30/04/2014 às 10h10min - Atualizada em 30/04/2014 às 10h10min

UM CAMINHO DO POVOAMENTO

UM CAMINHO DO POVOAMENTO

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Na década de 1960, uma criança leopoldinense se viu envolvida por um turbilhão de perguntas, logo após o lançamento do livro Os Almeidas, os Britos e os Netos em Leopoldina, de Mauro de Almeida Pereira. Se o autor não fosse parente, talvez ela só tomasse conhecimento da obra bem mais tarde. Mas além dos laços de sangue, aquele senhor gentil dava atenção a todos que se interessassem pela história de Leopoldina e de sua gente. Entretanto, as respostas que a menina buscava ainda não tinham sido construídas. Sendo assim, com o incentivo daquele parente, começou o longo caminho para satisfazer sua curiosidade.

Hoje eu vou abordar uma das perguntas que povoaram a minha imaginação: como aquelas pessoas identificadas pelo Mauro chegaram ao Feijão Cru, um riacho perdido no meio de uma floresta habitada por índios?

Para começar, vamos nos localizar no espaço territorial.




Para compreender como as pessoas se movimentavam numa determinada época, duas atitudes são fundamentais. Em primeiro lugar, é preciso viajarmos pelo tempo através da leitura para entendermos a linguagem, as práticas cotidianas, as atividades econômicas, enfim, o modo de vida do período que pretendemos estudar. Tecnicamente é procurar contornar os riscos do anacronismo, ou seja, evitar olhar o passado com os olhos do presente. Neste processo vamos vencendo a segunda exigência: conhecer com alguma profundidade as modificações produzidas ao longo do tempo no espaço geográfico e as práticas sociais dos seres humanos que por ali viveram. Neste processo, descobrimos que os viajantes da época tinham os cursos d’água como indicadores e eventualmente como via de trânsito. No nosso caso, temos três importantes rios a guiarem nossas buscas.



Caminhando em direção ao passado, depois de consultar a documentação relativa ao Feijão Cru produzida entre 1830 e 1850, além de literatura sobre a nossa regiãofomos em busca do que houvesse a respeito de dois personagens que teriam passado por aqui no final do século XVIII.

As primeiras referências vieram de estudos genealógicos sobre Pedro Afonso Galvão de São Martinho e Joaquim José da Silva Xavier. O segundo é bastante conhecido na história de Minas Gerais e além de ter atuado sob as ordens de São Martinho, dois de seus sobrinhos e respectivas esposas obtiveram sesmarias em território que já pertenceu ao município de Leopoldina. Quanto ao sargento mor Galvão de São Martinho, entre seus descendentes estão os Monteiro de Barros que obtiveram expressivo número de sesmarias em terras onde se formou o Curato do Feijão Cru.

Tiradentes e São Martinho vinculam-se a outro personagem conhecido da história regional: o Mão de Luva, chefe de um grupo de mineradores que escapava da pesada tributação extraviando ouro por trilhas não fiscalizadas. Para compreender o vínculo deste terceiro personagem foi necessário aproximar-se da história do município fluminense de Cantagalo.

Do lado mineiro, foi realizada uma análise das Cartas de Sesmarias concedidas a partir da primeira diligência de São Martinho pelos Sertões do Leste, em 1784. Inicialmente foram selecionadas quinhentas e quinze concessões efetuadas entre 1790 e 1821, das quais duzentas e vinte seis fazem referência a acidentes geográficos ou a moradores da nossa região, sendo que em trinta e oito delas é citado o Caminho do Cantagalo.

Importante também foi a correspondência entre São Martinho e o governador Luiz da Cunha Menezes e a deste com seus superiores hierárquicos, que permitiram completar a identificação dos seguintes pontos limítrofes da região fiscalizada entre 1784 e 1786: começando pelo Caminho Novo nas proximidades das nascentes do Rio Novo, por sua margem direita indo até a foz no Rio Pomba, daí seguindo também pela margem direita até encontrar o Paraíba do Sul, que, além de ter sido atravessado pelos militares que se dirigiram ao Descoberto do Cantagalo, teve também fiscalizada a sua margem esquerda subindo ao encontro do ponto em que ele recebe o Rio Paraibuna.

Considerando que as nascentes do Rio Novo se encontram na Represa do Pinho, atualmente território do município de Santos Dumont, e que a área identificada vai terminar na foz do Rio Paraibuna, temos aí dois pontos de ligação com o Caminho Novo conforme pode ser observado na figura a seguir.




Não foi possível estabelecer rigidamente o percurso do Caminho do Cantagalo. Seu provável início estaria em Barbacena, tendo sido mencionado no Diário de Langsdorff, na viagem realizada em 1824. Este autor foi importante para o estudo especialmente por ter declarado que o trecho entre Barbacena e Mercês do Pomba era quase desabitado na primeira década do século XIX, tendo sido ocupado nos anos seguintes por fazendeiros que logo depois vendiam suas posses e migravam para a margem esquerda do Rio Paraíba do Sul. O relato do viajante identifica famílias que ele visitou e que se transferiram para a região do Caminho do Cantagalo, onde continuaram com suas atividades agrícolas e criação de suínos.

O trânsito pela região onde estiveram as tropas comandadas por São Martinho foi também mencionado por ClélioErthal na obra Cantagalo: da miragem do ouro ao esplendor do café. Segundo este autor, “depois que São Martinho abriu o caminho da Mata nos sertões de Leste, o tráfico ilegal por ali se intensificou bastante, dele participando ostensivamente até militares e civis ligados ao governo de Minas”.

Acrescente-se que a trajetória de familiares de Tiradentes e Galvão de São Martinho indica que eles requereram sesmarias em locais conhecidos pelas tropas e, provavelmente, onde havia se instalado algum tipo de comércio de suprimentos para atender aos que por ali passavam.É o que se depreende das observações de Erthal sobre o transporte de mercadorias que, vindo de Minas, atravessava Cantagalo em direção ao Porto das Caixas, na antiga Vila de Santo Antônio de Sá, local onde atualmente está sendo construído o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ.

Conforme aprendi ao longo dos estudos até aqui realizados, 35% das moradias do Feijão Cru em 1831 eram chefiadas por “forros” que, por falta de sobrenome, não me permitiram identificá-los e, consequentemente, descobrir de onde e como vieram. Outras 3% pertenciam a moradores procedentes da então Comarca de Vila Rica. As demais 63% propriedades abrigavam pessoas que vieram do centro da Comarca do Rio das Mortes, ou seja, de São João del Rei e Barbacena, com destaque para a região da Serra da Ibitipoca. E o caminho para atingir os Sertões do Leste, naqueles primeiros anos oitocentos, era chegar até a Borda do Campo, hoje Barbacena, e dali descer a serra acompanhado os rios Novo e Pomba.

Estes números podem mudar se conseguirmos identificar os moradores desconhecidos até o momento. Por esta razão, o título deste trabalho é Um Caminho do Povoamento e não O Caminho do Povoamento. Continuemos as pesquisas!










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