A homenagem que o CANTINHO POÉTICO presta neste espaço tem uma bela dimensão tripartida de um universo que representa a modernidade de nossa literatura . As amostras que forem aqui representadas constituirão , com toda certeza , as essências líricas nas galerias poéticas da trinca de rei composta por OSWALD DE ANDRADE , MÁRIO DE ANDRADE E CASSIANO RICARDO .
Iniciaremos com um poeta de alma nacionalista que preservou em seus versos as mensagens de um Brasil bem brasileiro : OSWALD DE ANDRADE . Foi um dos mais importantes introdutores do Modernismo no Brasil, com autoria dos dois mais importantes manifestos modernistas, o Manifesto da Poesia Pau-Brasil e o Manifesto Antropófago, bem como do primeiro livro de poemas do modernismo brasileiro afastado de toda a eloquência romântica . Foi , também , um dos interventores na Semana de Arte Moderna de 1922. Esse evento teve uma função simbólica importante na identidade cultural brasileira. Por um lado celebrava-se um século da independência política do país colonizador Portugal, e por outro , consequentemente , havia uma necessidade de se definir o que era a cultura brasileira, o que era o sentir brasileiro, quais os seus modos próprios de expressão : a alma nacional . Demonstraremos , a partir de agora , as manifestações de Oswald de Andrade cujos temas expressam a alma nacionalista. Esta pequena , porém enorme poesia , versa , em visões subliminares das palavras , sobre a imposição dos portugueses a respeito de sua própria cultura , neutralizando os hábitos de nossos nativos .
ERRO DE PORTUGUÊS
Quando o português chegou Debaixo duma bruta chuva Vestiu o índio Que pena! Fosse uma manhã de sol O índio tinha despido O português.
Nesta poesia, o Poeta manifesta uma ruptura com “moldes” antes sacramentados por outras estéticas. O verso livre, a linguagem coloquial e irônica e o predomínio de um “português” genuinamente brasileiro tiveram seu momento subliminar.
Pronominais
Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro.
Neste poema , o Poeta parodia , por meio de um tom irreverente , outro texto de Gonçalves Dias, também com o objetivo de repugnar os moldes românticos. Quando ele ressalta que: Minha terra tem mais rosas e quase que mais amores, o vocábulo “quase”, justifica o desmascarar da realidade social. Canto de regresso à pátria
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar Os passarinhos daqui Não cantam como os de lá Minha terra tem mais rosas E quase que mais amores Minha terra tem mais ouro Minha terra tem mais terra Ouro terra amor e rosas Eu quero tudo de lá Não permita Deus que eu morra Sem que volte para lá Não permita Deus que eu morra Sem que volte pra São Paulo Sem que veja a Rua 15 E o progresso de São Paulo.
Oswald de Andrade expressa nesta poesia a trajetória da Descoberta do Brasil e o impacto nos primeiros contatos com o povo nativo sobre hábitos distintos e grande desconfiança sobre aceitar outra cultura .
A descoberta
Seguimos nosso caminho por este mar de longo Até a oitava da Páscoa Topamos aves E houvemos vista de terra os selvagens Mostraram-lhes uma galinha Quase haviam medo dela E não queriam por a mão E depois a tomaram como espantados primeiro chá Depois de dançarem Diogo Dias Fez o salto real as meninas da gare Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis Com cabelos mui pretos pelas espáduas E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas Que de nós as muito bem olharmos Não tínhamos nenhuma vergonha.
O espaço agora é dedicado a MÁRIO DE ANDRADE com suas poesias , peça chave do modernismo brasileiro. Sua obra literária é dedicada à construção de uma literatura genuinamente brasileira e à investigação de nossa cultura. De família aristocrática, Mário Raul de Morais Andrade nasceu em São Paulo, no dia 09 de outubro de 1893. Publicou sua maior realização literária, aquela que perpetuaria seu nome na história da moderna literatura brasileira: Macunaíma. Por intermédio da figura do herói sem nenhum caráter, portanto, um anti-herói, Mário abordou temas folclóricos e mitológicos próprios do Brasil, utilizando uma linguagem inovadora por aproximar-se da oralidade. Apresentaremos agora algumas pérolas poéticas pertencentes ao acervo deste maravilhoso Poeta . Nesta poesia , faz uma descrição poética e crítica sobre uma desigualdade social , transparecendo em cada verso a preparação para o despertar de uma situação presente na sociedade brasileira .
Descobrimento
Abancado à escrivaninha em São Paulo Na minha casa da rua Lopes Chaves De supetão senti um friúme por dentro. Fiquei trêmulo, muito comovido Com o livro palerma olhando pra mim.
Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus! muito longe de mim Na escuridão ativa da noite que caiu Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos, Depois de fazer uma pele com a borracha do dia, Faz pouco se deitou, está dormindo.
Esse homem é brasileiro que nem eu.
No poema seguinte , Mário de Andrade , apesar de pertencente ao Movimento Moderno , expressa características que eram comuns no período romântico , deixando transparecer , através de uma visão imagística , um sentimento lírico-amoroso .
Eterna Presença
Este feliz desejo de abraçar-te, Pois que tão longe tu de mim estás, Faz com que te imagine em toda a parte Visão, trazendo-me ventura e paz.
