29/10/2015 às 13h38min - Atualizada em 29/10/2015 às 13h38min

A resistência poética contra os opressores políticos do regime militar: Chico Buarque de Holanda

Encerrando a série de artigos  sobre Chico  Buarque  de  Holanda ,   o  CANTINHO  MUSICAL  vai  explorar  as canções  cujo tema  versará  sobre uma resistência poética , completando os três eixos semânticos , na demonstração de Chico  :  “  O  POLÍTICO  “ .

         “   HOJE  VOCÊ  É  QUEM  MANDA  , FALOU  TÁ  FALADO .....  “  este era o lema de uma ditadura, durante o regime  militar , instaurado  no  Brasil  ,  no ano de  1964 . Esse  período  ditatorial  e  vigilante policiava , com muita força ,  os contrários  às suas convicções políticas .  Foi diante desse cenário  que os artistas  da  música  se uniram para construir canções  com discursos  poéticos ,  recheados  de  metáforas   e ambiguidades, contestando a opressão .  Tal  movimento  de  resistência teve  em  CHICO  BUARQUE  DE  HOLANDA  o exponencial  das críticas políticas  , driblando  a censura  rígida dos  militares .  Os censores da ditadura  convocam  Chico , para inquirir  sobre os sentidos da música  “  APESAR  DE  VOCÊ  “ . Contam que no DOPS  um  general disse  para Chico que a música tinha dois sentidos e , ele respondeu : _ General , só há um ! Então o general  perguntou : Qual ? E Chico respondeu : O senhor não achou dois ? Escolha  um !!! E aí a canção passou ser símbolo da  resistência . 

  [  “ / Hoje você é quem manda / Falou , tá falado / Não tem  discussão / A minha gente hoje anda/ Falando  de lado /  E  olhando pro chão / Você que inventou esse estado / Inventou de inventar / Toda escuridão / Você que inventou o pecado / Esqueceu-se de inventa / O perdão / Apesar de você / Amanhã há de ser / Outro dia / Eu pergunto a você / Onde vai se esconder / Da enorme euforia / Como vai proibir / Quando o galo insistir / Em cantar / Água nova brotando / E a gente se amando / 

Sem parar / Quando chegar o momento / Esse meu sofrimento / Vou cobrar com juro , juro / Todo esse amor reprimido / Esse grito contido / Esse samba no escuro / Você que inventou a tristeza / Ora , tenha a fineza / De desinventar / Você vai pagar e é dobrado / Cada lágrima rolada / Nesse meu penar / Apesar de você / Amanhã há de ser / Outro dia / Inda pago pra ver / O jardim florescer / Qual você não queria / Você vai se amargar / Vendo o dia raiar / Sem lhe pedir licença / E eu vou morrer de rir / Que esse dia há de vir / Antes que você pensa / Apesar de você / Amanhã há de ser / Outro dia / Você vai ter que ver / A manhã renascer / E esbanjar poesia / Como vai se explicar / Vendo o céu clarear / De repente , impunemente / Como vai abafar / Nosso coro a cantar / Na sua frente / Apesar de você / Amanhã há de ser / outro dia / Você vai se dar mal / Etc. e tal / Larará, larará/ . “  ]  . 

Chico não podia compor nada que  já estavam de olho para censurar .  Foi aí  que  ,  burlando a vigilância militar , criou o pseudônimo  de JULINHO  DA  ADELAIDE , produzindo  uma  canção que denunciava a barbárie dos ditadores .   “   ACORDA  ,  AMOR  “ 

  [ “ / Acorda , amor / Eu tive um pesadelo agora / Sonhei que tinha gente lá fora / Batendo no portão , que aflição / Era a dura , numa muito escura viatura / Minha nossa santa criatura / Chame , chame , chame, Lá / Chame , chame o ladrão , chame o ladrão / Acorde , amor / Não é mais pesadelo nada / Tem gente já no vão da escada / Fazendo confusão , que aflição / São os homens / E eu aqui parado de pijama / Eu não gosto de passar vexame / Chame , chame , chame / Chame o ladrão

, chame o ladrão / Se eu demorar uns meses / Convém , às vezes , você sofrer / Mas depois de um ano eu não vindo / Ponha a roupa de domingo / E pode me esquecer / Acorda , amor / Que o  bicho e brabo e não sossega / Se você corre , o bicho pega / Se fica , não sei não / Atenção ! / Não demora , dia desses chega sua hora / Não discuta à toa , não reclame / Chame , chame lá , chame , chame / Chame o ladrão , chame o ladrão , chame o ladrão / ( Não esqueça a escova , o sabonete e o violão ). / “ ]  .  

