18/05/2014 às 17h13min - Atualizada em 18/05/2014 às 17h13min

TODOS (MENOS VOCÊ) SOMOS LADRÕES.

Só não chamo você de ladrão. No mais, todos o somos.

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Rouba quem, após a ordenha, coloca água no leite para melhorar a média junto à Cooperativa. Rouba quem recebe IPVA, imposto destinado a estradas e o usa para outra finalidade. Rouba a mãe que, para manter empinados os seios, dá leite industrializado ao filho recém-nascido.  Rouba quem recebe diárias e, ao invés de viajar, fica descansando em casa. Rouba o policial que vende produtos apreendidos em alguma diligência. Rouba quem autoriza ou determina o corte de árvores sadias. Rouba a tranquilidade alheia o bobalhão que pelas ruas transita altas horas da noite com o som em decibéis exagerados. Rouba o bacharel que escreve inverdades em sua petição. Rouba o comerciante cujo quilo em sua balança pesa menos de mil gramas. Rouba o dono de botequim que “batiza” sua aguardente.  Rouba o comerciante que não retira das prateleiras alimentos vencidos. Rouba o dono de posto que adiciona água na gasolina. Roubam os médicos que não pedem exames por terem “conchavo” com planos de saúde. Roubam os médicos que receitam remédios desnecessários apenas para de laboratórios ganharem viagens. Rouba o candidato que dá dinheiro ou vantagens em troca de votos para si. Rouba quem compra e quem vende recibos para pagar menos imposto de renda. Rouba o síndico que pede recibo maior das despesas do Condomínio. Rouba o professor que não se prepara para as aulas. Rouba o aluno que não estuda. Rouba o caixa que a deficientes ou a idosos entrega valor menor do que manda a transação. Roubam todos que não exercem eficientemente sua profissão.

Só para não gerar polêmica, é de se registrar que nenhuma das “atividades” acima é juridicamente o ato de roubar, por isto quem se enquadra em qualquer hipótese acima não está, na verdade, roubando. Quem comete qualquer dos deslizes aventados está é furtando, porque, para se fazer um roubo, na acepção da lei, tem que se praticar um ato de violência, de ameaça ou de constrangimento. Certo é que, na linguagem do dia a dia, ninguém diz que alguém está furtando, mas diz com naturalidade “está roubando”.

            O Papa Francisco “roubou a cena” há poucos dias, quando em público quis dizer caso, mas numa escorregadela de pronúncia emitiu o som da palavra “cazzo”, que em italiano não quer dizer caso, mas caralho.

            E como esta crônica fala de roubo, ou, melhormente, de furto, não posso me “furtar” de dizer que tive a ideia de escrevê-la quando o Santo Papa Francisco confessou haver praticado um furto. Inspirou-me ele ao se dizer também um pecador por haver apanhado para si a cruz do rosário que, no velório de seu confessor Padre Aristide, estava junto ao cadáver dele.

            Se o Santa Papa humildemente se disse pecador pelo que fez, também sou levado a contar que, pouquíssimos minutos depois do óbito de meu amado Monsenhor Gerardo Naves, eu, mãos trêmulas, explodindo de emoção, sem remorsos, faces molhadas de lágrimas sentidas, sem considerar tal atitude um ato imoral, peguei de suas mãos, ainda não gélidas, o crucifixo que nelas havia, de metal barato, mas para mim joia de enorme valor sentimental.  

            Tal crucifixo “roubado”, que numa pochete passei a carregar cotidianamente como se fosse um amuleto sagrado, me foi levado por um gatuno não identificado, juntamente com um idêntico que eu ganhara ao fazer o 8º Cursilho de Leopoldina. De princípio, indignei-me com tamanha insensatez, mas passei a aceitá-la resignadamente quando, em confissão simbólica com o Naves, dele ouvi, sob suas características gargalhadas, a sentença definitiva “bem, feito, quem rouba ladrão tem 100 anos de perdão”.

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