O CANTINHO MUSICAL sentiu-se na obrigação de homenagear a mais cristalina voz do cancioneiro brasileiro e , também , presentear uma geração que moldou seus ouvidos para receber belas poesias envoltas na mais perfeita interpretação de ORLANDO SILVA , o “ CANTOR DAS MULTIDÕES “ , que é o verdadeiro ícone de nossas serestas e o mais puro representante , através de suas belas canções , de todos aqueles que curtiram e curtem as lindas melodias e a pureza das expressões poéticas que perpetuam em um saudosismo musical .
Orlando Garcia da Silva nasceu na rua General Clarindo, no bairro do Engenho de Dentro , no dia 3 de outubro de 1915 , foi pela crítica musical considerado um dos mais importantes cantores brasileiros da primeira metade do século XX.. Bororó apresentou-o a Francisco Alves, que , ouvindo Orlando cantar no interior de seu carro, decidiu , imediatamente , lançá-lo em seu programa na rádio . Nos seis ou sete anos seguintes , tornou-se um grande sucesso, reputado , por muitos , como a mais bela voz do Brasil .
Passemos ao desfile de joias musicais de diversos compositores da MPB na mais iluminada e segura voz do “ CANTOR DAS MULTIDÕES “ . Iniciaremos com uma canção que Orlando evitava cantar , porque tocava profundamente seu coração em uma imensa saudade de sua querida mãe , o que , quando a interpretava , fazia-o debruçar em lágrimas . Pixinguinha e Otávio de Souza, em um lampejo criativo , molduraram , tendo a natureza como pano de fundo , a imagem da beleza feminina com as mais lindas metáforas amorosas , expressando em uma visão lírica e bela a mais divina construção do amor na criação de uma musa perfeita comparada a uma “ ROSA “ . [ “ / Tu és, divina e graciosa, estátua majestosa do amor / Por Deus esculturada e formada com ardor / Da alma da mais linda flor de mais ativo olor / Que na vida é preferida pelo beija-flor / Se Deus me fora tão clemente aqui nesse ambiente de luz / Formada numa tela deslumbrante e bela / O teu coração junto ao meu lanceado pregado e crucificado / Sobre a rósea cruz do arfante peito teu / Tu és a forma ideal, estátua magistral oh alma perenal / Do meu primeiro amor, sublime amor / Tu és de Deus a soberana flor / Tu és de Deus a criação que em todo coração sepultas o amor / O riso, a fé e a dor em sândalos olentes cheios de sabor / Em vozes tão dolentes como um sonho em flor / És láctea estrela, és mãe da realeza / És tudo enfim que tem de belo / Em todo resplendor da santa natureza / Perdão, se ouso confessar-te eu hei de sempre amar-te / Oh flor meu peito não resiste / Oh meu Deus quanto é triste a incerteza de um amor / Que mais me faz penar em esperar em conduzir-te um dia aos pés do altar / Jurar, aos pés do onipotente em preces comoventes de dor / E receber a unção da tua gratidão / Depois de remir meus desejos em nuvens de beijos / Hei de te envolver até meu padecer de todo fenecer / . “ ] .
O que nos alegra no panorama de nossos seresteiros é o solene sorriso de felicidade , pela concentração harmoniosa no decorrer de uma canção e o discernimento de saber julgar a beleza da música quando executada . AS VALSAS BRASILEIRAS penetram em suas almas, fazendo que eles balancem no compasso musical . Os célebres responsáveis por essa criação são muitos em nossa galeria musical . CÂNDIDO DAS NEVES , O ÍNDIO , foi mestre nas composições de suas canções que flutuam no pensamento saudosista dos amantes das serestas , comprovadas nesta maravilhosa valsa , com um toque interpretativo apreciável , plainando na voz de ORLANDO SILVA : “ ÚLTIMA ESTROFE “ . [ “ / A noite estava assim, enluarada / Quando a voz , já bem cansada / Eu ouvi de um trovador um trovador/ Nos versos que vibravam de harmonia / Ele , em lágrimas , dizia / Da saudade de um amor / Falava de um beijo apaixonado , / de um amor desesperado, / Que tão cedo teve fim / E , desses gritos e tormentos ,/ Eu guardei no pensamento / Uma estrofe que era assim / Lua / Vinha perto a madrugada / Quando, em ânsias, minha amada / Nos meus braços desmaiou / E o beijo do pecado / O teu véu estrelejado / A luzir glorificou / Lua / Hoje eu vivo sem carinho / Ao relento, tão sozinho / Na esperança mais atroz / De que cantando em noite linda /Essa ingrata volte ainda / Escutando a minha voz / A estrofe derradeira, merencória / Revelava toda a história / De um amor que se perdeu / E a lua que rondava a natureza / Solidária com a tristeza / Entre as nuvens se escondeu / Cantor, que assim falas à lua /Minha história é igual à tua / Meu amor também fugiu / Disse eu em ais convulsos / E ele então, entre soluços / Toda a estrofe repetiu / . “ ] .