CHICO BUARQUE  e  GILBERTO  GIL  ,  dois gênios da MÚSICA  POPULAR  BRASILEIRA  , compuseram , narrando poeticamente , o drama da tortura no Brasil pela ditadura militar . A música é um panfleto que expressa distância dos sofrimentos da população aterrorizada com o regime autoritário  . Através de uma inteligente manobra com as palavras  ,  a dupla utiliza , semanticamente , e com muita habilidade , duas leitura de um mesmo vocábulo fonológico . Um com sentido imperativo :  CALE-SE ;  o  outro , rótulo de um objeto sagrado  “   CÁLICE  “ 

  [ “ / Pai , afasta de mim esse cálice  / Pai , afasta de mim esse cálice / Pai , afasta de mim esse cálice /  De vinho tinto de sangue  ( BIS ) / Como beber dessa bebida amarga / Tragar a dor , engolir a labuta /  Mesmo calada a boca , resta o peito / Silêncio na cidade não se escuta / De que me vale ser filho da santa / Melhor seria ser filho da outra / Outra realidade menos morta / Tanta mentira, tanta força bruta / (  Pai, afasta de mim esse cálice ......... / De vinho tinto de sangue )

  / Como é difícil acordar calado / Se na calada da noite eu me dano / Quero lançar um grito desumano / Que é uma maneira de ser escutado / Esse silêncio todo me atordoa / Atordoado eu permaneço atento / Na arquibancada pra a qualquer momento / Ver emergir o monstro da lagoa / ( Pai, afasta de mim esse cálice ....... De vinho tinto de sangue ) / De muito gorda a porca já não anda / De muito usada a faca já não corta / Como é difícil , pai , abrir a porta / Essa palavra presa na garganta /  Esse pileque homérico no mundo / De que adianta ter boa vontade / Mesmo calado o peito , resta a cuca / Dos bêbados do centro da cidade /  ( Pai, afasta de mim esse cálice ......  / De vinho tinto de sangue  )  / Talvez o mundo não seja pequeno /  Nem seja a vida um fato consumado / Quero inventar o meu próprio pecada / Quero morrer do meu próprio veneno / Quero perder de vez tua cabeça / Minha cabeça perder teu juízo / Quero cheirar fumaça de óleo diesel / Me embriagar até que alguém me esqueça / . “ ]    . 

Chico  Buarque  e  Milton Nascimento  compuseram  , com muita maestria e sutileza , uma bela canção  para homenagear Zuzu  Angel , mãe de Stuart Angel , morto pela ditadura militar ,  questionando e protestando através do lamento de uma mulher guerreira ,  que , também  , foi vítima do Regime Militar ,  pelo aparecimento do corpo do filho  , chegando à angústia  do desespero e do sofrimento de alguém que carrega na raiz do seu nome a candura e a pureza de um anjo :  “    ANGÉLICA   “  . 

  [ “ / Quem é essa mulher / Que canta sempre esse estribilho ? / Só queria embalar seu filho / Que mora na escuridão do mar / Quem é essa mulher / Que canta sempre esse lamento ? / Só queria lembrar o tormento / Que fez meu filho suspirar / Quem é essa mulher / Que canta sempre esse mesmo arranjo ? / Só queria agasalhar meu anjo / E deixar seu corpo descansar / Quem é essa mulher / Que canta como dobra o sino ? / Queria cantar para o meu menino / Que ele já não pode mais cantar / . ]   .

   Para não sofrer  censura , Chico cria , na canção , duas vertentes de interpretação :  poética  e  protesto . Na referência poética , mascara com jogos metafóricos  a opressão excessiva do regime  ; em relação ao protesto , faz alusão  ao poder e à  força da  ditadura militar , cerceando  a  liberdade  como  direito  do cidadão.  A música   ,  com seu tema expresso em um movimento rotativo , é reflexo de uma constante  mudança e que se neutraliza diante de um poder ditatorial denominado  :  “    RODA   VIVA   “  

  [ “ /  Tem dias que a gente se sente / Como quem partiu ou morreu / A gente estancou de repente / Ou foi o mundo então que cresceu ... / A gente quer ter voz ativa / Em nosso destino mandar / Mas eis que chega roda viva / E carrega o destino pra lá ... / Roda mundo , roda gigante / Roda moinho , roda pião / O tempo rodou num instante / Nas voltas do meu coração ... / A gente vai contra a corrente / Até não poder resistir / Na volta do barco é que sente / O quanto deixou de cumprir / Faz tempo que a gente cultiva /

