O CANTINHO MUSICAL , com enorme satisfação , rende suas homenagens neste espaço a um filho querido de Leopoldina na demonstração de seus sambas de raiz . Estamos falando de Osvaldo Alves Pereira , nascido em Leopoldina, no dia 12 de dezembro de 1932 , embora carioca por adoção é mais conhecido como NOCA DA PORTELA , compositor, cantor e instrumentista brasileiro . Membro da ala dos compositores, Noca classificou seus sambas em concursos e teve músicas gravadas por Beth Carvalho , MPB-4, Eliana Pittman, Alcione, Maria Bethânia e outros, totalizando mais de 300 composições gravadas. Compôs para Beth Carvalho o samba “ Virada “ , considerado um símbolo da luta pela democratização do país.
A partir de agora , vamos desfilar algumas canções compostas por este sambista de primeira classe que faz parte do quadro de compositores , com enorme merecimento , da música Popular Brasileira . Iniciaremos com o samba composto com o filho que simbolizou uma luta pela democracia : “ VIRADA “ . [ “ / O que adianta eu trabalhar demais, se o que eu ganho é pouco, / Se cada dia eu vou mais pra trás,nessa vida levando soco, / E quem tem muito tá querendo mais,e quem não tem tá no sufoco, / Vamos lá rapaziada, tá na hora da virada vamos dar o troco. Vamos botar lenha nesse fogo,vamos virar esse jogo que é jogo de carta marcada / O nosso time não está no degredo vamos à luta sem medo que é hora do tudo ou nada. / “ ] .
No período da grande inflação no Brasil , a desvalorização da moeda ocorria diariamente a tal ponto que a classe pobre sofria com a remarcação dos preço devido ao caos econômico por que passava a nação . Tomando tal fato como tema , Noca , em um lampejo maravilhoso , compôs um samba que retratou o que era o custo de vida , abrilhantado pela voz de Beth Carvalho : “ SACO DE FEIJÃO “ . [ “ / Meu Deus mas para que tanto dinheiro / Dinheiro só pra gastar / Que saudade tenho do tempo de outrora / Que vida que eu levo agora / Já me sinto esgotado / E cansado de penar, meu Deus / Sem haver uma solução / De que me serve um saco cheio de dinheiro / Pra comprar um quilo de feijão / Me diga gente / De que me serve um saco cheio de dinheiro / Pra comprar um quilo de feijão / No tempo dos "merréis" e do vintém / Se vivia muito bem, sem haver reclamação / Eu ia no armazém do seu Manoel com um tostão / Trazia um quilo de feijão / Depois que inventaram o tal cruzeiro / Eu trago um embrulhinho na mão / E deixo um saco de dinheiro / Ai, ai, meu Deus /. “ ] .
Demonstrando na canção uma característica consumista da mulher , Noca , no roteiro do samba , versa sobre o sacrifício que tem o amado para sustentar a gastança da amada , porque ,se ele não atende ao pedido dela , ela chora . Para satisfazê-la , curva-se do que ela pede , dizendo : “ É PRECISO MUITO AMOR “ . [ “ / É preciso muito amor / Para suportar essa mulher / Tudo que ela vê numa vitrine ela quer / Tudo que ela quer / Tenho que dar sem reclamar / Porque senão ela chora / E diz que vai embora / Oh, diz que vai embora! / Pra satisfazer essa mulher / Eu faço das tripas coração / Pra ela sempre digo "sim" / Pra ela nunca digo "não" / Porque senão ela chora / E diz que vai embora / Oh, diz que vai embora! / “ ] .
Noca e Decio de Carvalho compuseram um lindo samba com perfeita abordagem das duas faces do ser humano em relação a seu comportamento diante da vida , agindo ora com falsidade , ora com sinceridade e benevolência . Alcione deu a essa música um molho especial com a sua voz maravilhosa : “ VENDAVAL DA VIDA “ . [ “ / Vou sorrindo com o meu interior chorando / Amargando o meu viver sofrido / E assistindo o que se vai passando / E vou resistindo / Resistindo no meu posto o vendaval da vida / Aplaudindo a quem já vai subindo / Amparando a quem já vem caindo /(E vou sorrindo) / Quantos risos de falsa alegria / Paraíso sem nenhum valor / Lutas pelo pão de cada dia / Sustentando a morte do amor / Mas vou sorrindo / . “ ] .
Ainda reforçada com a voz de Alcione , a canção composta por Noca é um retrato cuja imagem expressa um enorme sofrimento da separação , lamentando os momentos de grande felicidade vividos pelos amantes e que já estão de “ MALAS PRONTAS “ . [ “ / Agora que estamos de malas prontas / Trazendo o vazio de um passado / É hora da gente fazer as contas / O nosso balanço já foi fechado / Zerando o que ficou pra trás e tantas / Lembranças que agora não valem mais / Te amei demais (como te amei) / Nos carnavais (olha teu rei) / Nos teus lençóis como eu deitei / O tempo passa, eu te cansei / Era de lei / Tu me cansaste também, meu bem / Te amei demais (como te amei) / Nos carnavais (olha teu rei) / Nos teus lençóis como eu deitei / Se os seus sonhos então / Se acordarem dos meus / O melhor é dizer adeus / . “ ] .
