garoto e onde ficou dezenas de anos, unicamente cuidando com quase inigualável capacidade de todos que de seus conhecimentos diferenciados precisavam.

Quando a “coisa apertava”, até colegas médicos, inclusive os mais capacitados e experientes, com ele se socorriam. Nas questões polêmicas, e ali houve muitas, sua opinião ponderada sempre prevaleceu; quando o Bira falava, as divergências desapareciam, pois sua voz sensata era fato gerador de convergência.

Foi nosso médico e de milhares de famílias leopoldinenses. Era sereno, atencioso, afável no trato. Só o vi indignado uma única vez, achando que os recursos usados para o homem “pisar na lua” teriam sido mais bem aplicados na busca da cura da leucemia, com o que não teria perdido ainda criança o filho Marcelo, cuja morte prematura ele jamais deixou de lamentar.

Dr. Bira no exercício da medicina foi muito útil e atento às necessidades do povo, inclusive dos mais humildes. Deu, ao longo de sua vida santa de médico, lições de generosidade que deveriam servir de exemplo constante para muitos.

Por isto, com a Ângela, com os filhos, com os genros, com a nora, com os netos, com os demais familiares, nós todos nos solidarizamos neste momento de tanta amargura, que é também a de milhares de leopoldinenses.

O arauto, que nas cidades de bom senso é admitido para fazer anúncios fúnebres e permitir que as pessoas tomem conhecimento da perda de pessoas queridas, em Leopoldina não anunciou a partida do Dr. Bira, impedindo a presença agradecida e emocionada de centenas de pessoas que de seus serviços prestimosos se beneficiaram. Até hoje há pessoas comentando ter tomado ciência tardia do ocorrido e lamentando não ter podido levar ao Dr. Bira o reconhecimento de benefícios dele recebidos. 

Aqui não houve o arauto, mas com certeza, no paraíso, para onde ele foi voando, anjos e arcanjos se esmeraram em tocar suas trombetas, num arauto festivo para anunciar a chegada de um dos maiores benfeitores já existentes em Leopoldina.

Em nome de todos os milhares de leopoldinenses que foram abençoados com a bondade e a competência de seu atendimento eu digo muito obrigado e adeus, adeus Dr. Bira.

Em 20.12.2011 –
Nelson Vieira Filho
Nelsinho
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