Mestre PIXINGUINHA compôs um choro-valsa que fora adotado para abrir ou fechar com chave de ouro as reuniões musicais , tipo de um ESQUENTA para motivar as pérolas que passariam a conduzir , musicalmente , as NOSSAS SERESTAS . Mais tarde BRAGUINHA recebeu a honra de ornamentar a bela música com uma brilhante poesia , que juntas em uma só , acrescentada à magnífica voz de Orlando Silva , constituem o exponencial da nossa MÚSICA POPULAR BRASILEIRA . “ C A R I N H O S O “ [ “/ Meu coração, / Não sei por quê / Bate feliz / Quando te vê / E os meus olhos ficam sorrindo / E pelas ruas , vão te seguindo / Mas mesmo assim, / Foges de mim .../ Ah , se tu soubesses / Como eu sou tão carinhoso / E o muito , muito que te quero / E como é sincero o meu amor / Eu sei que tu não fugirias / Mais de mim, /Vem , vem , vem , vem . / Vem sentir o calor / dos lábios meus / À procura dos teus / Vem matar esta paixão / Que me devora o coração / E , só assim , então, / serei feliz ... bem feliz... / “ ] .
A escultura da beleza de uma mulher sempre foi um pretexto temático para os bons artistas , com finalidade de expor , ao mundo , a imagem perfeita que Deus criou / . “ ] . Com uma interpretação intocável de Orlando Silva , Benedito Lacerda e Aldo Cabral criaram uma canção que denota toda uma melancolia acentuada de depressão, motivada pela perda de uma paixão , expressando todo seu lamento e tristeza em sua despedida a um “ AMIGO LEAL “ . [ “ / Escute meu grande amigo / Preste atenção no que digo / Vim despedir-me de ti / Trocamos um abraço forte / Desejos de boa sorte / E incontinenti eu parti / A tristeza mal contendo / Até hoje vou vivendo / Como meu destino quer / Esse amigo até agora / Não sabe que vou-me embora / Por causa de uma mulher / Para não cometer um erro / Preferi este desterro / Com toda resignação / Para eles a vida é bela / Hoje ele vive com ela / E ela no meu coração / “ ] .
Benedito Lacerda e Aldo Cabral completaram o drama de “ AMIGO LEAL “ , dando uma resposta à satisfação tirada na música anterior pelo amigo , compondo a canção : “ AMIGO INFIEL “ . [ “ / Escute " amigo leal, / Teu sofrimento é igual, / Ao que hoje trago comigo, / Usaste de lealdade,/ / Dentro da nossa amizade, / Mas eu não fui teu amigo. / Numa paixão incontida, / Roubei-te a mulher querida,/ Sem que soubesses talvez, / Com dinheiro e falsidade, / Por uma felicidade, / Fiz a desgraça de três, / Perdoa-me bom amigo, / Meu perdão será o abrigo, / Do remorso deste drama, / Meu desengano eu já tive, / Hoje comigo ela vive, / Mas é a ti que ela ama./ “ ] .
É muito comum em temas musicais a abordagem de promessas amorosas e não cumpridas por uma das partes . Tomando o eixo significativo do que foi exposto , Marino Pinto compôs um samba , interpretado por Orlando Silva , que cobrava a jura de um grande amor “ AOS PÉS DA CRUZ “ . [ “ / Aos pés da Santa Cruz / Você se ajoelhou / E em nome de Jesus / Um grande amor / Você jurou / Jurou mas não cumpriu / Fingiu e me enganou / Pra mim você mentiu / Pra Deus você pecou / (bis) / O coração tem razões / Que a própria razão desconhece / Faz promessas e juras / Depois esquece / Seguindo esse princípio / Você também prometeu / Chegou ate a jurar um grande amor / Mas depois me esqueceu / “ ] .
