10/10/2014 às 10h31min - Atualizada em 10/10/2014 às 10h31min

LOTERIA ESPORTIVA 2

Sem jamais olhar, mesmo que apenas de esguelha, para o teclado da máquina, o Osmar, colega bancário, era insuperável ao somar enorme quantidade de documentos Fazia-o com velocidade superior ao décuplo de qualquer colega, isto com a maior naturalidade, sem ânsia de exibicionismo, eis que ele era a simplicidade personificada.

A expressão loteria esportiva me remete a ele, meu vizinho e amigo. Com nitidez, revejo mentalmente a figura sóbria e simpática do Osmar Furtado de Mendonça.

Salvo difícil engano, era o início da década de 1980.

Na ocasião, a Loteria Esportiva era a coqueluche nacional, não existindo ainda a mega-sena e outras jogatinas hoje exploradas por órgãos federais. Isto mesmo, “exploradas” e sem qualquer intenção de melhoria no sistema, nem mesmo a de exigir que, num procedimento simples, porém muito eficaz, se anote o número do CPF do jogador para que, se ele perder seu volante, possa receber sem transtornos seu prêmio.

Se o CPF constasse do volante, o Maurício Kubrusly, da TV Globo, não teria vindo a Leopoldina procurar quem ganhou e não recebeu os quase dois milhões de reais, pois tal pessoa, que sempre jogou os mesmos números, estaria identificada mesmo tendo jogado,  como jogou fora sem conferir, o volante premiado.

Com a mesma tranquilidade de toda a vida, caminhando menos de 100 metros, Osmar sem atropelos atravessou a rua e foi à loja do Sr. Plóbio Cortes de Paula. Ali marcou seu volante da loteria esportiva para arriscar a sorte. Ele acertou todos os palpites dos 13 jogos e ganhou sozinho o prêmio da semana.

Por ser o protótipo do boa-praça, o Osmar, ao se tornar vitorioso, em ninguém causou inveja; pelo contrário, fez felizes todos que o rodeavam.

Ordem hierárquica superior fez-me procurar o Osmar para tentar que ele aplicasse no Banco do Brasil a alta soma ganha. Mesmo argumentando que o Osmar era funcionário do Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais, não consegui me desvencilhar da inglória tarefa, cujo resultado foi por mim antevisto e anunciado.

Sem adiantar o assunto, telefonei ao Osmar e, no horário por ele escolhido, fui a sua casa. Estranhei o considerável número de pessoas na calçada e pensei que até algo diferente pudesse estar acontecendo.  Perguntei a alguém o porquê da aglomeração e ouvi apenas: “tem muito curioso, mas também tem gente para conversar com o Osmar, pois é garantido que ele já botou a mão na grana toda”.

 Tranquilo, passei a achar engraçado o cenário seguinte, pois também estava apinhada de gente a escada que levava a sua residência, no segundo andar do prédio da Rua das Flores, número 186. Neste endereço ainda mora seu filho Luiz Amaro, que tem, no térreo, um minimercado de bom estoque e melhor atendimento.

Pensei em retornar a minha casa e me justificar com o Osmar e pedir para ele marcar outro local, em horário menos concorrido, para conversarmos.  Alguém, porém, me convidou, “furei fila” e ultrapassei os humanos obstáculos que, de tantos, acabavam por transformar o local numa divertida comédia.

Quando entrei na sala de visitas, o ímpeto de “bater em retirada” foi imenso, facilmente imaginável por quem tenha alguma criatividade. Se na curta escada havia apenas uma pessoa em cada degrau, na acanhada sala de visitas não havia praticamente como alguém se mexer, pois era muita gente que nela se acotovelava.

De conversa em conversa, fiquei sabendo os variados motivos das presenças: propor sociedade comercial, sugerir transação imobiliária, pedir dinheiro emprestado e até solicitar doações.

 No sofá de dois lugares da sala de visitas, o Osmar atenciosamente se assentou comigo. Expus-lhe as razões de minha presença e ele, com a esmerada educação que lhe era peculiar, justificou-se, pediu-me desculpas e habilmente disse não à minha proposta.

Sem qualquer aborrecimento porque eu entendera de sobra as justas razões do Osmar para deixar seu dinheiro aplicado no Banco em que trabalhava, eu me preparava para sair e dar oportunidade de outros apresentarem suas propostas, quando ocorreu o imprevisto: a bela jovem Neli, uma das filhas dele, entreabriu a florida cortina de pano opaco fixada no portal que separava a sala de visitas do corpo da casa e, sorrindo simpaticamente, disse em voz alta, permitindo que todas as pessoas que estavam na sala ouvissem: “Dr. Nelsinho, até o senhor veio aqui pedir dinheiro a meu pai! ? ! ?”.

Gargalhadas gerais !

 

 

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