No momento em que os alheios à história da literatura portuguesa , e idiotas da objetividade ventilam a inconsequente ideia de retirar do currículo escolar brasileiro o ensino de Literatura Portuguesa, o CANTINHO POÉTICO , nesta semana , faz homenagem ao mais imortal dos imortais das literaturas em língua portuguesa : FERNANDO PESSOA , um Poeta português . Para esta imortalidade real , confirmando a genialidade de um grande artista das palavras , citaremos o seu discurso poético que é uma inevitável mitificação como reconhecimento estético de toda sua obra . Sendo um fingidor em seu estrito sentido criativo , finge , também , com suas quatro heteronímias em que diversas característica do Poeta manifestam-se nas criações líricas de : FERNANDO PESSOA , ÁLVARO DE CAMPOS , RICARDO REIS e ALBERTO CAEIRO , reunindo , em torno dos heterônimos , todos os poemas que constituem seu acervo literário . Para demonstração de todo fingimento poético , citaremos :
AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração.
O poema "Isto" apresenta-se como uma espécie de esclarecimento em relação à questão do fingimento poético enunciada em "Autopsicografia" - não há mentira no ato de criação poética; o fingimento poético resulta da intelectualidade do "sentir" da racionalização.
“ ISTO “
Dizem que finjo ou minto Tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto Com a imaginação. Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo, O que me falha ou finda, É como que um terraço Sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio Do que não está ao pé, Livre do meu enleio, Sério do que não é. Sentir? Sinta quem lê! A expressão versificada mais popular de PESSOA está contida neste poema : “ tudo vale a pena se a alma não é pequena “ . Há nesta poesia um demonstrativo da dor profunda do povo português pelas perdas de todos que desafiaram o mar para grandes conquistas .
“ Mar Português “
Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.
Neste poema de Alberto Caeiro , em “ Guardador de Rebanho “ , através de uma comparação paradoxal , o Poeta demonstra o valor do rio Tejo , entretanto exalta , liricamente , a importância e o amor pelo rio de sua aldeia . Mesmo soando contraditório , a poesia é uma expressão de sua preferência .
Pelo Tejo Vai-se para o Mundo O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. O Tejo tem grandes navios E navega nele ainda, Para aqueles que veem em tudo o que lá não está, A memória das naus. O Tejo desce de Espanha E o Tejo entra no mar em Portugal. Toda a gente sabe isso. Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia E para onde ele vai E donde ele vem. E por isso porque pertence a menos gente, É mais livre e maior o rio da minha aldeia. Pelo Tejo vai-se para o Mundo. Para além do Tejo há a América E a fortuna daqueles que a encontram. Ninguém nunca pensou no que há para além Do rio da minha aldeia. O rio da minha aldeia não faz pensar em nada. Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
No poema de Álvaro Campos , há nitidamente uma desmoralização daqueles que se julgam perfeitos , omitindo fatos que podem ser ridicularizados . O poeta desestrutura sua própria imagem , expondo uma realidade através de declarações de seus atos que são omitidas nas pessoas comuns .
“ POEMA EM LINHA RETA “
Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo, Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que venho sido vil, literalmente vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Há , no poema seguinte, uma nítida revolta do Poeta contra tudo que é convencional, obrigatório e , posteriormente , evidencia , com muito entusiasmo e apreço , tudo que representa a simplicidade , a naturalidade e a espontaneidade no cotidiano da vida .
"Liberdade"
Ai que prazer Não cumprir um dever, Ter um livro para ler E não fazer! Ler é maçada, Estudar é nada. Sol doira Sem literatura O rio corre, bem ou mal, Sem edição original. E a brisa, essa, De tão naturalmente matinal, Como o tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta. Estudar é uma coisa em que está indistinta A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quanto há bruma, Esperar por D.Sebastião, Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças... Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca Só quando, em vez de criar, seca.
Mais que isto É Jesus Cristo, Que não sabia nada de finanças Nem consta que tivesse biblioteca...
Um poema que exterioriza uma enorme satisfação em ser avô , entretanto , ao observar a fugacidade do tempo , traz um grande sofrimento em retroceder no tempo para desfrutar com o neto de todas as brincadeiras , simbolizando sua fuga para o passado na construção de um castelo fictício . Fernando Pessoa com seu maravilhoso lirismo emotiva muito os leitores , principalmente , aqueles que têm neto como eu .
"O AVÔ E O NETO “ Ao ver o neto a brincar, Diz o avô, entristecido, «Ah, quem me dera voltar A estar assim entretido! Quem me dera o tempo quando Castelos assim fazia, E que os deixava ficando Às vezes p´ra o outro dia;
E toda a tristeza minha Era, ao acordar p´ra vê-lo, Ver que a criada já tinha Arrumado o meu castelo.»
Mas o neto não o ouve Porque está preocupado Com um engano que houve No portão para o soldado.
E, enquanto o avô cisma, e triste Lembra a infância que lá vai, Já mais uma casa existe Ou mais um castelo cai;
E o neto, olhando afinal E vendo o avô a chorar, Diz, «Caiu, mas não faz mal: Torna-se já a arranjar.»
O CANTINHO POÉTICO fez , desse gênio da Literatura Portuguesa , uma pequena demonstração do que FERNANDO PESSOA é capaz de criar , e que tenho a convicção de que esta pequena amostra deva ter sido suficiente para que leitores fascinado por poesias idolatre , por meio de suas obras , esse maravilhoso Poeta .