Uma grande expectativa temática de perder seu grande amor inspirou Mário Lago e Roberto Martins comporem , com grande maestria , uma canção que retrata exatamente a desenlace e o lamento de alguém que está preste à separação de um sentimento amoroso , solicitando uma aproximação com simples ato de “ DÁ-ME TUAS MÃOS “. [ “ / Por que tanta pressa de chegar ao fim? / Por que terminar o nosso amor assim / Se eu não revelei / Tudo que sonhei / E nem tu disseste / Tudo para mim? / Dá-me tuas mãos, por favor / Põe os teus olhos nos meus / E eles virão quanta dor / Vai me causar este adeus / Ficou tão triste o luar / Vendo acabar o nosso amor / Tudo te manda ficar / Dá-me tuas mãos, por favor / . “ ] .
Pedro Caetano e Claudionor Cruz , em um lampejo divino e frutos de suas competências , compuseram uma linda valsa cujo tema é uma abordagem sobre o pessimismo da personagem denotando uma imensa derrota diante do destino , sendo sucesso na voz de ORLANDO SILVA : “ CAPRICHO DO DESTINO “ . [ “ / Se Deus um dia / Olhasse a terra / E visse meu estado / Na certa compreenderia / O meu trilhar desesperado / E tendo ele em suas mãos /O leme do destino / Não deixar-me-ia / A cometer desatinos / É doloroso / Mas infelizmente é a verdade / Eu não devia nem sequer /Pensar numa felicidade / Que não posso ter / Mas sinto um revolta / Dentro de meu peito / É muito triste não se ter direito/ Nem de viver / Jamais consegui um sonho ver concretizado / Por mais modesto e banal sempre me foi negado / Assim meu Deus francamente devo desistir / Contra os caprichos da sorte eu não devo insistir / Eu quero fugir ao suplício a que estou condenado / Eu quero deixar esta vida onde eu fui derrotado / Sou um covarde bem sei que o direito é levar a cruz até o fim / Mas não posso é pesada demais para mim / . “ ] .
Esta maravilhosa música é uma valsa composta por J. CASCATA e LEONEL AZEVEDO , tendo por tema o sofrimento de amor pela perda da pessoa amada , mensagem levada no canto maravilhoso e na interpretação bela e emocionante de ORLANDO SILVA . “ LÁBIOS QUE BEIJEI “ . [ “ / Lábios que beijei, / Mãos que eu afaguei/ Numa noite de luar, assim.../ O mar na solidão bramia, / E o vento , a soluçar , pedia / Que fosses sincera para mim/ Nada tu ouviste / E , logo , partiste / Para os braços de outro amor /Eu fiquei chorando / Minha mágoa cantando / Sou a estátua perenal da dor / Passo os dias soluçando com meu pinho / Carpindo a minha dor, sozinho / Sem esperanças de vê-la jamais / Deus tem compaixão deste infeliz / Porque sofrer assim / Compadecei-vos dos meus ais. / Tua imagem permanece imaculada / Em minha retina cansada / De chorar por teu amor. / Lábios que beijei / Mãos que afaguei / Volta vem curar a minha dor. “ ] .
Orlando Silva , com sua voz brilhante e aveludada , interpretou uma das mais lindas valsas do nosso cancioneiro , composta por Benedito Lacerda e Mário Lago . A música é um lamento expresso pela perda de um grande amor , arruinado pelo destino e pela ingratidão da mulher amada que busca incessantemente novos amores , fazendo lembrar que , dentre todas as paixões dela , ele é o “ NÚMERO UM “ . [ “ / Passaste hoje ao meu lado / Vaidosa e de braço dado / Com outro que te encontrou / E eu relembrei comovido / Um velho amor esquecido / Que meu destino arruinou. / Chegaste na minha vida / Cansada e desiludida / Triste mendiga de amor / E eu, pobre com sacrifício, / Fiz um céu do teu suplício / Pus riso na tua dor. / Mostrei-te um novo caminho / Onde com muito carinho / Levei-te uma ilusão / Tudo porém foi inútil / Eras no fundo uma fútil / E foste de mão em mão / Satisfaz tua vaidade / Muda de dono à vontade / Isto em mulher é comum / Não guardo frios rancores / Porque entre os teus mil amores / Eu sou o número um / . “ ] .
