Neste reservado espaço musical , apresentaremos duas verdadeiras cantoras do rádio que contribuíram muito com a sobrevivência de nossos carnavais com seus sambas e marchinhas , empolgando os foliões de uma época de ouro em que se curtiam blocos e batalhas de confetes : “ EMILINHA BORBA E MARLENE “ .
O Cantinho Musical , prevendo a proximidade do nosso carnaval , resolveu homenagear essas duas artistas que revolucionaram o “ Reinado de Momo “ com suas contribuições musicais . A preocupação na difusão de nossos trabalhos é dar um panorama dos intérpretes que se sobressaíram com suas musicalidades e as canções que resistiram através do tempo . Esta pesquisa objetiva fazer um retrospecto de um belo momento carnavalesco que vivemos .
A partir da década de 30 , a rádio torna-se um meio de comunicação de massa . Essa popularização do meio deve-se , especialmente, a duas cantoras de samba e marchinhas carnavalescas : EMILINHA e MARLENE . Consideradas as rainhas do rádio , também eram conhecidas pela rivalidade entre seus fãs que torciam para que somente uma assumisse o posto . A origem do antagonismo entre as intérpretes se deu em 1949, com o Baile da Rainha da Rádio Nacional, na época a maior emissora em audiência do Brasil. Organizado pelo diretor geral Vitor Costa, o evento tinha como objetivo arrecadar fundos para construção do Hospital do Radialista. A escolha foi realizada via voto popular, pelo preço de um cruzeiro cada. Vitória Banaiutti, a grande Marlene, foi a vencedora graças a um cheque em branco da companhia Antártica - cuja garota propaganda era ela - para cobrir a quantidade de votos das outras candidatas. É neste momento em que se inicia a polêmica entre as cantoras. Os fãs de Emilinha Borba, inconformados com o resultado, fazem de tudo para elegê-la. Em 1953, ela finalmente conquista o posto com mais de um milhão de votos.
Faremos, a partir de agora, a demonstração de todo acervo musical dessas duas musas do rádio que , à guisa de uma interpretação simples e carnavalesca , lançavam, nas letras de suas músicas , problemas sociais de nosso povo . Para tanto, senhores leitores , reparem as mensagens dessas singelas marchinhas .
Iniciaremos com Emilinha Borba e suas interpretações carnavalescas . Esta canção apresenta subliminarmente uma crítica social , torcendo para que a chuva amenize o sofrimento pela falta d’água , problema muito comum na época . “ TOMARA QUE CHOVA “ . [ “ / Tomara que chova, / Três dias sem parar (2x) / A minha grande mágoa / É lá em casa não ter água / E eu preciso me lavar / De promessa eu ando cheia / Quando conto a minha vida ninguém quer acreditar / Trabalho não me cansa / O que me cansa é pensar / Que lá em casa não tem água nem pra cozinhar / “ . ] .
Como madrinha perpétua da nossa Marinha de Guerra , Emilinha entoa um verdadeiro hino em homenagem aos marinheiros : “ AÍ VEM A MARINHA “ . [ “ / Alerta, vamos saudar / Aí vem a Marinha / Alerta, homens do mar / É a glória que caminha / Esquadra em formação / Com garbo a desfilar / Em linha a tripulação / Orgulhosa saudando o céu e o mar / Marcílio Dias, Minas Gerais / Belmonte, Graúnas do Luar / Singram os mares sem temer rivais / É a glória que caminha / Aí vem a Marinha! / . “ ] .
Esta marcha foi composta por João Roberto Kelly para homenagear a miss Brasil , Vera Lúcia dos Santos , fazendo um enorme sucesso nos bailes carnavalescos na perfeita interpretação animada de Emilinha Borba . “ MULATA YÊ , YÊ , YÊ “ . [ “ / Mulata bossa nova / Caiu no hully gully / E só dá ela / IÊ, iê, iê, iê, iê, iê, iê, iê / Na passarela / A boneca está / Cheia de fiufiu / Esnobando as louras / E as morenas do Brasil / . “ ] .
