24/06/2020 às 18h22min - Atualizada em 24/06/2020 às 18h22min

Seu Jovelino Pecado e sua bacia de comida

Por Maria José Baía Meneghite/Retrato: Glória Barroso
Hoje quando preparava o almoço, mais especificamente um quiabo com costelinha de porco, lembrei-me de alguns fatos ocorridos no tempo de criança e tais lembranças fizeram-me rir sozinha. Ocorre que o personagem principal desse relato, gostava desse prato e mais tarde, no decorrer da narrativa você caro leitor entenderá.

Seu Jovelino, ou, “Dorigo Pecado", vivia de favor na casa da família Azevedo que por sinal o tratava com grande consideração. Seus aposentos ficavam nos fundos da residência principal e o acesso era pelo portão do lado facultando-lhe a saída e a volta para casa quando assim o quisesse, sem com isso interferir na rotina da casa.

Seu Jovelino tinha como profissão, limpar quintais, rachar lenha, enfim, pequenos serviços que ainda fosse capaz de executar devido sua idade. Para nós, crianças na faixa de 10 a 12 anos, ele não parecia tão velho pois sabíamos de sua habilidade em nos perseguir com a mesma velocidade que imprimíamos em nossas correrias quando para lhe provocar gritavamos em coro: ô Jovelino Pecado! Não dava outra: saia em desabalada carreira e espantava toda a criançada com suas ameaças.

Morávamos nessa época (Década de 1960) quase em frente ao Grupo Escolar Botelho Reis onde estudávamos, e numa tarde quando avistamos seu Jovelino gritamos em coro seu apelido e como cada um de nós escondeu-se em lugar diferente, ele ficou desnorteado e praguejava nos ameaçando com seu enorme machado. A primeira a sair do esconderijo foi uma menina um ano ou dois mais velha que eu e com ela me arrastou tentando tirar-me do perigo. Qual nada, fomos perseguidas por um Jovelino enfurecido que nos deu uma corrida em volta do Grupo Botelho Reis corrida essa que ficou na história. Nesse dia nem mesmo o professor Machado estava de prontidão em sua janela para nos corrigir como era de costume. Nem a saudosa dona Judith Lintz que sempre nos afastava dos perigos, estava presente para nos socorrer. A rua estava deserta e à medida que os meninos gritavam seu apelido ele mais nos ameaçava. Não creio que ele usasse de violência contra nós, acho mesmo que apesar de muito nervoso só desejava assustar os que ainda gritavam seu apelido, protegidos pelo esconderijo ainda não identificado por ele.

Naquela tarde, cheguei esbaforida em casa, tomei banho, jantei e não mais saí. Mas voltando ao quiabo com costelinha, devo esclarecer que no dia seguinte minha mãe, exímia cozinheira estava fazendo para o almoço nada mais que uma deliciosa caçarola de quiabo com costeletas de porco. No imenso quintal da casa ouvia-se o som de um machado golpeando a lenha seca e para minha surpresa quem estava lá? Seu Jovelino, é claro. Fiquei apavorada e fui depressa para o quarto. O almoço ficou pronto e assisti minha mãe arrumando em uma bacia de alumínio, de diâmetro bem maior que um prato comum, o que seria o almoço caprichado que eu deveria levar para o Seu Jovelino. Entrei em pânico, suei frio arranjei logo uma dor de barriga para ir ao banheiro e por lá ficar por bastante tempo. Quando saí, olhando em volta desconfiada, dei de cara com “Seu Jovelino Pecado” na porta da cozinha empunhando a enorme bacia, e pedindo à minha mãe para repetir o prato pois o quiabo “tava de comer rezando”.
 
Nessa hora quem rezou fui eu para que minha mãe de nome Mariana, brava como ela só, não descobrisse nunca o que fizemos no dia anterior, afinal, desrespeitamos uma pessoa mais velha. Entretanto, ele sorriu para mim com seu sorriso simplório e meio alienado e carregando sua bacia de quiabo com arroz, feijão e angú foi assentar-se à sombra do pé de fruta pão para melhor degustar a comidinha e quem sabe pedir repeteco. Bom de garfo, dizia meu pai:”vá comer assim no quinto dos infernos”.


08-08-2011
 
 
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