Custódio Mesquita e Mário Lago compuseram um fox-trot onde aborda uma traquilidade amorosa mesmo sendo iludido pela pessoa amada sempre acreditando nas falsas declarações do amor com certa serenidade na convicção de que não existe : “ NADA ALÉM “ . [ “ / Nada além / Nada além de uma ilusão / Chega bem / E é demais para o meu coração / Acreditando em tudo que o amor / Mentindo sempre diz / E vou vivendo assim feliz / Na ilusão de ser feliz / Se o amor / Só nos causa sofrimento e dor / É melhor / Bem melhor a ilusão do amor / Eu não quero e não peço / Para o meu coração / Nada além de uma linda ilusão / . “] .
Estabelecendo uma bela comparação metafórica , Fernandinho e José Marcílio criaram um samba-canção que foi sucesso na voz de Orlando Silva . Na canção nota-se uma relação entre o coqueiro e suas palmeiras caídas com a perda de um grande amor , inspirado em um “ COQUEIRO VELHO “ . [ “ / Coqueiro velho / Abatido pelos anos / Ninguém sabe os desenganos / Dessas folhas descoradas, caídas, vencidas / Somente a palmeira coitada / Que a ventania malvada levou / Separando sem dó duas vidas / Você foi a minha palmeira / De folhas bem verdes / Um verde esperança / Foi mera visão passageira / De um doirado sonho de criança / Tal qual o coqueiro abatido / Magoado eu tenho o meu coração / Que no samba procura a bonança / Da tempestuosa desilusão / . “ ] .
Hábito muito comum nos tempos de seresta era fazer belas declarações de amor junto à janela da mulher amada , aproveitando o ambiente noturno para comparação dos atributos femininos a um cenário que a própria natureza oferecia . Diante desse tema que Freire Júnior compôs esta linda canção , ornamentada pela voz plena de emoções de Orlando Silva em “ MALANDRINHA “ . [ “ / A lua vem surgindo cor de prata / No alto da montanha verdejante / A lira de um cantor em serenata / Reclama na janela a sua amante / Ao som da melodia apaixonada / Das cordas de um sonoro violão / Confessa um seresteiro à sua amada / O que dentro lhe dita o coração / Ò linda imagem de mulher que me seduz / Ah se eu pudesse tu estarias num altar / És a rainha dos meus sonhos, és a luz / És malandrinha não precisas trabalhar / Acorda minha bela namorada / A lua nos convida a passear / Seus raios iluminam toda a estrada / Por onde nós havemos de passar / A rua está deserta, ò vem querida / Ouvir bem junto a mim, o som do pinho / E quando a madrugada, já surgida / Os pombos voltarão para seus ninhos. / . “ ] .
No carnaval de 1939 , Orlando Silva , que gravava também músicas carnavalescas , identificou-se muito com uma marcha-rancho composta por Benedito Lacerda e Humberto Porto , grande sucesso entoado nos salões , em que estabelece uma bela comparação , utilizando as flores como personagem na tentativa de amenizar a triste perda da “ JARDINEIRA “ . [ “ / Oh jardineira / Por que estás tão triste / Mas o que foi que te aconteceu? / Foi a camélia / Que caiu do galho / Deu dois suspiros / E depois morreu / Vem jardineira / Vem meu amor / Não fique triste / Que este mundo é todo teu / Tu és muito mais bonita / Que a camélia que morreu ...... / . “ ] .
O Cantinho Musical lamenta profundamente encerrar a apresentação de algumas belas canções interpretadas por uma voz aveludada e muito emotiva do CANTOR DAS MULTIDÕES , uma vez que deixa de expor várias outras joias musicais relacionadas no acervo de ORLANDO SILVA . Entretanto , sabe-se perfeitamente que a triagem feita com muito carinho selecionou os sucessos que estão perpetuados na memória de todos que amam excessivamente a beleza de sua voz !
“ O PASSADO DE GLÓRIA DAS BELAS CANÇÕES TORNOU-SE, ATUALMENTE , ALGO MUITO DISTANTE E , INFELIZMENTE , INACESSÍVEL . OS SENTINELAS DE PLANTÃO DA MPB REVIVEM A PUREZA MUSICAL ATRAVÉS DA MARAVILHOSA VOZ DE ORLANDO SILVA QUE , QUANDO OUVIDA , COLOCA O CORPO EM EQUILÍBRIO , HARMONIZANDO-O COM UM CENÁRIO DA LEMBRANÇA !! “