Vejo-te em sonho, sonho de beijar-te; Vejo-te sombra, vou correndo atrás; Vejo-te nua, oh branco lírio de arte, Corando-me a existência de rapaz…
E com ver-te e sonhar-te, esta lembrança Geratriz, esta mágica saudade, Dá-me a ilusão de que chegaste enfim;
Sinto alegrias de quem pede e alcança E a enganadora força de, em verdade, Ter-te, longe de mim, juntinho a mim.
Há nesta poesia uma crítica com acentuada expressões irônica sobre dois aspectos manifestados em seres humanos que compõem a estrutura social : TER e SABER .
Moça Linda Bem Tratada
Moça linda bem tratada, Três séculos de família, Burra como uma porta: Um amor.
Grã-fino do despudor, Esporte, ignorância e sexo, Burro como uma porta: Um coió.
Mulher gordaça, filó, De ouro por todos os poros Burra como uma porta: Paciência...
Plutocrata sem consciência, Nada porta, terremoto Que a porta do pobre arromba: Uma bomba.
Hora e vez de CASSIANO RICARDO para completar a trinca de rei . Cassiano Ricardo Leite , jornalista, poeta e ensaísta, nasceu em São José dos Campos, SP, em 26 de julho de 1895, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 14 de janeiro de 1974 . Poeta de caráter lírico-sentimental em seu primeiro livro, ligado ao Parnasianismo/Simbolismo, em A flauta de Pã (1917) adota a posição nacionalista do movimento de 1922, revelando-se um modernista ortodoxo até o início da década de 40. Se a sua obra poética é tida como de importância na literatura brasileira contemporânea, a de prosador é também relevante. Passemos a apresentação de alguns poema que marcam a importância deste grande Poeta que contribuiu , com seu acervo poético , para o enriquecimento de nossa literatura . O primeiro poema apresentado fala sobre a efemeridade de nossa existência . Com base em uma filosofia de resignação , aconselha que devemos manter a tranquilidade diante do inexorável , lembrança constante em todo poema de que a morte é inevitável .
O Relógio
"Diante de coisa tão doida Conservemo-nos serenos
Cada minuto da vida Nunca é mais, é sempre menos
Ser é apenas uma face Do não ser, e não do ser
Desde o instante em que se nasce Já se começa a morrer."
O poema seguinte é uma forma lírica conceptual sobre a poesia e o poeta , logo trata-se de uma metapoesia ( poesia que tem o tema falando sobre a própria poesia ) , com base na comparação com uma ilha e esforço de um operário em sua labuta diária .
Poética 1 Que é a Poesia? uma ilha cercada de palavras pro todos os lados. 2 Que é o Poeta? um homem que trabalha com o suor do seu rosto. Um homem que tem fome como qualquer outro homem.
. Neste poema , Cassiano Ricardo constrói uma trajetória ligada ao momento da descoberta do Brasil , quando , por ignorar a terra achada , os descobridores iniciam os rótulos nas várias identificações da nova terra . Os nomes dados a terra descoberta
Por se tratar de uma ilha deram-lhe o nome de ilha de Vera-Cruz. Ilha cheia de graça Ilha cheia de pássaros Ilha cheia de luz.
Ilha verde onde havia mulheres morenas e nuas anhangás a sonhar com histórias de luas e cantos bárbaros de pajés em poracés batendo os pés.
Depois mudaram-lhe o nome pra terra de Santa Cruz. Terra cheia de graça Terra cheia de pássaros Terra cheia de luz.
A grande terra girassol onde havia guerreiros de tanga e onças ruivas deitadas à sombra das árvores mosqueadas de sol
Mas como houvesse em abundância, certa madeira cor de sangue, cor de brasa e como o fogo da manhã selvagem fosse um brasido no carvão noturno da paisagem, e como a Terra fosse de árvores vermelhas e se houvesse mostrado assaz gentil, deram-lhe o nome de Brasil.
Brasil cheio de graça Brasil cheio de pássaros Brasil cheio de luz.
Em uma maravilhosa composição poética , Cassiano Ricardo , nesta poesia , expressa a grande importância que se deva ter , diante dos acontecimentos , na esperança como um otimismo da própria vida.
A rua
Bem sei que, muitas vezes, O único remédio É adiar tudo. É adiar a sede, a fome, a viagem, A dívida, o divertimento, O pedido de emprego, ou a própria alegria. A esperança é também uma forma De continuo adiamento. Sei que é preciso prestigiar a esperança, Numa sala de espera. Mas sei também que espera significa luta e não, apenas, Esperança sentada. Não abdicação diante da vida.
A esperança
Nunca é a forma burguesa, sentada e tranquila da espera. Nunca é figura de mulher Do quadro antigo. Sentada, dando milho aos pombos.
O CANTINHO POÉTICO objetiva em suas publicações um maior contato com a linguagem mítica expressa através das poesia manifestadas em língua portuguesa , tentando não só atingir aqueles que amam uma mensagem poética mas também sugerir e alertar aqueles que não tiveram oportunidade de manusear compêndios de nossos poemas .