Clara Nunes é a intérprete da canção que expressa o desejo da personagem a respeito da morte , manifestada sobre uma figura de linguagem representada pela expressão “ ÚLTIMA MORADA “ . [ “ / Quando eu morrer / Eu quero uma batucada / Pra me levar / À minha última morada / Quero ouvir acordes / De um violão / E o povo pelas ruas / Cantando as estrofes / Da minha canção / Assim no céu / Terei felicidade / E das belas coisas da vida / Eu não sentirei saudade/ . “ ] .
A cargo do grupo Fundo de Quintal , ficou a responsabilidade para a interpretação de um samba que é a transfiguração de uma trajetória histórica na criação de sua escola de coração : Portela , e , também , uma crítica velada ao abandono das tradições e das raízes do samba . “ PRIMEIRA SEMENTE “ . [ “ / Paulo plantou a primeira semente / E a jaqueira humildemente cresceu / E através de gerações foi mantendo / As tradições que você não conheceu / Poetas, ritmistas e cantores / Eram seus reais valores / E a Portela era feliz / Agora que a bananeira deu cacho / Você chega lá de baixo pra cortar nossa raiz / Dê uma volta no passado / Bem pior quem está errado / E não quer pedir perdão / As folhas da jaqueira que eram belas / Hoje estão tão amarelas como folhas de verão / .] .
Noca e Candeia compuseram um belo samba que retrata o arrependimento da amada por uma traição , indo pedir perdão na esperança de retornar a viver com o parceiro , porém é descartada com termos depreciativos e sem valor : “ MIL RÉIS “ . [ “ / Hoje tu voltas aqui com semblante a sorrir / Esperando que eu te receba e te dê / Muitos beijos de amor / Esquecendo afinal o que entre nós se passou / Foi você quem errou / Se ajoelhas aos meus pés, mas não vales mil réis / Te conheço, afinal / Não mereço perder tantos anos da vida / Tentarei te esquecer, perdida / Perdida porque não honraste um homem / Manchaste o meu nome e tudo quanto te ofertei / Jogaste fora, como moeda sem valor, um grande amor / Quem me encontrou, me valorizou / . “ ] .
Chegou a vez de dedicarmos parte deste artigo a LUIZ CARLOS DA VILA , poeta de primeira envergadura cujas canções estão fixadas na memória dos grande sambistas . Nasceu no bairro carioca de Ramos , no dia 21 de junho de 1949 e morreu no dia 20 de outubro de 2008 . Uma dúvida quanto à substituição do nome Baptista para o artístico VILA . Há duas informações : ou porque fazia parte da ala de compositores de Vila Isabel , ou porque foi morador do bairro de Vila da Penha na zona da Leopoldina . Frequentou blocos tradicionais do Rio de Janeiro , sendo considerado um dos formatadores do samba carioca . Compôs com grandes nomes do mundo do samba da nova geração . Além de belas canções , Luiz Carlos da Vila , em parceria com Rodolpho e Jonas , foi vencedor do samba-enredo da Vila Isabel , com Kizomba , A Festa da Raça , vencedora do carnaval carioca de 1988 , iniciaremos a apresentação de alguns sambas magníficos deste Poeta da Vila .
“ KIZOMBA , A FESTA DA RAÇA “ . [ “ / Valeu, Zumbi / O grito forte dos Palmares /Que correu terra, céus e mares / Influenciando a abolição / Zumbi, valeu / Hoje a Vila é Kizomba / É batuque, canto e dança / Jongo e Maracatu / Vem, menininha / Pra dançar o Caxambu / Ô,ô, Ô,ô / Nega mina / Anastácia não se deixou escravizar / Ô,ô / Ô,ô,ô,ô / Clementina, o pagode é o partido popular / Sacerdote ergue a taça / Convocando toda a massa / Neste evento que congraça / Gente de todas as raças / Numa mesma emoção / Esta Kizomba é nossa constituição / Esta Kizomba é nossa constituição / Que magia / Reza, AG1 e Orixá / Tem a força da cultura / Tem a arte e a bravura / E o bom jogo de cintura / Faz valer seus ideais / E a beleza pura dos seus rituais / Vem a Lua de Luanda / Para iluminar a rua / Nossa sede e nossa sede / De que o aparthaid se destrua / . “ ] .
O maravilhoso samba a seguir versa sobre um sonho de liberdade , exaltando o fim de todas as opressões e sonhando com um grande momento de paz , cantado “ POR UM DIA DE GRAÇA “ . [ “ / Um dia, meus olhos ainda hão de ver / Na luz do olhar do amanhecer / Sorrir o dia de graça / Poesias, brindando essa manhã feliz / Do mal cortado na raiz / Do jeito que o Mestre sonhava / O não chorar / O não sofrer se alastrando / No céu da vida, o amor brilhando / A paz reinando em Santa Paz / Em cada palma de mão, cada palmo de chão / Semente de felicidade / O fim de toda a opressão, o cantar com emoção / Raiou a liberdade / Chegou o áureo tempo de justiça / Há esplendor, do preservar a Natureza / Respeito a todos os artistas / A porta aberta ao irmão / De qualquer chão, de qualquer raça / O Povo todo em louvação / Por este dia de graça./ . “ ] .