Nesta canção há um alerta às mocinhas da época em relação aos garanhões que as convidavam para duvidosos momentos amorosos . “ VAI COM JEITO “ . [ “ / Vai Com Jeito / Vai / Com jeito vai / Se não um dia / A casa cai / Menina / Vai com jeito vai / Se não um dia / A casa cai / Se alguém / Te convidar / Pra tomar banho / Em Paquetá / Pra pic-nic / Na barra da tijuca / Ou pra fazer um programa no Joá / Menina, vai / Com jeito vai / Se não um dia a casa cai / (BIS) / . “ ]
Emilinha exalta nesta canção o nudismo com liberdade própria dos existencialista em relação à natureza . “ CHIQUITA BACANA “ . [ “ / Chiquita bacana / Lá da Martinica / Se veste com uma casca / De banana nanica / Não usa vestido / Não usa calção / Inverno pra ela / É pleno verão / Existencialista / Com toda razão / Só faz o que manda / O seu coração / . “ ] .
Há nesta marchinha um recado direto a quem toma conta da vida alheia , fofocando com intuito de denegrir a imagem de outro , por isso que “ A ÁGUA LAVA TUDO “ , [ “ / Você notou que eu estou tão diferente / Você notou que eu estou tão diferente / A água lava, lava, lava tudo / A água só não lava a língua dessa gente! / (bis) / Já vieram me contar / Que me viram por aí / Em lugar tão diferente / A água lava, lava, lava tudo / A água só não lava a língua dessa gente! / . “ ] .
Eis aqui uma marchinha carnavalesca bem simples que animou muitos bailes e blocos , constituindo um verdadeiro sucesso que perdura até hoje nos cantos de torcidas de futebol . “ MARCHA DO REMADOR “ [ “ / Se a canoa não virar, / Olê olê olê olá / Eu chego lá / (BIS) / Rema, rema, rema, remador / Quero ver depressa o meu amor / Se eu chegar depois do sol raiar / Ela bota outro em meu lugar / Se a canoa não virar, / Olê olê olê olá / Eu chego lá / (BIS) / “ . ] .
Encerrando as amostras musicais de Emilinha Borba , apresentaremos uma marchinha pequena e simples , inspirada em uma mania da dança francesa , mas que se agigantava durante os bailes no canto dos foliões . “ CAN , CAN NO CARNAVAL “ . [ “ / Tem francesinha no salão / Tem francesinha no cordão / Ela é um sonho de mulher / Vem do folies bergères.../ (BIS) / Uh lá lá trés bien! / Maestro ataca o can can! / (BIS) / . “ ] .
Passemos agora para demonstração das canções interpretadas por Marlene que priorizava mais os sambas às marchinhas , pois naquele espaço sonoro velava muitas críticas sociais nas mensagens produzidas em suas letras . Iniciaremos com um samba que é o rótulo de seu acervo musical onde descreve todo o sacrifício das tarefas de uma mulher brasileira para sobreviver “ LATA D’ÁGUA “ [ “ / Lata d'água na cabeça / Lá vai Maria / Lá vai Maria / Sobe o morro e não se cansa / Pela mão leva a criança / Lá vai Maria / Maria / Lava roupa lá no alto / Lutando / Pelo pão de cada dia / Sonhando / Com a vida do asfalto / Que acaba / Onde o morro principia. / Lata d'água na cabeça... ....... / . “ . ] .
