Após um breve recesso do “ Cantinho Poético “ , cedendo o lugar ao “ Cantinho das Curiosidades “ ( que em breve retornará ) , retomamos o espaço para publicação dos belos poemas em língua portuguesa . Reiniciaremos com um tema que dará uma enorme visão conceitual e poética sobre a feitura de um poema com seus líricos e ricos detalhes : “ METAPOESIA “ .
METAPOESIA é a poesia em sua essência , o conhecimento do fazer poético e de suas intrincadas engrenagens , a poesia que fala da poesia que descreve como se faz poesia .
Fernando Pessoa , o mais consagrado poeta português do Modernismo , manifesta , no poema “ AUTOPSICOGRAFIA “ , todo poder de nos fazer entender o poeta , como a poesia é construída , e como acontece a identificação do leitor com o que foi lido .
Autopsicografia O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
No poema “ O QUE É POESIA “ de Cassiano Ricardo , o autor , através de um questionamento , descreve no poema uma feliz definição do que é poesia . Posteriormente , o autor discute o ofício de construir poemas e aprofunda na interpretação , justificando que o poeta também é aquele que vive “ com o suor de seu rosto “ .
Poética (Cassiano Ricardo)
Que é poesia?
uma ilha
cercada
de palavras
por todos os lados
Que é um poeta?
um homem
que trabalha um poema
com o suor do seu rosto
Um homem
que tem fome
como qualquer outro
homem.
Em uma crítica velada aos modelos tradicionais de se fazer lirismo , Manuel Bandeira , em “ POÉTICA “ , constrói o poema demonstrando , ironicamente , a essência de se dizer , na poesia , o verdadeiro expressar do sentimento lírico do poeta indiferente ao valor temático . Com esta criação , conduz para a mais pura característica do Movimento Modernista :
LIBERDADE DE EXPRESSÃO . Poética ( Manuel Bandeira )
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
Ainda na galeria poética de Manuel Bandeira encontramos “ NOVA POÉTICA “ uma metapoesia que desmitifica totalmente o lado puro e limpo do poeta manifestado em suas criações .
Nova Poética Vou lançar a teoria do poeta sórdido.
Poeta sórdido:
Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.
Vai um sujeito.
Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito bem engomada, e na primeira esquina passa um caminhão, salpica-lhe o paletó ou a calça de uma nódoa de lama:
É a vida.
O poema deve ser como a nódoa no brim:
Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.
Sei que a poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfa, as virgens cem por cento e as amadas que envelheceram sem maldade.
No poema de Ferreira Gullar “ NÃO HÁ VAGAS “ , o Poeta expressa na linha de cada verso o que deve ser manifestado e não manifestado em forma de poesia . Por trás de cada verso há uma crítica de ordem social velada , liricamente , em uma simples demonstração de como selecionar os conteúdos poéticos .
NÃO HÁ VAGAS ( Ferreira Gullar ) O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
- porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira
Maravilhosa construção poética de Mário Quintana onde compara , em um recurso de matapoesia , os pássaros com os poemas .Através de cada verso , dá uma demonstração de identidade entre os dois eixos da comparação , assim como os pássaros alçam voo , os poemas flutuam de mãos em mãos para alimentarem os leitores.
OS POEMAS (Mário Quintana) Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde pousam
no livro que lês .
Quando fechas o livro , eles alçam voo
como de um alçapão .
Eles não têm pouso
nem porto ;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem .
E olhas , então , essas tuas mãos vazias ,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estavam em ti ... "
Utilizamos de um fragmento do poema “ Procura da Poesia “ para demonstrar que é uma poesia que fala da poesia . O fazer poético é penetração no reino das palavras , descoberta de suas faces secretas, que se escondem sob a face neutra , aparente , usual .
PROCURA DA POESIA Penetra surdamente no reino das palavras
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
Há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e se consuma
Com seu poder de palavra
E seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
Como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
E te pergunta, sem interesse pela resposta,
Pobre ou terrível, que lhe deres:
– Trouxeste a chave?
Com base em sua inspiração poética , Carlos Drummond de Andrade retrata na poesia a angústia de ter um tema delimitado na mente , porém com muita dificuldade para externar na composição o tema inspirado .
POESIA ( Carlos Drummond de Andrade) Gastei uma hora pensando em um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
Waldemar Pedro Antonio e-mail :
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