Em um belo lampejo lírico , Luiz Carlos da Vila compôs um samba coberto de figuras metafóricas , exaltando o seu sentimento amoroso , com expressões de pura vassalagem de amor à sua musa inspiradora , extrapolando , em cada verso , um lindo sentimento que vai “ ALÉM DA RAZÃO . [ “ / Por te amar eu pintei / Um azul do céu se admirar / Até o mar adocei / E das pedras leite eu fiz brotar / De um vulgar fiz um rei / E do nada o império pra te dar / A cantar eu direi o que eu acho então o que é amar / É uma ponte lá para o longe dos horizontes / Jardim sem espinhos / Vinho que vai bem em qualquer canção / Roupa de vestir qualquer estação / É uma dança, paz de criança / Que só se alcança se houver carinho / É estar alem da simples razão / Basta não mentir pro seu coração / . “ ] .
Este samba é uma linda homenagem prestada após a morte de Candeia , compositor da Portela , que foi um parceiro e grande amigo de Luiz Carlos da Vila . Com enorme competência , mescla o nome do homenageado com passagem de luminosidade , clarificando magistralmente toda a trajetória do belo samba , deixando transparecer que “ O SONHO NÃO ACABOU “ . [ “ / A chama não se apagou / Nem se apagará / És luz de eterno fulgor / Candeia / O tempo que o samba viver / O sonho não vai acabar / E ninguém irá esquecer / Candeia / Todo tempo que o céu / Abrigar o encanto de uma lua cheia / E o pescador afirmar / Que ouviu o cantar da sereia / E as fortes ondas do mar / Sorrindo brincar com a areia / A chama não vai se apagar / Candeia / Onde houver uma crença / Uma gota de fé / Uma roda, uma aldeia / Um sorriso, um olhar / Que é um poema de fé / Sangue a correr nas veias / Um cantar à vontade / Outras coisas que a liberdade semeia / O sonho não vai acabar / Candeia / . “ ] .
Um dos tabernáculos do samba na cidade do Rio de Janeiro situava-se na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique de Ramos , onde se reunia , à sombra da tamarineira , a nata dos compositores cariocas , às quartas-feiras . Inspirado nessa reunião de bambas , Luiz Carlos da Vila compôs , basicamente , um hino que simboliza um “ DOCE REFÚGIO “ . [ “ / Sim ... é o cacique de ramos / Plantou de todos os ramos, cantam os passarinhos nas manhãs / Lá oi e lá o samba é alta bandeira / E até as tamarineiras são das poesias guardiãs{ bis } / Seus compositores aqueles / Que deixam na gente aquela emoção / Seus ritmistas vão fundo / Tocando bem fundo qualquer coração / É uma festa brilhante / Um lindo brilhante mais fácil de achar / É perto de tudo ali no subúrbio / Um doce refúgio pra quem quer cantar / É o cacique / É o cacique pra uns a cachaça pra outros / A religião / Se estou longe o tempo não passa / E a saudade abraça o meu coração / Quando ele vai para as ruas / A vida flutua num sonho real / É o povo sorrindo cacique esculpindo / Com mãos de alegria o seu carnaval / É o cacique / . ] .
Encerraremos esta amostra de alguns sambas de Luiz Carlos da Vila , com uma canção , em parceria com Sombrinha , que retrata toda uma separação amorosa , expressa em uma rejeição por parte de um amante “ AMOR , AGORA NÃO “ . [ “ / Chega pra lá, novo amor / Vai procurar novo abrigo, / Meu coração se cansou / E quer fugir do perigo / Toda paixão só resulta, / Sempre em desilusão / Sonhos que vão rolar pelo chão. / E nada poderá conter / Meu ímpeto de ter fechado o coração / Eu sei, que vai ser bem melhor / Ficar um tempo só, / Amor, agora não Amor, agora não/.“].
A ideia central deste artigo foi tentar mostrar que a sobrevivência de toda arte está situada na preservação de suas raízes e , sendo o samba uma manifestação artística , rótulo de nossa base cultural , o CANTINHO MUSICAL sentiu-se na obrigação de reservar nosso espaço a estes dois compositores compromissados com a criação dos bons sambas brasileiros.
“ SE HOUVER UMA PERGUNTA SOBRE SIMPLICIDADE E COMPETÊNCIA DE BONS ARTISTAS , CERTAMENTE , A RESPOSTA APRESENTARÁ COMO EXEMPLO A EXISTÊNCIA DESTA MARAVILHOSA DUPLA QUE , EM SUA HUMILDADE , PRESERVA , CRIA E RESGATA A ESSÊNCIA DO PURO SAMBA BRASILEIRO “
Waldemar Pedro Antonio e-mail : [email protected]