 A mais linda roseira que há / Mas eis que chega roda viva / E carrega a roseira pra lá... / Roda mundo roda gigante ....... nas  voltas do meu coração / A roda da saia mulata / Não quer mais rodar não senhor / Não posso fazer serenata / A roda do samba acabou / A gente toma a iniciativa / Viola na rua a rolar / Mas eis que chega roda viva / E carrega a viola pra lá... / Roda mundo roda gigante ....... nas voltas do meu coração  / O samba , a viola , a roseira / Que um dia a fogueira queimou / Foi tudo ilusão passageira / Que a brisa primeira levou ... / No peito a saudade cativa / Faz força pro tempo parar / Mas eis que chega roda viva / E carrega a saudade pra lá .../ Roda mundo roda gigante / Roda moinho , roda pião / o tempo rodou num instante / Nas voltas do meu coração ... /  (  4 X  ) . “ ]  .  

O teatrólogo Augusto Boal que estava exilado em Lisboa , na época do regime militar , queixava-se de que os amigos  não mandavam notícias do Brasil . Então Chico compôs uma carta-canção , saudando os amigos e descrevendo a situação no Brasil  :    “    MEU CARO AMIGO  “  .

  [ “ /  Meu caro amigo me perdoe , por favor / Se eu não lhe faço uma visita / Mas como  agora apareceu um portador / Mando notícia nessa fita / Aqui na terra estão jogando futebol / Tem muito samba , muito choro e rock’ n’ roll / Uns dias chove , noutros dias bate sol / Mas o que eu quero lhe dizer que a coisa aqui está preta / Muita mutreta pra levar a situação / Que a gente vai levando de teimoso de pirraça / E a gente vai tomando que , também , sem a cachaça / Ninguém segura esse rojão / Meu caro amigo eu não pretendo provocar / Nem atiçar sua saudade /

 Mas acontece que não posso me furtar / A lhe contar as novidade / ( Aqui na terra tão jogando futebol ....... que a coisa aqui tá preta / É pirueta pra cavar o ganha-pão / Que a gente vai cavando só de birra , só de sarro /Que a gente vai fumando que , também , sem um cigarro / Ninguém segura esse rojão / Meu caro amigo eu quis até telefonar / Mas a tarifa não tem graça / Eu ando aflito pra fazer você ficar / A par de tudo que se passa /  (  Aqui na terra tão jogando futebol ...... a coisa aqui tá preta  ) / Muita careta pra engolir a transação / E a gente tá engolindo cada sapo no caminho / E a gente vai se amando que , também , sem um carinho / Ninguém segura esse rojão / Meu caro amigo eu bem queria lhe escrever / Mas o correio andou arisco / Se me permite , vou tenta lhe remeter / Notícias frescas nesse disco /  (  Aqui na terra tão jogando futebol .........  a coisa aqui tá preta  )  / A Marieta manda um beijo para os seus / Um beijo na família , na Cecília e nas crianças / O Francis aproveita pra também mandar lembranças / A todo pessoal / Adeus ! / . “ ]  .  

Ao fim da Ditadura  Militar , com o Processo de Abertura  Política , Chico Buarque  lança uma alegoria poética em que a letra da música , metaforicamente ,  faz uma referência  ao sistema político opressivo , que atuou no Brasil a partir de 1964 , comparando a mítica simbólica  do               “ Carnaval Carioca “ com a transfiguração do poder em  liberdade .  Todo o enredo musical   desfila , esclarecendo , em uma montagem política e denunciante ,  a opressão exercida em épocas passadas  , no momento em que o bloco    “   VAI  PASSAR  “ .  

  [ “ /  Vai passar / Nessa avenida um samba / Popular / Cada paralelepípedo  / Dessa cidade / Essa noite / Vai se arrepiar / Ao lembrar / Que aqui passaram / Sambas imortais / Que aqui sangraram pelos / Nossos pés / Que aqui sambaram / Nossos ancestrais  / Num tempo / Página infeliz da nossa / História / Passagem desbotada na /  Memória / Das nossas novas / Gerações / Dormia / A nossa pátria mãe tão / Distraída / Sem perceber que era / Subtraída / Em tenebrosas / Transações /  Seus filhos / Erravam cegos pelo / Continente /