Neste samba interpretado por Marlene há uma crítica velada à ausência de Papai Noel em lares de crianças pobres e um louvor à criatividade das criança da época em construir seus próprio brinquedos . “ PATINETE NO MORRO “ . [ “ / Papai Noel / Não sobe na favela / O morro também / Tem garotada / Eu botei o meu tamanco / Na janela, e de manhã / Não tinha nada / Patinete lá no morro / É um cabo de vassoura / E tampa de goiabada / E é assim / Que vai crescendo / O cidadão / Vendo morrer / Ilusão sobre ilusão / Você condena / Sem pedir perdão ao céu / É triste um garoto pobre / Crescer sem Papai Noel / . “ ] .
Este samba leva uma mensagem sobre o sacrifício do trabalhador brasileiro diante das dificuldades que encontra para encarar a vida com seus percalços . “ ZÉ MARMITA “ [ “ / Quatro horas da manhã / Sai de casa o Zé Marmita / Pendurado na porta do trem / Zé Marmita vai e vem / (bis) / Numa lata, Zé Marmita / Traz a boia que ainda sobrou do jantar / Meio-dia, Zé Marmita / Faz o fogo para a comida esquentar / E Zé Marmita / Barriga cheia / Esquece a vida / Num bate-bola de meia / . “ ] .
Mais uma crítica velada à situação social descrevendo , através de sua interpretação , as circunstância de vida de um pobre . “ SAPATO DE POBRE “ [ “ / Sapato de pobre é tamanco / Almoço de pobre é café, é café / Maltrata o corpo como o que, porquê? / O pobre vive de teimoso que é / Folha de zinco, caixão de banha / Faz um barraco em qualquer favela / Se tem Amélia que o acompanha / Embora pobre é feliz com ela / . “ ] . Diante da realidade social , este samba , interpretado com emoção por Marlene , personifica , metaforicamente , uma moradia de zinco com todo seu sofrimento “ BARRACÃO “ . [ “ / Ai ! Barracão, / Pendurado no morro, / Que pedindo socorro, / A cidade a teus pés. / Ai ! Barracão, / Tua voz eu escuto, / Não te esqueço um minuto, / Por que sei quem tu és. / Barracão de zinco, / Tradição do meu país, / Barracão de zinco, / Pobretão, infeliz. / ( Ai! barracão...)/ . “ ] .
Este samba é uma exaltação ao bailado produzido pela cadência da música . O samba sempre foi considerado uma anomalia musical , rejeitado e combatido como coisa profana . Marlene interpreta com muita emoção e consciência do que queria . “ SE É PECADO SAMBAR “ . [ “ / Se é pecado sambar / A Deus eu peço perdão / Eu não posso evitar / A tentação / Se um samba dolente / Que mexe com a gente / Fazendo endoidecer / É um tal de me pega, me solta / Me deixa sambar até morrer / (bis) / Só o samba é culpado / De eu abandonar meu lar / Se sambar é pecado / Deus queira me perdoar / . “ ] .
Encerrando este desfile de sucessos de Marlene , apresentaremos um samba de Monsueto e Arnaldo Passos eternizado na voz desta artista que contribuiu muito com o nosso acervo musical . O samba é um desabafo sobre a fidelidade amorosa expressa filosoficamente em observação ao comportamento da mulher amada . “ MORA NA FILOSOFIA “ [ “ / Eu, vou lhe dar a decisão / Botei na balança, você não pesou / Botei na peneira, você não passou / Mora na filosofia / Pra que rimar amor e dor? / (bis) / / Se seu corpo ficasse marcado / Por lábios ou mãos carinhosas / Eu saberia a quantos você pertencia / Não vou me preocupar em ver / Seu caso não é de ver pra crer / Tá na cara / . “ ] .
EMILINHA E MARLENE REPRESENTARAM PARA O CARNAVAL A VERDADEIRA ESSÊNCIA DE NOSSAS MÚSICAS QUE EMPOLGAVAM COM SEUS CANTOS OS BLOCOS CARNAVALESCOS E AS BATALHAS DE CONFETES EM UMA ÉPOCA EM QUE O “ REINADO DE MOMO “ ERA UMA MARCA DE ALEGRIA E AMOR “