RAIMUNDO CORREIA (Raimundo da Mota de Azevedo Correia), magistrado, professor, diplomata e poeta, nasceu em 13 de maio de 1859, a bordo do navio brasileiro São Luís, ancorado na Baía de Mogúncia, MA, e faleceu em Paris, França, em 13 de setembro de 1911. Estreou na literatura em 1879, com o volume de poesias Primeiros sonhos , revelando forte influência dos poetas românticos . Algumas características do Poeta estão estampadas em seus poemas como : obediência formal , cultura clássica , exaltação à natureza ,visão negativa do mundo , pessimismo com tom filosófico e desilusão diante da vida . Apesar de ser caracterizado como poeta parnasiano , boa parte de seus poemas expressa características da poesia simbolista , o que alimenta a posição de alguns críticos literários . Faremos , a partir de agora , uma pequena apresentação dos poema de RAIMUNDO CORREIA , fruto de uma triagem em sua vasta galeria poética . Iniciaremos com um dos mais conhecidos sonetos da língua portuguesa , ‘ AS POMBAS “ , poema que lhe valeu o epíteto de “O Poeta das Pombas" , que ele tanto rejeitou durante a vida .
Dentro de uma perfeição formal, traço obrigatório no estilo parnasiano, o poema “AS POMBAS" exalta, como foco principal , a natureza, descrevendo a revoada das aves em um movimento de ida e volta e comparando, maravilhosamente, em uma expressão metafórica , com os sonhos da adolescência .
AS POMBAS “Vai-se a primeira pomba despertada …
Vai-se outra mais … mais outra … enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada … E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada… Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais; No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais…” O soneto é um retrato comportamental do ser humano , utilizando máscaras que acabam ocultando aqueles que seriam seus sentimentos verdadeiros . A visão mascarada da sociedade é a camuflagem da real situação dos fatos , tornando-se falso o gesto expresso em suas faces .
MAL SECRETO Se a cólera que espuma, a dor que mora N’aIma, e destrói cada ilusão que nasce, Tudo o que punge, tudo o que devora O coração, no rosto se estampasse; Se se pudesse, o espírito que chora, Ver através da mascara da face, Quanta gente, talvez, que inveja agora Nos causa, então piedade nos causasse! Quanta gente que ri, talvez , consigo Guarda um atroz, recôndito inimigo, Como invisível chaga cancerosa! Quanta gente que ri, talvez existe, Cuja ventura única consiste Em parecer aos outros venturosa . No soneto abaixo , o Poeta pinta um cenário do trânsito de um grupo
de fidalgo que volta da caçada . Em uma visão metafórica , poderíamos associar “ a cavalgada “ , tratada no texto não como um simples galopar , mas sim como uma estrada da vida .
A CAVALGADA A lua banha a solitária estrada... Silêncio!... Mas além, confuso e brando, O som longínquo vem-se aproximando Do galopar de estranha cavalgada. São fidalgos que voltam da caçada; Vêm alegres, vêm rindo, vêm cantando. E as trompas a soar vão agitando O remanso da noite embalsamada... E o bosque estala, move-se, estremece... Da cavalgada o estrépito que aumenta Perde-se após no centro da montanha... E o silêncio outra vez soturno desce... E límpida, sem mácula, alvacenta A lua a estrada solitária banha... Raimundo Correia expressa neste soneto um fenômeno da bela natureza com o término do dia dando lugar à noite . Em um movimento que atua como uma sequência cênica , o Poeta , usando de vários recursos de linguagem figurada , vai construindo a passagem com todos os seus aspectos visualizados e sentidos nas significações das palavras que compõem o poema .
ANOITECER Esbraseia o Ocidente na agonia
O sol... Aves em bandos destacados,
Por céus de ouro e púrpura raiados,
Fogem... Fecha-se a pálpebra do dia...
Delineiam-se além da serrania
Os vértices de chamas aureolados,
E em tudo, em torno, esbatem derramados
Uns tons suaves de melancolia.
Um mundo de vapores no ar flutua...
Como uma informe nódoa avulta e cresce
A sombra à proporção que a luz recua.
A natureza apática esmaece...
Pouco a pouco, entre as árvores, a lua
Surge trêmula, trêmula.... Anoitece. As linhas poéticas de “ Plena Nudez “ deixam transparecer as verdadeiras caracterizações do estilo Parnasiano como : a rigidez na forma , exaltação à cultura clássica e a obediência às regras na composição da poesia . O poema fala sobre as esculturas pagãs gregas de enorme caráter sexual , realçando o estado nu nos seus mais comuns termos , expressos poeticamente na última estrofe da poesia .
PLENA NUDEZ Eu amo os gregos tipos de escultura: Pagãs nuas no mármore entalhadas; Não essas produções que a estufa escura Das modas cria , tortas e enfezá-las. Quero em pleno esplendor, viço e frescura Os corpos nus; as linhas onduladas Livres; da carne exuberante e pura Todas as saliências destacadas ... Não quero, a Vênus opulenta e bela De luxuriantes formas, entrevê-la Da transparente túnica através: Quero vê-la, sem pejo, sem receios, Os braços nus, o dorso nu, os seios Nus... toda nua , da cabeça aos pés ! No soneto abaixo , Raimundo Correia conota expressões poéticas contidas no decorrer do poema “ BONZO “ , palavra usada pelos negros para descrever a saudade deprimente que eles sentiam da terra natal . A poesia menciona , através de termos figurados , uma visualização da lembrança memorizada nos momentos saudosos de seus territórios naturais : a África , como : “ céu bem azul “ , “ Rio Níger , comparado a uma serpente dourada “ , “ leões bramindo “ , “ elefantes derrubando árvores “ , tudo reportando a tristes recordações que os escravos guardavam com “ visões mortais “ , ao olhar o céu azul , exilados em território brasileiro .
“BONZO" Visões que na alma o céu do exílio incuba, Mortais visões! Fuzila o azul infando...
Coleia, basilisco de ouro, ondeando
O Níger... Bramem leões de fulva juba...
Uivam chacais... Ressoa a fera tuba
Dos cafres, pelas grotas retumbando,
E a estrelada das árvores, que um bando
De paquidermes colossais derruba...
Como o guaraz nas rubras penhas dorme,
Dorme em nimbos de sangue o sol oculto...
Fuma o saibro africano incandescente...
Vai com a sombra crescendo o vulto enorme
Do baobá... E cresce na alma o vulto
De uma tristeza, imensa, imensamente...