17/11/2016 às 07h05min - Atualizada em 17/11/2016 às 07h05min

ADOÇÃO – PROGRAMA DO GOVERNO

Antonio Marcio Junqueira Lisboa
Até os primórdios do século passado não existiam trabalhos com sólida base científica que demonstrassem a importância dos fatores afetivos no desenvolvimento das crianças.  Até então havia um certo ceticismo, ou mesmo descrédito, quando se aventava a hipótese de que as emoções da primeira infância pudessem afetar o desenvolvimento afetivo do adulto.  Afirmar que as emoções poderiam afetar a saúde das crianças, repercutindo sobre seu desenvolvimento físico, mental, emocional e social,  era uma atitude temerária, anticientífica  e inaceitável. Ainda mais, querer achar que essas repercussões negativas pudessem se perpetuar na vida adulta.  Graças aos trabalhos pioneiros  de Bowlby, Spitz, Wolff, Klauss, Brazzelton, Winnicot,  confirmados por milhares de outros,  não deixam nenhuma dúvida de que os cuidados parentais que uma criança recebe nos seus primeiros anos de vida são de importância  vital para a  sua saúde mental futura.  Concluem todos eles que a figura materna,  a família  e um lar, são insubstituíveis  para a boa formação da personalidade do ser humano. São as principais variáveis responsáveis pelo  desenvolvimento físico, mental, emocional e social  ou, em outras palavras, pela saúde física,  mental, emocional e social do homem de amanhã - a criança. Os pais criam, educam, dão segurança material e afetiva, formam valores, disciplinam, estabelecem limites, estimulam a auto-estima, a autonomia, a independência. No seio da família se inicia a estruturação, realização e socialização da criança  e o  aprendizado das regras que regerão suas relações pessoais e afetivas. Nenhuma escola conseguirá substituir uma família bem estruturada, onde  a criança encontre amor, carinho, segurança,  e  a autoridade moral, dialogante e compreensiva, necessária ao estabelecimento de limites e disciplina. Pode-se dizer, com pouca margem de erro, que o comportamento do homem adulto - seu caráter, sua personalidade - são produtos do exemplo dos pais e da convivência com a família,  durante sua infância. A falta de amor, de aceitação, de estabilidade, gera a incerteza;  e nada é mais nefasto ao desenvolvimento afetivo de uma criança do que a  falta de segurança.  Entretanto, existem milhões de crianças que não têm pais, não têm família, não têm um lar.

A adoção é  a melhor, e possivelmente a única, resposta da sociedade ao problema das crianças sem lar.  Sem ela, as  crianças correrão o risco de não ter sua própria família, com todas as graves conseqüências daí decorrentes. A meta da adoção é a de conseguir famílias para  as crianças que não as tenham. A responsabilidade social de se conseguir famílias para as crianças é tão grande que deveria ser um programa de Governo. 

Sendo a privação materna e a falta de famílias estruturadas,  reconhecidas como importantes causas dos  comportamentos anti-sociais, entre os quais se inclui a delinqüência,  existindo mesmo uma relação direta entre a duração da privação materna e a instalação desses comportamentos,  a adoção deveria ser considerada, mas não o é, talvez por desconhecimento,   como uma  das ações mais importantes na prevenção da violência.  Esta é  mais uma razão, entre outras, que todos esforços deverão  ser despendidos para que as todas as crianças tenham, pela adoção,  mães, famílias e lares,  o mais cedo possível. Quanto mais tempo sem mãe, maior o número de problemas afetivos; quanto maior a criança,  mais dificilmente será adotada. Crianças abandonadas, maltratadas, institucionalizadas, da rua, representam um grande risco social. A adoção e a colocação familiar, são  dois mecanismos de que se lança mão para conseguir que todas desfrutem da segurança, do amor, do carinho, de um lar.   O difícil de se entender, de se aceitar, é a existência, de um lado, de milhares de pessoas querendo adotar crianças, e do outro, milhares de crianças esperando institucionalizadas, que necessitam  para sua sobrevivência de uma vida familiar.

Já acompanhei um grande número de crianças adotadas.  Um fato que me chamava atenção era que, a imensa maioria delas,  era ajustada social e emocionalmente com suas famílias adotivas, tanto ou até mais do que as que viviam com seus pais biológicos.  Ao revisar a literatura,  qual foi minha surpresa quando encontrei várias citações sobre observações idênticas às minhas. Entretanto, não consegui ainda uma explicação  do por quê  boa parte dos adotados, com o passar dos anos se parecerem cada vez mais com os pais adotivos?  Será que o amor consegue até isso? 

Ultimamente parece que as autoridades estão se conscientizando da importância da adoção e, para estimula-la,  a mãe adotiva passou a ter direito a licença e salário-maternidade, tal como a biológica. Entretanto o grande empecilho   reside nos entraves burocráticos, secundados pelos preconceitos e, consequentemente, inúmeras crianças deixam de ser beneficiadas. Temos que reconhecer que,  maioria das vezes, essa decisão fica nas mãos de pessoas que podem até ser bem intencionadas, mas despreparadas, para decidir algo tão importante - o futuro de uma criança.  O processo  de adoção implica num trabalho especializado envolvendo a mãe, os pais adotivos e principalmente a criança, que requer pressa, porem sem precipitação.  Profissionais que estejam conscientes de suas tarefas, que  saibam que tudo terá que ser resolvido o mais rapidamente possível,  pois  o futuro mental de uma pessoa pode estar em jogo.

Já existe atualmente uma tendência para  a adoção de crianças maiores e com determinadas doenças, ou deficiências.
A magnitude do problema e a responsabilidade social de se conseguir pais, famílias e lares  para  crianças abandonadas, aí incluídas  as  institucionalizadas em orfanatos, é tão grande que deveria constituir um importante programa de Governo - FAMÍLIAS PARA TODAS AS CRIANÇAS!

(*)Membro da Academia Leopoldinense de Letras e Artes
Link
Tags »
Leia Também »
Comentários »