30/07/2020 às 10h18min - Atualizada em 30/07/2020 às 10h18min

AMÉRICA FUTEBOL CLUBE

América Futebol Clube, campeão carioca de 1960 (O campeão do centenário “comemora” seu cinquentenário sem título).

Recordo-me como se fosse agora. Papai conseguiu que se completasse uma ligação de Miraí para o Rio e me “determinou” comparecer ao Maracanã para representá-lo no jogo do América contra o Fluminense. Em vão argumentei que estava com o tornozelo engessado e que o Fluminense era o favorito para ganhar o campeonato de 1960, pois tinha Castilho e Telê, além de jogar pelo empate.
 
Moroso pelo gesso, como sempre sem dinheiro para táxi, mas já de posse de ingresso que ganhei do Abrahim Tebet (primo do papai), peguei o ônibus 102 (Largo do Machado/Saenz Peña) e, quase que tardiamente, consegui um lugar atrás de um dos gols.
 
Quase chorei quando o Pinheiro bateu um pênalti em cima do goleiro Ari e este não segurou firme, permitindo ao mesmo Pinheiro ajeitar a bola na coxa e, com calma absurda, chutasse de novo e fizesse um a zero para o Fluminense. Nilo empatou “de cagada”. Quando parecia que o Fluminense seria o campeão, Castilho largou a bola e estou vendo direitinho o beque Jorge disparar como um Emil Zatopeck, encher o pé e “estufar as redes”. Quem não era tricolor gritou gol e eu quase rebentei minhas cordas vocais gritando “Papai, papai, papai, papai...”.
 
Só tarde da noite, ao fim de árduas tentativas, consegui falar com o papai e este, depois de se dizer alegre com o título, me afirmou “você podia ter sido campeão se houvesse mostrado interesse em jogar no América. Quando lá treinou, você não fez força, mas se fosse no Flamengo você teria se esforçado”. E quando eu lhe disse que o ponta-esquerda Nilo fizera um gol e obrigara o Castilho a largar a bola no segundo, papai afirmou:item por item, você sempre foi melhor do que o Nilo e só perde para ele no quesito chute forte”.
 
“Coruja que não gaba o toco, pau nela e, por mais que eu salientasse meus limites, papai me achava um jogador fenomenal. Bem antes da decisão de 1960, provavelmente em 1958, quando o técnico era um húngaro, papai tanto fez que arranjou uma indicação do então presidente americano Giulite Coutinho para eu treinar no América, onde fui dispensado logo em seguida ao primeiro treino, em aventura que já narrei ao colunista esportivo Antônio Carlos Lima Iennaco, nosso querido Cai-Cai, quando comentei que “nunca jamais na história deste país um pretenso jogador utilizou uma chuteira parecendo sapato de verniz, pois, depois de caprichada engraxadela, foi lustrada incessantemente por mim e pelo amigo Heitor desde a marcação do treino até minha saída para a Rua Campos Sales”.
 
Meu colega bancário e companheiro de apartamento, o Heitor, fervoroso – fanático até – torcedor do América, se entusiasmou ao saber que eu tinha cartão do presidente do clube.
 
Como o Aroldo de Maria Carlos Torres, “dono” do time do Estrela, criado para congregar jogadores de Espera Feliz-MG residentes no Rio, vivia me elogiando na agência Catete do Nacional como ponta-esquerda e como eu estava em esplendorosa forma física, correndo sempre nas areias da Praia do Flamengo e evitando “costumeiros desgastes de energia”, Heitor chegou quase à loucura. Arranjou folga para ir ver meu treino e ainda levou uns poucos amigos para ajudar a torcer. Na véspera do teste, Heitor até quis briga, no 207, com o Roberto Rocha do Amaral e o Antônio Augusto Gonçalves, porque eles, amigões e companheiros de apartamento, se negaram a ir “torcer por mim” e ainda tripudiaram sobre minhas possibilidades.
 
Vejo-me no estádio, no Andaraí, com a garganta seca de tanta ansiedade.  Eu me recordo que alguém chegou à beira do campo, onde havia dezenas de “candidatos” e perguntou “quem tem cartão do Giulite Coutinho? ” e, quando levantei o dedo e mostrei o cartão, ele me perguntou de que eu jogava e respondi “ponta esquerda”. Repórteres me entrevistaram, fotógrafos clicaram muito em mim. Entrei no titular, no lugar do Ferreira, que compunha a famosa linha atacante Canário, Romeiro, Leônidas, João Carlos e Ferreira.
 
Comprei todos os jornais cariocas do dia seguinte e li avidamente todas as seções esportivas, mas meu nome não foi citado uma única vez.
 
Reitero que fui dispensado sem ter pegado na bola, a bola que o meia João Carlos se negou a me passar durante os 30 minutos em que fui testado. Anos depois, fiquei sabendo, pelo então colega de Banco do Brasil em Leopoldina, Dr. Mário Lúcio Pinheiro Botelho, que o f.d.p. do tal João Carlos era seu amigo muito íntimo, companheiro de apartamento e que os dois cursavam odontologia na mesma sala da mesma época.
 
Talvez por influência do tio Mário Portela e pelo fascínio que sobre todo mundo exercia o meia Zizinho, sempre fui torcedor do Flamengo, mas por isto nunca fui recriminado pelo papai, fiel torcedor americano. A propósito, comentei pessoalmente o fato com o próprio Zizinho, quando eu era vereador e ele compareceu a Leopoldina para uma homenagem municipal ao grande técnico Telê Santana.
 
O fato de papai ser torcedor do América me levou, logo que para Leopoldina cheguei a desfrutar de boas amizades com o sr. Araci César de Carvalho e com o sr. Augusto Macieira, torcedores do América “carioca” e pessoas mais idosas do que eu.
 
No auge da máquina tricolor com Rivelino e companhia, o farmacêutico e bom vizinho Romeu Fernandes Palma “virou” meu filho Nélson para o Fluminense. Eu liberei o Nélson para ser o time que quisesse, não sem afirmar repetida e quase agressivamente que apenas levaria ao Maracanã o filho que fosse Flamengo.
 
Antes de retornar à torcida rubro-negra, onde hoje está convicta e fanaticamente, o Nélson Neto me perguntou se o filho tinha que ser do time do pai e à minha resposta positiva, deixou-me atônito ao questionar com ênfase “se o filho tem que ser do time do pai, porque o senhor é Flamengo e não América, time do vô? Vi ali que haveria na família mais um advogado de bons argumentos.
 
Fato é que 50 anos se foram desde o 18.12.1960, mas até hoje, sempre que vejo o América, torço por ele (desde que não seja contra o Flamengo).  Associo sempre o América a meu queridíssimo amigo Heitor Ferreira de Carvalho, baiano que torcia loucamente pelos “diabos rubros”. E lógico que também nunca me esqueço do papai !!!
 
Então, a saudade cresce, machuca, e, mentalmente, meu coração grita saudoso “Papai, Papai, Papai”.
Em 18.12.2010
Nelsinho.
 
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