03/12/2014 às 17h17min - Atualizada em 03/12/2014 às 17h17min

ROMILDO

Nos anos cinquenta do século passado, fui surpreendido com a notícia de que meu colega ginasiano Romildo havia sido aprovado no dificílimo vestibular da Faculdade Nacional de Medicina. Fui célere à Casa do Estudante do Brasil, onde ele estava hospedado, para lhe dar os parabéns.

Rindo de "orelha a orelha", ele foi espontâneo e me disse de supetão: "dê os parabéns ao José Luiz e ao Abílio, pois eles é que foram prestar os exames me representando, usando meu cartão de inscrição com fotos deles e com  os demais dados integralmente meus”.

Sem qualquer constrangimento, foi além:

“E quem também merece aplausos é o Aurélio, pois ele, cujas habilidades intelectuais e manuais sempre foram por todos enaltecidas desde a infância, foi quem tudo planejou e preparou".

Já universitário, Romildo capturava mosquitos no apartamento onde morava e os levava quando ia a restaurantes, geralmente escolhidos pelo preço alto. Preço alto, à época, pelo menos teoricamente, era sinônimo  de  local luxuoso e cardápio sofisticado.

Quase ao fim da refeição, jogava os mosquitos no prato. Chamava  o garçom e, simulando muita raiva, reclamava espalhafatosamente. O garçom  se socorria com o gerente e o "epílogo final" era sempre o mesmo: Romildo era dispensado do pagamento de conta e ainda, como indenização, recebia convite para outra refeição, sendo-lhe facultado levar uma companhia. Ele levava a namorada Telma.

Sempre se deu bem, mas não sei se teria sucesso agora, no mais graúdo vestibular brasileiro, o  popular ENEM, no qual, ao que parece, a fiscalização está bem rigorosa.

Atualmente, vez ou outra, de tão severa a fiscalização, houve extrapolação do dever de um encarregado! Li que faltava um minutinho (60 segundos) para o fechamento do portão de entrada e uma candidata, na calçada fronteira, suplicou desesperadamente "espere-me, pelo amor de Deus”, e o porteiro, monstro de maldade ou rei da insensibilidade, bateu-lhe o portão na cara, mesmo tendo visto a mocinha, sob risco de morte, atravessar aos gritos a rua, enquanto  enfrentava o enlouquecido trânsito carioca.

Sem culpa da equipe de fiscalização, mas com total falha do setor de organização, pior ocorreu com a candidata que, ao perceber que seu local de exame, sem correta divulgação prévia, havia sido alterado, saiu correndo, a pé, rumo ao novo local e conseguiu chegar a tempo. Coitadinha, correu mais do que lhe permitia sua precária condição física e caiu morta logo após adentrar o recinto.

Romildo era tido e havido como “bem burrinho". Rei da cola, foi vazando ano  a ano no ginasial e no científico.  Romildo se aborreceu quando alguém lhe disse que ele procederia melhor se estudasse durante o tempo usado para preparar as “sanfonas" com as colas e para decorar em que bolso ficava cada uma delas. De trapaça em trapaça, chegou ao vestibular.

Seus amigos mais chegados, José Luiz, Abílio e Aurélio, de nível intelectual superior, se reuniram e organizaram um simulado para bem aquilatar os conhecimentos de Romildo.

Tiveram o dissabor de ver o amigo escrever: 

“A devassa da Inconfidência Mineira foi Marília de Dirceu, a amante de Tiradentes.” 
 “Os Estados Unidos tem mais de 100.000 km de estradas de ferro asfaltadas.” 
 “Os índios sacrificavam os filhos que nasciam mortos, matando todos assim que nasciam.”. 

Decidiram, então, que algo diferente deveria ser feito para o amigão “passar no vestibular”.

           Foi um despropósito, mas Romildo fez seu curso de Medicina, formou-se sem ser reprovado um ano sequer. Ele e seus comparsas na fraude no  vestibular progrediram social e financeiramente.

Fui visitar o Romildo quando ele já estava casado. Telma, sua esposa, se queixou “ele agora está sovina. Quando universitário, me levava esporadicamente a bons restaurantes. Agora só me leva à Missa, assim mesmo porque é de graça”.

Não acompanhei a atividade profissional de Romildo,  mas ouso imaginar que seus clientes não foram bem medicados.

Há de haver muitos "Romildos" por este Brasil sem que ninguém possa sequer sonhar como conseguiram um diploma para exercer suas profissões.

Enquanto isso, o povo que se dane !!!

 

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