14/12/2014 às 11h57min - Atualizada em 14/12/2014 às 11h57min

Indigência cultural

As pesquisas e as evidências comprovam que o turismo está estreitamente vinculado com a experiência das pessoas com o lugar. Os atrativos turísticos são os motivadores das visitas que disseminam as  boas experiências vividas no local visitado.Estas experiências positivas estão principalmente relacionadas com a proteção e criação de identidades culturais através de seus patrimônios materiais e imateriais ou tangíveis e intangíveis, vitais para o ser humano.Neste sentido está mais do que comprovado de que a arquitetura através de seus monumentos isolados ou mesmo singelos conjuntos urbanos, harmônicos e históricos é um fator tão importante quanto o atrativo natural,ou seja a paisagem urbana histórica é tão importante quanto a paisagem da natureza.

Eu falo isso com minha cada vez maior  indignação com a indigência cultural dos últimos governantes de Leopoldina e a cumplicidade de sua população com a sistemática destruição de um dos seus principais atrativos turísticos que é seu patrimônio arquitetônico do início do sec. XX e de sua arborização das ruas, que lhe deram uma bela e agradável identidade.

A bola da vez agora é uma tradicionalíssima loja dos “turcos”,como eram chamados então nossos queridos imigrantes árabes do então império otomano, que completou mais de um século.Já havia ficado indignado com outra bela casa ao lado, também dos “turcos”, também de singela mas excelente arquitetura, substituída por um galpão de quinta categoria , para ser mais um ponto do comércio.

Há questão de um ano, quando fotografava este hediondo galpão  observei  que haviam mutilado a linda platibanda da loja em questão, apagando os delicados detalhes e a data, bem ao gosto da época. Já sacava que era uma artimanha de a desqualificar, enfear o prédio para depois, mais à frente, quando todos na roda viva houvessem esquecidos daquela   pequena jóia que  lhe dava sensação de pertencimento de uma história, de um lugar, de longevidade, pudesse então pô-lo impiedosamente abaixo. E em troca de quê? De mais um prédio, novo, descolado do ambiente histórico, enraizado e para um comércio do grande capital que concorrerá com o já exaurido comércio da cidade, pondo em risco os pequenos comércios, inclusive os que usam os prédios tradicionais por eles destruídos. Cadê o Conselho do Patrimônio  histórico, artístico, cultural da cidade que até agora não deu um pio. Cadê os grupos mais esclarecidos, mais mobilizados. Aliás fiquei feliz com a mobilização para salvar um praça, um lugar público, mas deviam também canalizar o esforço para salvar o que sobra de construções históricas da cidade.

Para se ter idéia a que ponto chegou a indigência e inépcia cultural, educacional  e omissão dos cidadão esclarecidos, Piacatuba e sua arquitetura  motivo principal do sucesso de seus festivais sequer é tombada, não está em qualquer lista do nosso principal órgão estadual  deste patrimônio o IEPHA, muito menos, pasmem, a preciosidade maior de toda região a belíssima igreja N.S. da Piedade, obra sesquicentenária, de grande valor arquitetônico  e belíssimos entalhes do espanhol Flor Bueno, nosso arquiteto e entalhador da época, remanescentes da mais legítima escola colonial mineira.

Temos o absurdo de um único patrimônio arquitetônico tombado da cidade, que é o Colégio Estadual Prof. Botelho Reis, muito justo mas que foi muito internamente mutilado e seus equipamentos de época, sumidos. Enquanto isso, mais uma vez, Cataguases, além de ser alvo de várias caravanas para visitarem uma linda e bucólica cidade interiorana, arborizada, terra de Rosário Fusco e onde começou a carreira de cineasta ícone do Brasil, Humberto Mauro  e que preserva em sua maior parte o belo legado arquitetônico  antigo e da arquitetura moderna é e é por isso,mais uma vez, escolhido como locação de um filme recente, de sucesso, “O Menino e o espelho”, obra infanto  juvenil, baseado num conto  Fernando Sabino ambientado em  meados do século passado. É com muita inveja que vi longas e diversas tomadas  em diversos e lindos ambientes da cidade vizinha e até várias de Miraí, enquanto, para nosso consolo, só uma tomada rápida do Ginásio. Confesso que fiquei constrangido e triste explicar porque para meu filho de oito anos, assíduo freqüentador de Leopoldina.

O mais grave é que não se trata apenas deste singelo, adequado e histórico prédio da cidade, outra mutilação contra o patrimônio arquitetônico está sendo feita contra ao antigo prédio da Ford, um belíssimo exemplo da arquitetura décor, meados século XX, mutilando-o totalmente e construindo uma imensa estrutura que absurdamente vai até na testada da estreita calçada numa ocupação urbana  desproporcional e nova ao contrário da anterior. Que legislação é esta que permite absurdos tão extemporâneos e de uma violenta especulação imobiliária? Enfim, que legislação ou falta dela que não protege nosso tesouro que pode atrair visitantes que queiram não só o comércio, como em Muriaé, que de tão mutilada, enfeada, desprotegida, todos visitantes que ali vão para compras de sua potente indústria de roupas, após as compras vão todos para a vizinha e bucólica Raposos, curtir, gozar a vida num lugar bonito e prazeroso. É assim que se dissemina, o saber, o prazer.

Eduardo Fajardo Soares-Arquiteto e Urbanista da UFMG,presidente do Sindicato dos Arquiteto/MG,vice presidente da Federação Nacional dos Arquitetos,Especialista e Mestrando em Patrimônio Sustentável .

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