 Levavam pedras feito / Penitentes / Erguendo estranhas / Catedrais / E um dia , afinal / Tinha direito a uma / Alegria fugaz / Uma ofegante epidemia / Que se chamava carnaval / O carnaval , o carnaval / Vai passar / Palmas pra ala dos / Barões famintos / O bloco dos napoleões / Retintos / E os pigmeus do bulevar / Meu Deus , vem olhar / Vem ver de perto uma / Cidade a cantar / A evolução da liberdade / Até o dia clarear / Ai , que vida boa , olerê / Ai, que vida boa , olará / O estandarte do sanatório / geral vai passar / Ai, que vida boa , olerê / Ai, que vida boa , olará / O estandarte do sanatório / Geral / Vai passar /  . “  ]   .   “  Minha terra tem palmeiras , / Onde canta o Sabiá .....  “” , “  Canção do Exílio  “ , de Gonçalves Dias , serviu de modelo para que Chico Buarque e Tom Jobim criassem uma belíssima canção , vencedora do Festival Internacional da Canção , no Rio de Janeiro , que canta a própria alma do país  que já não há  , usando uma sutileza metafórica , não percebida pelo público na época , que mascarava um protesto em relação à situação política no Brasil , tendo como símbolo  um pássaro que não canta engaiolado  :   “    SABIÁ   “ 

  [  “ /  Vou voltar / Sei que ainda vou voltar / Para o meu lugar  / Foi lá e é ainda lá / Que eu hei de ouvir cantar / Uma sabiá / Vou voltar / Sei que ainda vou voltar / Vou deitar à sombra de uma palmeira / Que já não há / Colher a flor / Que já não dá / E algum amor talvez possa espantar / As noites que eu não queria / E anunciar o dia / Vou voltar / Sei que ainda vou voltar / Não vai ser em vão / Que fiz tantos planos / De me enganar / Como fiz enganos / De me encontrar / Como fiz estradas / De me perder / Fiz de tudo e nada / De te esquecer / Vou voltar  /

 Sei que ainda vou voltar / E é pra ficar / Sei que o amor existe / Não sou mais triste / E a nova vida já vai chegar / E a solidão vai se acabar / E a solidão vai se acabar / . “ ]   .   Nas letras desta canção composta por Chico Buarque  e Milton Nascimento  , há uma especulação  , gerando  dúvidas e expressando , em forma de questionamento ,  a respeito da liberdade do pensar que está na natureza livre do ser humano , estendendo-se  , também , para aqueles  que cerceavam a liberdade de atitude , controlada , policiada e oprimida , naquela época , pelo regime militar .

A pergunta que especula , poeticamente , em toda música ,  é  : “  O  QUE  SERÁ  ? (  À  FLOR  DA  TERRA )  “ 

  [ “ /  O que será , que será ? / Que andam suspirando pelas alcovas / Que andam sussurrando em versos e trovas / Que andam combinando no breu das tocas / Que anda nas cabeças anda nas bocas / Que anda acendendo velas nos becos / Que estão falando alto pelos botecos / Que gritam nos mercados que com certeza / Está na natureza / Será que será ? / O que não tem certeza nem nunca terá / O que não tem conserto nem nunca terá / O que não tem tamanho / O que será , que será ? / Que vive nas idéias desses amantes / 

Que cantam os poetas mais delirantes / Que juram os profetas embriagados / Que está na romaria dos mutilados / Que está na fantasia dos infelizes / Que está no dia a dia das meretrizes / No plano dos bandidos dos desvalidos / Em todos os sentidos ... / Será , que será ? / O que não tem decência nem nunca terá / O que não tem censura nem nunca terá / O que não faz sentido ... / O que será , que será ? / Que todos os avisos não vão evitar / Por que todos os risos vão desafiar / Por que todos os sinos irão repicar / Por que todos os hinos irão consagrar / E todos os meninos irão desembestar / E todos os destinos irão se encontrar / E mesmo o Padre Eterno que nunca foi lá / Olhando aquele céu vai abençoar / O que não tem governo nem nunca terá / O que não tem vergonha nem nunca terá / O que não tem  juízo  ... ( 2 X ) / . “  ] .

        Foi uma grande ousadia do  “CANTINHO  MUSICAL “ achar que seria fácil fazer uma amostra das obras de Chico Buarque de Holanda , uma vez que elas são infindáveis e de um requinte maravilhoso . Mas soubemos escolher nas três vertentes propostas no início do primeiro artigo as pérolas musicais desse GÊNIO DA MÚSICA POPULAR  BRASILEIRA .

          “   A  COMPETÊNCIA  MUSICAL COM QUE  AS  EXPRESSÕES MÍTICAS BROTAM , COM MUITA FLUÊNCIA , NAS  COMPOSIÇÕES  POÉTICAS DESSE  MENESTREL  DAS  PALAVRAS ,  ATINGINDO , MARAVILHOSAMENTE , OS SENTIMENTOS DOS AMANTES  DA  BOA  MÚSICA  ,  CONFIRMA QUE ESSE PROCESSO  CRIATIVO  É  ,  TAMBÉM ,  COISA  DE  DEUS  !  “

 

Waldemar  Pedro  Antonio                e-mail  :  [email protected]

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