16/08/2022 às 16h16min - Atualizada em 16/08/2022 às 16h16min

Sonhando com a volta do “irmão do Henfil”

Dora Stephan (*)
Herbert de Souza, o “Betinho” (Divulgação - Ação da Cidadania)
Na semana passada, mas especificamente no dia 9 de agosto, fez 25 anos que o Brasil perdeu uma de suas figuras mais notáveis: o sociólogo Herbert de Souza, o “Betinho”. Dentre outros feitos, Betinho foi o principal idealizador da Ação da Cidadania contra a fome ou Campanha contra a fome, como ficou mais conhecida, lançada em 1993. Na ocasião, escrevi um artigo para o jornal Tribuna de Minas, de Juiz de Fora, intitulado “A grandeza de um gesto”, no qual eu exaltava a relevância da campanha e, como o próprio título já sugere, a grandeza de quem a concebeu.

Passados quase 30 anos em que a exitosa campanha  teve início em todo o país, contando com a adesão de instituições da sociedade civil e da população como um todo, necessitamos de alguém ou alguma instituição que relance essa campanha com forte aparato midiático, diante do cenário estarrecedor que estamos vivenciando, facilmente observável ao andarmos pelas ruas de todas as cidades brasileiras, sobretudo das metrópoles. Em 1993, quando da deflagração da campanha, de acordo com dados divulgados pela imprensa, haviam 32 milhões de brasileiros que não dispunham de alimentos suficientes para repor sua energia, dos quais 4,5 milhões se encontravam no Nordeste de país.

O Brasil possuía à época 146,8 milhões de habitantes, conforme o Censo do IBGE de 1990. A população atual do Brasil deve estar próxima a 200 milhões de habitantes, pois o último Censo, realizado em 2010, já registrava uma população de 190,7 milhões de habitantes. Embora não haja uma exatidão do número de pessoas que passam fome no Brasil, a maioria dos órgãos de imprensa trabalha com um número superior a 33 milhões de brasileiros nessa situação. E segundo esses mesmos órgãos, aqui, 152,2 milhões de pessoas convivem com algum grau de insegurança alimentar, uma nova nomenclatura que não era utilizada naquela ocasião.

No primeiro semestre deste ano, o Brasil voltou ao Mapa da Fome das Nações Unidas, cujo parâmetro é quando mais de 2,5% da população enfrentam falta crônica de alimentos. Isso no país do agronegócio, do “Agro é pop”.  Em 2014, no primeiro ano do segundo mandato da presidenta Dilma Roussef, o Brasil havia saído do Mapa da Fome, o que foi motivo de orgulho e comemoração por parte do governo da petista e de outros setores sensíveis ao problema da fome, dada a importância deste acontecimento.

Como em muitos outros aspectos sociais, voltamos à estaca zero. Retrocedemos em vários índices sociais. As políticas públicas de combate à fome praticamente inexistem. O que existem são pessoas que, de forma voluntária, se engajam de corpo e alma para tentar conter essa que é uma das principais mazelas de uma sociedade: a fome. Destacamos como um desses voluntários o Padre Júlio Lancelotti, que trabalha ardorosamente em prol da população de rua da capital paulista.

Frente a esse cenário desolador, e, em que pese sobre isso, uma desmobilização popular que beira à apatia com relação às questões sociais, políticas e econômicas do país, só nos resta sonhar com a volta do “irmão do Henfil”.  Precisamos urgentemente de uma liderança que encampe essa bandeira e coloque “a mão na massa”, relançando essa campanha, mas com muito barulho.  E para que isso aconteça, não se deveria esperar as eleições majoritárias, posto que como o próprio Betinho sentenciou, “Quem tem fome, tem pressa”.
 
(*) Jornalista e Professora da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)/Unidade Leopoldina
 
 
 
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