14/07/2020 às 16h48min - Atualizada em 14/07/2020 às 16h48min

ALVORADA EM UBÁ

Tenho em meus arquivos uma narrativa que escrevi há tempos, a que dei o título de “Alvorada em Ubá”:
 
“Era o ano de 1963, não sei o dia.
 
O fato envolveu 4 personagens, amigões e moradores no mesmo hotel:
1.  - eu;
2.  - Joel Condé, de Piraúba, estudante;
3. -José Marcelo Furtadinho Sarmento, de Guarani, bancário;
4. - Mário Lúcio Guerra, de Juiz de Fora, fiscal do INSS.
 
Fomos a um bar, na saída para Tocantins, chamado “Posto das Garças”. Bebemos mais do que suportávamos principalmente o Joel Condé, contumaz consumidor de cachaça.
 
Voltávamos para casa, já amanhecendo, quando, nas imediações da rua onde ficava a escola da dona Aparecida Ciotti, nos deparamos com uma banda de música que iniciava uma alvorada festiva, quem sabe na abertura das festividades comemorativas do dia de São Januário, padroeiro da cidade de Ubá.
 
Movidos a álcool, cada um além dos limites de sua tolerância etílica, nos perfilamos apenas atrás do guia e, marchando como soldados nas paradas cívicas, desfilamos por toda Ubá. Eu bebera talvez no máximo dois uísques Old Eight, “falsificados” ou legítimos, mas como era 99% abstêmio, fiquei “no ponto”.
 
Lembro-me que, quando a banda tocou o dobrado Canção do Exército (de Carlos Gama e T.de Magalhães) cantamos sem escrúpulos a famosa letra deturpada:
 
Nós somos da pinga pura
Fiéis soldados por ela amados.
Só bebo do meio para cima,
Sou rubro-negro, mas não resisto.
 
A pinga tomamos com limão,
O arroz comemos com feijão,
Porém se a pátria amada
Precisar da macacada
Puta merda que cagada”.
 
Não estávamos prejudicando ninguém, mas a polícia foi acionada. Fomos todos para a delegacia.
 
O delegado encostou na parede o Joel Condé e estava dando a maior dura nele.
 
– Quer dizer que o senhor estava envolvido na bagunça destes pilantras?

– Quem ? Eu ? De ... hic ... jeito nenhum dotô delegado. Eu sou da paz ... hic.... da paz! 

- Então porque os policiais obrigaram o senhor vir para cá?

- Eles não obrigaram ... hic ...  não seu dotô ...   Fui eu que quis vim.

- Explique-se direito, caralho! (e o delegado deu outro safanão no Joel Condé, enquanto nós outros nos encolhemos ainda mais).

- Foi assim ...hic... Nóis tava só cantando e aí encostou o camburão... hic ...  e um polícia gritou ...  hic ...  “é cana prá  todo mundo. ”

Aí eu falei: se é cana, tô dentro, pois adoro uma caninha das boas! Bastou eu falar “tô dentro” e o polícia me botou dentro do camburão.
 
Lá pelas tantas, o dr. Delegado mandou que fôssemos para casa, prometendo represália forte se fizéssemos aquilo de novo.
 
Hoje, décadas depois, fico a meditar sobre o absurdo que fizemos. Quatro homens, de teórica responsabilidade social e profissional, chamando a atenção de todas as pessoas que se dispuseram a madrugar “para ver a banda passar”.
 
À época, em Ubá eu me limitava a trabalhar no Banco Nacional e a lecionar na escola de comércio de segunda a sexta-feira, quando viajava para Leopoldina a fim de noivar. Para lá retornava apenas no domingo à tardinha (por isto, o Delegado nunca me vira, nem depois me viu e por isto nenhum constrangimento sofri nem no momento nem posteriormente).
 
Joel Condé já faleceu e, tanto antes quando após seu óbito, nunca passei por Piraúba, sem procurar a família dele, sendo que a mãe dele, dona Elisa, também já falecida, sempre demonstrou um apreço especial por mim, reiterando que me tinha como filho, tal a amizade que sempre notou existir entre o Joel e eu.
 
José Marcelo ainda continua gozando de especial estima minha e de toda minha família. Sou padrinho de seu primeiro casamento (com Imaculada Almeida) e eles são padrinhos de batismo de meu filho Nélson.
 
Mauro Lúcio “sumiu” depois que vim de Ubá para cá. Mora em Juiz de Fora.”.

 
Nelsinho, em 02 de agosto de 2010.
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