17/11/2016 às 06h59min - Atualizada em 17/11/2016 às 06h59min

ALVORADA EM UBÁ

Nelson Vieira Filho
Se eu confessar que somente na noite de 2 de outubro tomei conhecimento da existência de um ‘imbróglio’ na eleição majoritária municipal, pode haver quem duvide. Eu estava tão alheio à situação que, por conveniência da editoria do quinzenário Leopoldinense, deixei prontos dois textos, um sobre o Brênio e outro sobre o Zé Roberto, sendo certo que seria enviada ao prelo, como ocorreu, a  matéria sobre o candidato que obtivesse mais votos.
 
Ninguém duvide, porém, da ocorrência que me veio à lembrança. O fato envolveu 4 personagens, eu, o Joel (falecido), o José Marcelo (hoje curtindo aposentadoria depois de ter sido superintendente do Unibanco), nós três amigões e moradores no mesmo hotel, além do também já falecido Manoel Antônio “Dido”, amigo fraterníssimo, sobrinho do, décadas depois, vice-presidente da República, José de Alencar.
 
Fomos a um bar, na saída para Tocantins, chamado “Posto das Garças”. Bebemos mais do que suportávamos,  principalmente o Joel, contumaz consumidor de cachaça.
 
Era 19 de setembro de 1963, já amanhecendo.  Voltávamos para casa, quando nos deparamos com uma banda de música que galhardamente iniciava uma alvorada festiva na abertura das festividades comemorativas do dia de São Januário, padroeiro da cidade de Ubá.
 
Movidos a álcool, cada um além dos limites de sua tolerância etílica, nos perfilamos  atrás do guia e à frente dos músicos e, marchando como soldados nas paradas cívicas, nos pusemos a desfilar. Eu bebera no máximo duas talagadas do uísque Old Eight, possivelmente fabricado no Paraguai, mas, como era (ainda sou, felizmente) 99% abstêmio, fiquei “no ponto”.
 
Lembro-me que, quando a banda tocou o dobrado Canção do Exército cantamos sem escrúpulos a famosa letra deturpada:
 
            “Nós somos da pinga pura, fiéis soldados, por ela amados. Só bebo do meio para cima, sou rubro-negro, mas não resisto.
     A pinga tomamos com limão, o arroz comemos com feijão, porém se a pátria amada, precisar da macacada, puta merda que cagada”.
 
Não estávamos prejudicando ninguém, mas a polícia foi acionada. Fomos todos para a delegacia.
 
O delegado encostou o Joel na parede e estava dando a maior dura nele.
 
Quer dizer que o senhor estava envolvido na bagunça destes pilantras?
– Quem ? Eu ? De  ... hic ... jeito nenhum doutor delegado. Eu sou da paz ... hic.... da paz! 
- Então porque os policiais obrigaram o senhor vir para cá?
- Eles não obrigaram ... hic ...  não seu doutor ...   Fui eu que quis vir.
- Explique-se direito, caralho!
 
O José Marcelo, exímio violonista, interrompeu bruscamente o dedilhar do Tagima  que o acompanhava sempre. O Dido quis reagir, mas, quando lhe lancei um severo olhar de censura, aquietou-se inteligentemente.
 
O Dr. Delegado deu outro safanão no Joel.
 
Enquanto nós outros nos encolhemos ainda mais, Joel continuou sua narrativa:
 
“- Foi assim ...hic... Nós apenas estávamos  cantando e aí encostou o camburão... hic ...  e um policial  gritou ...  hic ...  “é cana para  todo mundo” . Aí eu falei: se é cana, estou dentro, pois adoro uma caninha  das boas! Bastou eu falar “estou dentro” e o policial  me jogou  dentro do camburão".
 
Lá pelas tantas, o Dr. Delegado mandou que fôssemos para casa, prometendo represália forte se fizéssemos aquilo de novo.
 
À época, em Ubá eu me limitava a trabalhar no Banco Nacional e a lecionar na Escola de Comércio Aparecida Ciotti de segunda a sexta-feira, quando viajava para Leopoldina a fim de noivar. Para lá retornava apenas no domingo à tardinha (por isto, o Delegado nunca me vira, nem depois me viu e por isto nenhum constrangimento sofri nem no momento nem posteriormente).
 
Hoje, décadas depois, fico a meditar sobre o absurdo que fizemos. Quatro homens, de teórica responsabilidade social e profissional, chamando a atenção de todas as pessoas que se dispuseram a madrugar “para ver a banda passar”.

Nelson Vieira Filho
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