26/12/2014 às 15h23min - Atualizada em 26/12/2014 às 15h23min

Amargos Ministérios

Como alguém que fez campanha para Dilma Rousseff, sinto-me à vontade na crítica e com a obrigação de me posicionar nesse momento.

Em outubro desse ano, fiz um texto que publiquei em uma das minhas redes sociais, declarando meu voto em Dilma, porém deixando explícito que não esperava grandes transformações no próximo governo, dado o nosso conservador sistema político. Todavia, a conjuntura me levava a crer numa possibilidade de uma maior guinada em direção às bandeiras populares no futuro mandato, tendo em vista o quadro das manifestações de 2013, o veto a Aécio Neves e ao projeto neoliberal e o crescente apoio popular dado a Dilma, nas ruas,  no momento do segundo turno da eleição. Isso para não falar nos quase 8 milhões de votos que dizem “sim” a uma Constituinte Exclusiva e Soberana para a Reforma do Sistema Político entregues à presidente pelos movimentos social, sindical e popular – proposta colocada na agenda política pela própria Dilma Rousseff, como resposta às jornadas de junho/julho, ainda em 2013.   

Nesse momento, imaginar ao menos uma sinalização aos setores populares advinda de uma figura política apoiada sobre uma organização com a história do Partido dos Trabalhadores, não é nada mirabolante. O que não passava pela minha cabeça, é óbvio,  era a possibilidade de um ministério tão hesitante como esse – para ser bastante elogioso no adjetivo.

O que Dilma fez no anúncio de ontem foi terminar de embrulhar e entregar uma grande “banana” de Natal a aqueles que a elegeram em outubro. “Ah, mas é o presidencialismo de coalizão...”, muitos dirão. Tudo bem, volto a repetir, eu não esperava muita coisa. Mas nesse caso, esse argumento pode explicar, porém nem de longe, justificar o que vimos.  

Os nomes escolhidos procuraram evidentemente agradar aliados, e ao que parece surpreender a oposição, mas terminaram não só por decepcionar como também por afrontar a militância que a elegeu.  Muitas indicações são representativas dessa afirmação que faço, fico aqui com quatro, para ser o mais breve possível no texto.

A primeira delas, Kátia Abreu (PMDB) para o Ministério da Agricultura. Pode-se argumentar: “ao PMDB não podemos negar ministérios”. Claro, o governo federal não se sustentaria sem o apoio do atual partido símbolo do clientelismo brasileiro, que hoje controla 66 cadeiras da câmara federal. Todavia, Kátia Abreu, ex-DEM e ex-presidente da CNA, acusada de envolvimento com o trabalho escravo, traz consigo todo o ranço do enfrentamento que fez e faz ao movimento camponês. Movimento este que teve grande importância na reeleição de Dilma, diante da aproximação ainda mais promíscua com o agronegócio anunciada por Aécio Neves. Promovendo ao primeiro escalão uma de suas maiores adversárias, Dilma ignorou os apelos do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, entre outros.

O segundo, Cid Gomes (PROS) para o Ministério da Educação. Pode-se dizer: mas Cid Gomes enfrentou o PSB, mantendo-se fiel à aliança com o PT. Contudo, mais do que retribuição ao apoio político do ex-governador do Ceará (triste maneira de se pensar a política), sua nomeação representa um desprezo aos professores e uma incongruência em relação à própria política nacional do PT de valorização dos salários da categoria. Gomes, quando governador do Ceará, junto com outros quatro governadores apelou ao STF pela inconstitucionalidade da Lei Nacional do Piso Salarial dos professores, além de declarar que estes profissionais deveriam trabalhar por amor na rede pública. Na época, a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti criticou veementemente a postura deste e dos outros quatro governadores.

Terceiro, Gilberto Kassab (PSD) para o Ministério das Cidades. Imediatamente nos é alertado: “Gilberto Kassab, ex-DEM, é presidente e líder absoluto do PSD, a quarta maior bancada do Congresso, atrás do PT, PSDB e PMDB”.   Ora, o ex-prefeito de São Paulo é lembrado pelo movimento popular pela sua truculência e autoritarismo, bem como por representar os interesses do mercado imobiliário, das empreiteiras e por engavetar o Plano Diretor de São Paulo.  Como lembrou uma das principais lideranças do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Guilherme Boulos, na Folha de São Paulo, a indicação desta figura para este cargo significa, sobretudo, provocar o movimento popular urbano. Digo mais, vai na contramão do que o prefeito, pelo PT, Fernando Haddad, vem tentando construir em seu isolado governo na cidade de São Paulo. 

Por último George Hilton (PRB) para o ministério dos Esportes. Com as Olimpíadas na porta, Dilma relegou ao Ministério dos Esportes a posição de latrina do seu governo. Para quem não lembra, George Hilton, foi expulso do PFL (Partido da Frente Liberal, filhote do partido governista da ditadura civil-militar, ARENA, e  que deu origem a outros dois filhotes, o DEM e o PSD) em 2007, quando era deputado estadual, ao ser flagrado no aeroporto de Belo Horizonte com uma quantia de aproximadamente 600 mil reais, em dinheiro e cheques em 11 caixas de papelão,  que seriam doações de fiéis à Igreja Universal do Reino de Deus. Uma indicação que, no mínimo, desrespeita a todos aqueles que lutam para salvar o PT da pecha de partido essencialmente corrupto, que insistem construir todos os adversários.

No governo de coalizão é importante o apoio dos partidos aliados, porém o povo não pode ser ignorado dessa maneira. Ao menos, não era isso que esperavam os milhares de militantes que foram às ruas defender mais um governo do PT.

Das duas uma, ou o centralismo que tanto se aventa a respeito da personalidade de Dilma Rousseff a cegou, ou eu não entendi nada de sua mirabolante estratégia para se manter no poder governando. Mesmo que eu me esforce para entender, não consigo concordar.

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