14/11/2021 às 10h00min - Atualizada em 14/11/2021 às 09h49min

O racismo estrutural em Leopoldina!

Paulo Lúcio Carteirinho
Estamos aproximando do dia 20 de novembro, data em que se comemora o Dia da Consciência Negra, que recentemente virou feriado em Leopoldina. Comemorar essa data na cidade era algo que há muito tempo deveria ser feito. Vale destacar que Leopoldina foi uma das cidades mineiras que mais recebeu escravos, o que contribuiu muito para o racismo na cidade.  
 
De acordo com alguns relatos tivemos até uma espécie de apartheid por aqui. Negros não podiam frequentar o mesmo espaço que os brancos. A rua Barão de Cotegipe por exemplo um lado só podia passar branco e o outro só negro. O Clube Leopoldina, só brancos podiam freqüentar.  A praça Gama Cerqueira que era frequentada por negros sendo conhecida até hoje como Praça do Urubu.
 
Como podem ver, o racismo em Leopoldina foi muito forte e continua até  hoje. Não aquele racismo violento, agressivo, verbal, que proíbe ou impede negros de frequentar lugares, até porque, a lei não permite mais isso. Quem hoje ousar  em ser racista vai  preso.
 
O racismo escrachado   acabou, porém, ganhou novas formas, continuando a existir. Sendo o racismo estrutural, o qual   divide a sociedade entre brancos e negros sem que percebamos.  
 
Essa semana presenciei desse racismo estrutural. Foi na abertura do cerimonial da Semana Cultural Augusto dos Anjos. Um evento realizado pela prefeitura, sendo fechado, exclusivo para convidados, acredito  eu que por causa da pandemia. Mas um fato chamou minha atenção, no cartaz do evento diz: “Cerimonial  de abertura com  convidados ilustres”.


Até agora não entendi porque fui convidado, até porque, não me vejo como ilustre. Mas não vem ao caso debater isso, como fui convidado e gosto muito de cultura, mesmo não sendo ilustre, fui na inauguração, muito bem organizada por sinal. Aproveito para parabenizar a equipe da secretaria de Esporte, Cultura, Turismo, Lazer e etc, em especial Matheus Valverde, curador do Museu Augusto dos Anjos, que descobri nesse dia que é meu primo, somos bisnetos de Calizon Valverde. Deixo registrado que não estou elogiando Matheus pelo fato de ser meu primo, até porque é primo distante, tanto que nem o conhecia, fui conhecer nesse dia e não deu a mínima atenção para mim, o que é compreensível devido está apreensivo por causa do evento, ainda mais com tantas pessoas ilustres.  Espero que mais para frente a gente venha conversar  sobre essa questão familiar, pois  gostaria saber mais sobre minha família e origens.
 
O evento contou com a presença de várias pessoas. O local estava cheio, claro, todos ou quase todos, respeitando as regras sanitárias: distanciamento e uso de máscaras.  No meio de tanta gente ilustres, um fato chamou minha atenção, a ausência de negros. Não vi entre os convidados um único negro.  Deixo claro que não estou dizendo que negros não foram convidados, até porque, acho que nem se pensou nisso ao convidar as pessoas.  Eu por exemplo não fui convidado porque sou branco. Acredito que os demais convidados também não. Mas por se tratar de convidados ilustres, prevaleceu a branquitude. Aí entra o que quero abordar nesse texto: o racismo estrutural.
 
O racismo estrutural é um termo que foi criado para tratar do efeito da escravidão,  onde os negros continuam sendo  excluídos da sociedade. O interessante é que poucos percebem isso, mas se olharem com mais atenção vão perceber.  Foi o que aconteceu comigo no dia do cerimonial de inauguração. Como tenho   um olhar crítico, devido ser formado em História, ter estudado e lido muito sobre a escravidão e o racismo, toda vez que chego num lugar analiso as pessoas em minha volta e quase sempre percebo a presença do racismo estrutural.
 
Nesse evento realizado pela prefeitura estava nítido.  Como disse anteriormente, não havia um único negro entre os convidados. Na verdade, até teve a presença de negros, porém, os mesmos estavam a trabalho: um pela prefeitura e três garçons.  E mesmo se tivesse um ou mais convidados negros, como por exemplo o vereador Didi da Elétrica ter ido, mesmo assim, o racismo estrutural estaria presente, pois a maioria dos convidados seriam brancos.
 
Logo, acho que precisamos debater sobre isso. Não podemos fechar os olhos para isso.  Não tem lógica uma cidade que tem uma população de maioria negra ter um evento feito pelo setor público onde a maioria é branca.  Não estou defendendo cotas raciais para eventos, mas não posso achar normal a ausência de negros. Apesar de que tem explicação para isso, tendo em vista que o evento era para convidados ilustres,  sendo  pessoas de destaque na sociedade: prefeito, vice, juiz, vereadores,   representantes de órgãos públicos e instituições,  donos e diretores  de empresas ... os quais são na sua maioria pessoas brancas. Tendo em vista que por séculos os negros foram excluídos da sociedade, o que explica muitos deles  não terem papel de destaque e com isso não foram convidados.
 
Mesmo com as conquistas  ao longo dos anos,  como as cotas raciais, que tem como principal objetivo justamente garantir  ao negros papeis de destaque na sociedade, de modo serem vistos e reconhecidos,  assim entrando na lista de ilustres convidados, mesmo com elas, os negros ainda sofrem com o racismo estrutural, sendo excluídos da sociedade.
 
Como podem ver, mais do que nunca é necessário comemorar o dia 20 de Novembro:  Dia da Consciência Negra. Mas não podemos achar que apenas reconhecendo essa data como feriado e fazendo festividade o racismo acabará. Vamos precisar de muito mais que um dia festivo. 
 
A luta contra o racismo deve ser diária. Em casa, no trabalho, no lazer, onde devemos parar de achar graça em piadas com negros, assim como outros segmentos da sociedade. Cabe também ao setor público criar políticas públicas voltadas para o combate ao racismo, como por exemplo rever  sua lista de ilustres convidados, inserindo negros nela, de modo não repetir o que aconteceu  nesse ano,  um cerimonial só com brancos ou de grande maioria branca.
 
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