18/04/2014 às 12h54min - Atualizada em 18/04/2014 às 12h54min

A ESCOLINHA

A ESCOLINHA

Antônio Márcio Junqueira Lisboa
Não deve ter sido sem uma razão muito forte que os educadores de praticamente todos os países estabeleceram a idade mínima de seis anos para a entrada na escola.  Uma das mais importantes talvez seja a de que sejamos realmente livres somente do momento em que começamos a andar, até a nossa colocação numa instituição - berçário, creche, escola maternal ou jardim de infância, Desse em dia em diante, as crianças terão que obedecer a normas e regras impostas pelos adultos, sem consulta-las, porem sempre invocando que estão "fazendo o melhor para elas".   Então, adultos sábios se reuniram e concluíram que seriam bons que fossem reservados os primeiros seis anos vida, para as crianças serem livres e brincarem e se divertirem bastante, para estarem assim preparadas para enfrentar longos anos de vida, onde existiriam poucos espaços para brincar.  Mas, outros adultos passaram a achar que seis anos era muito tempo, e resolveram que elas poderiam "lucrar" muito entrando para a escola mais cedo.

  E hoje eu vejo, com tristeza, batalhões de criancinhas com dois, três, quatro anos, carregando mochilas imensas, pesadas, indo para o "trabalho escolar" para aprenderem a serem adultos mais rapidamente.  Lembro-me da minha infância feliz, quando a minha maior preocupação era brincar.  Não culpo as mães. Infelizmente, elas são obrigadas a estudar ou trabalhar, e têm que colocar seus filhos nas creches ou escolas, preferível a deixa-los em casa, às vezes apartamentos minúsculos que tolhem o movimento dos pequeninos, com babás desconhecidas, geralmente pouco instruídas e que se valem do auxílio de sua amiga - a babá eletrônica - para ajuda-las a "educar" as crianças.

  Discordar da validade das creches e pré-escolas não seria sensato nem correto. Acho que as creches e pré-escolas têm um papel a representar, mas creio que devam mudar um pouco sua orientação. Em primeiro lugar, têm a grande, imensa, responsabilidade de substituir as pessoas mais insubstituíveis que existem - as mães.  Em segundo, também importante - o lar. Em terceiro, não menos importante, definir as necessidades das crianças desde pequenas até o sexto ano de vida, período crítico, onde se formam os valores, o caráter, a personalidade.  Só para que se tenha uma ideia do grau de dificuldade do trabalho nas creches vou dar somente um exemplo: nos primeiro meses de vida a criança vai formando a imagem da figura materna, a de uma pessoa que lhe dá carinho, amor, proteção.   Essa imagem pode ser a da mãe biológica ou de uma substituta.    Na creche, as "tias" não costumam ficar sempre com as mesmas crianças, por motivos operacionais. Em outras palavras, a criança passa a ter várias "mães", várias pessoas cuidando delas, e essa imagem da mãe, que nos é tão querida, não vai se formar. Bom ou mau? Os psicólogos que respondam.  Eu tive a felicidade de ter a imagem de minha mãe guardada em meu cérebro e em meu coração.   Acredito que as creches ou pré-escolas deveriam simular as condições de um lar, bem estruturado, cheio de "filhos", cada um deles com suas necessidades e peculiaridades, que teriam que ser respeitadas, o que, por sua vez, determinariam as atividades de cada um.   Essas crianças, na fase mais crítica do desenvolvimento de sua personalidade, não deveriam ser tratadas como carneirinhos: "hora de dormir", todos deitam, mesmo que não tenham sono; "hora do recreio", e todos vão para o pátio; "hora de cortar figurinhas"; "hora de ler historinhas", "hora...".  Talvez alguns defendam esse regime, lançando mão de argumentos como a necessidade de disciplina, de limites, do bem comum, etc., onde certamente não se pensou na criatividade espontânea (não a dirigida), iniciativa, independência, atitudes que fazem parte da "marcha para a autonomia", que se aprende com vivências e não com o ensino. Sábio o ditado: o adulto não deve ensinar à criança o que ela é capaz de aprender e realizar sozinha.

   Em termos de desenvolvimento costuma-se dizer que "o que é precoce é precário".  Vamos lutar pelos seis anos de liberdade de nossas crianças, estejam elas em casa, nas creches ou nas escolinhas.

   Infelizmente, no dia-a-dia da classe média e alta, os compromissos sociais, onde não se incluem os estudos e o trabalho, estão motivando cada vez mais a envio de crianças para a creche. Não sou contra as creches, sou a favor das crianças; não sou contra as cesarianas, sou a favor do parto normal; não sou contra as mamadeiras, sou a favor da amamentação.

  Por último, as necessidades das crianças são iguais, independem de sexo, cor, condições socioeconômicas e culturais das famílias.   As crianças estruturam seus valores, sua personalidade, seu caráter, nos três primeiros anos de vida.  Nunca formaremos uma sociedade verdadeiramente justa e democrática se, desde o nascimento, as crianças aprendem que os ricos têm mais direitos do que aos pobres, haja vista que as creches dos pobres, para "famílias carentes" são as mais sentem a falta de pessoal qualificado e de recursos materiais.  As creches e as pré-escolas, responsáveis pelo desenvolvimento das crianças durante os seis primeiros anos de vida, deveriam ser estatais, atendendo indiscriminadamente a todas as crianças. Sem dúvida seria extremamente salutar se as crianças, nessa fase crítica para o desenvolvimento de sua personalidade, fossem socializadas em um ambiente onde elas aprendessem que os direitos e deveres de todas as pessoas são iguais.
Link
Tags »
Leia Também »
Comentários »