Nesta semana , o “
CANTINHO POÉTICO “ vai desfilar alguns poemas desse mineiro maravilhoso de Itabira do Mato Dentro ,
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE , poeta maior de nossa Literatura Brasileira . Mesmo diante de sua individualidade é respeitado e admirado como um grande criador de temas desenvolvidos em uma brilhante linguagem mítica . Suas obras têm um sentido social , um sentido “ político “ na significação mais alta da palavra .
Drummond separa sempre a sua vida particular de suas poesias e essa dissociação da personalidade não deixa de parecer estranha aos homens normais , provindo , daí , toda estranheza de seus poemas . Isto pode ser observado em toda sua produção poética .
" POEMA DE SETE FACES “ Quando nasci , um anjo torto
Desses que vivem na sombra
Disse : Vai , Carlos ! ser gauche na vida .
As casas espiam os homens
Que correm atrás de mulheres .
A tarde talvez fosse azul ,
Não houvesse tantos desejos .
O passa cheio de pernas :
Pernas brancas pretas amarelas .
Para que tanta perna , meu Deus , pergunta meu coração .
Porém meus olhos
Não perguntam nada .
O homem atrás do bigode
É sério , simples e forte .
Quase não conversa .
Tem poucos , raros amigos
O homem atrás dos óculos e do bigode .
Meu Deus , por que me abandonaste
Se sabias que eu não era Deus
Se sabias que era fraco .
Mundo mundo vasto mundo ,
Se eu me chamasse Raimundo
Seria uma rima , não seria uma solução .
Mundo mundo vasto mundo ,
Mais vasto é meu coração .
Eu não devia te dizer
Mas essa lua
Mas esse conhaque
Botam a gente comovido como diabo .
Drummond exterioriza em um poema todos os obstáculos que a vida nos prega e que são perpetuados em nossa mente durante a trajetória do nosso dia a dia :
“ NO MEIO DO CAMINHO “ No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra .
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas .
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra .
Uma pequena e simples metapoesia que retrata a inspiração poética , mas a dificulta a sua manifestação ao exteriorizar para o papel .
" POESIA" Gastei uma hora pensando um verso
Que a pena não quer escrever .
No entanto ele está cá dentro
Inquieto , vivo .
Ele está cá dentro
E não quer sair .
Mas a poesia deste momento
Inunda minha vida inteira .
Drummond , com muita consciência estilística , descreve os hábitos comportamentais de uma pacata cidade do interior , aguçando a ideia de calmaria na vida de seus habitantes .
"
CIDADEZINHA QUALQUER" Mulheres entre laranjeiras “
Casas entre bananeiras
Pomar amor cantar .
Um homem vai devagar .
Um cachorro vai devagar .
Um burro vai devagar .
Devagar ... as janelas olham .
Eta vida besta , meu Deus .
Com ares de anedota , mas caracterizando , ironicamente , um espanto absurdo de um ditador , diante de uma cena repleta de ingenuidade ,
Drummond demonstra em um simples poema a dissociação do bem e do mal .
"
ANEDOTA BÚLGARA" Era uma vez um czar naturalista
Que caçava homens .
Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e andorinhas ,
Ficou muito espantado
E achou uma barbaridade .
Em um belo sentimento bairrista ,
Drummond faz um retrospecto na memória evidenciando momentos de lembrança de sua terra natal
, ITABIRA , com muito amor e saudade .
" CONFIDÊNCIA DO ITABIRANO" Alguns anos vivi em Itabira .
Principalmente nasci em Itabira .
Por isso sou triste , orgulhoso : de ferro .
Noventa por cento de ferro nas calçadas .
Oitenta por cento de ferro nas almas .
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação .
A vontade de amar , que me paralisa o trabalho ,
Vem de Itabira , de suas noites brancas , sem mulheres e sem horizontes .
E o hábito de sofrer , que tanto me diverte ,
É doce herança itabirana .
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço :
Este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval ;
Este couro de anta , estendido no sofá da sala de visitas ;
Este orgulho , esta cabeça baixa ...
Tive ouro , tive gado , tive fazendas .
Hoje sou funcionário público .
Itabira é apenas uma fotografia na parede .
Mas como dói !!
Méier é um bairro no Rio de Janeiro que teve dois cinemas :”
Mascote” e “ Para Todos “ , um ao pé do outro , onde ofereciam filmes maravilhosos na época das salas de projeção .
Drummond pega desse fato e constrói um poema sobre indecisão .
"
INDECISÃO DO MÉIER" Teus dois cinemas , um ao pé do outro , por que não se afastam
Para não criar , todas as noites , o problema da opção
E evitar a humilde perplexidade dos moradores ?
Ambos com a melhor artista e bilheteira mais bela ,
Que tortura lançam no Méier !
Na dura percepção niilista ,
Drummond constrói um belo poema , questionando um personagem a respeito da existência que se perde no meio da sua própria vida . O Poeta vai inquirir , durante a manifestação do poema , José sobre uma solução para o fato .
"
JOSÉ" E agora , José ?
A festa acabou ,
A luz apagou ,
O povo sumiu ,
E agora , José ?
E agora , você ?
Você que é sem nome ,
Que zomba dos outros ,
Você que faz versos ,
Que ama , protesta ?
E agora , José ?
Está sem mulher ,
Está sem discurso ,
Está sem carinho ,
Já não pode beber ,
Já não pode fumar ,
Cuspir já não pode ,
A noite esfriou ,
O dia não veio ,
O bonde não veio ,
O riso não veio ,
Não veio a utopia
E tudo acabou
E tudo fugiu
E tudo mofou ,
E agora , José ?
E agora , José ?
Sua doce palavra ,
Seu instante de febre ,
Sua gula e jejum ,
Sua biblioteca ,
Sua lavra de ouro ,
Seu terno de vinho ,
Sua incoerência ,
Seu ódio __ e agora ?
Com a chave na mão
Quer abrir a porta ,
Não existe porta ;
Quer morrer no mar ,
Mas o mar secou ;
Quer ir para Minas ,
Minas não há mais ,
José , e agora ?
Se você gritasse ,
Se você gemesse ,
Se você tocasse
A valsa vienense ,
Se você dormisse ,
Se você cansasse ,
Se você morresse ...
Mas você não morre ,
Você é duro , José !
Sozinho no escuro
Qual bicho-do-mato ,
Sem teogonia ,
Sem parede nua
Para se encostar ,
Sem cavalo preto
Que fuja a galope ,
Você marcha , José !
José , para onde ?