25/05/2022 às 17h22min - Atualizada em 25/05/2022 às 17h22min

Eurocentrismo leopoldinense!

Paulo Lúcio Carteirinho
Fotomontagem: Luciano Baía Meneghite
Essa semana dois fatos chamaram minha atenção em Leopoldina: a Festa do Imigrante Italiano e a aquisição da estátua da princesa Leopoldina. Dois fatos que tem relevância entre si, faz parte do que chamamos na história de eurocentrismo: valorização da cultura europeia.

Deixo claro que não tenho nada contra os italianos, até mesmo os europeus, até porque, sou descendente de europeu, bisneto de português. Meu bisavô veio para o Brasil na onda imigratória da virada do século XIX para o século XX, onde muitos vieram fugindo das guerras, das crises econômicas, mas principalmente, acreditando na promessa de uma vida boa no “Novo Mundo”.

Promessa essa que era propaganda enganosa. Quem veio para o Brasil nessa época veio para substituir os escravos africanos nas lavouras, tendo em vista o fim da escravidão. Ou seja, a ideia da imigração era continuar a exploração, sendo de outra forma, mantendo mão-de-obra barata.

Outra intenção por de trás da campanha imigratória feita pelo próprio governo era embranquecer o Brasil, visando esconder a escravidão. A vinda dos europeus fez com que os donos de fazendas e o governo não precisassem dos negros africanos, que foram abandonados a própria sorte, de forma intencional, de modo a marginalizá-los, assim não incomodariam o sistema, que na época temia ter que indenizar e ceder terras para os ex-escravos. Dessa forma, os imigrantes europeus construíram colônias e os ex-escravos favelas. E tem gente que até hoje acredita na meritocracia.   

Essa é a história da imigração no Brasil. Porém, alguns vão romantizá-la, de forma enaltecer seu povo, isso faz parte da ideia de quem queria embranquecer o Brasil. Sem perceber a gente reproduz o pensamento  eurocentrismo.

O mesmo ocorre quando o setor público resolve construir uma estátua da princesa Leopoldina. Tudo bem que ela dá nome à cidade, mas não tem ligação nenhuma com a ela.  Não passa de uma homenagem que alguém quis fazer para a família real. Quando foi feita a homenagem, a princesa  era uma criança, morreu jovem e nunca pôs os pés por aqui.

Fazer homenagem à família real faz parte do eurocentrismo, enaltecer quem nos colonizou, visando esconder os horrores da colonização: massacre dos povos nativos, escravidão dos negros, roubo das nossas riquezas... . Render homenagens a isso é o que os psicólogos chamam de Síndrome de Estocolmo: quando a pessoa é submetida a um tempo prolongado de intimidação,  passa a ter simpatia e até mesmo amor ou amizade pelo seu agressor.

Existe no campo da história uma corrente que visa romper com o eurocentrismo, sendo chamada de pós-colonialismo, que defende contar uma nova história, a partir dos relatos de quem foi colonizado (invadido).

Ao invés de ficarmos repetindo a história criada por quem nos colonizou (invadiu), deveríamos começar a contar nossa própria história. Uma vez li, não me recordo onde, a história que explica a lenda do feijão cru de outra forma. Fala que o feijão dos tropeiros não cozinhou não foi devido o cozinheiro ter caído no sono, mas sim porque os tropeiros, como medo dos nativos (índios) que dominavam o território,  não podiam manter o fogo acesso por muito tempo, de modo não serem localizados por eles, por causa disso o feijão ficou cru. 

Não sei se tal história é verdadeira, como várias outras que explicam a origem do nome Feijão Cru, mas acho que essa deveria ser adotada por nós, pois destaca que havia povos nativos na região, que foram massacrados pelos portugueses, tropeiros, bandeirantes, donos de fazendas... que até hoje tentam esconder isso da gente.

Alguns tentam vender a ideia de que o Brasil é um lugar de paz por ser miscigenado, respeita todos os povos. Nunca foi, pelo contrário, nossa história é feita com muito sangue, o que muitos tentam esconder.

Quando vamos começar a contar nossa própria história ao invés de repetir a história dos nossos dominadores? Por que insistir nesse discurso europeu, por exemplo, dizer  que Leopoldina é Athenas da Zona da Mata, uma deusa grega, europeia? Por que não ser uma deusa da mata?

Devemos fazer aquilo que os escravos africanos fizeram no período em que os católicos os obrigaram a aceitar sua religião, onde eles pegaram seus orixás (deuses de sua religião) e transformaram em santos católicos. Dessa forma, Ogum virou São Jorge, Xangô - São Pedro, Iansã – Santa Bárbara, Oxalá – Senhor do Bonfim, Exú – Santo Antônio... . Uma forma de manter viva sua religião.

Se querem uma estátua de uma princesa, por que não fazer uma estátua de uma princesa índia? Até mesmo uma estátua de Jerônima Mesquita, leopoldinense que foi uma das pioneiras da luta das mulheres no Brasil, inclusive o dia Nacional da Mulher da Mulher (30 de abril) é uma homenagem a ela, pois é a data de seu nascimento.

Temos uma história linda que precisa ser contada. Cabe ao setor público fomentar isso e não repetir uma velha história. Precisamos falar dos Puris, Coroados, Coropós... Por que não inserir no calendário festivo o Dia do Índio, com caminhadas, culinária indígena, danças, músicas? Por que não colocar na Feira da Paz uma barraca dos Puris? Volto a questionar, por que não uma estátua de uma índia?

Como dizia Nelson Rodrigues, temos que parar com esse complexo de vira-lata que acha que não tem nada de bom por aqui e que devemos recorrer a história de outros povos.
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