Em tempos de acirrada polarização política e ideológica, de nós contra eles, do bem contra o mal, qualquer discurso proferido, no intuito de defender determinada posição, tende a ser considerado parcial e partidário, construído com um viés tendencioso e unilateral. Mas será possível não tomarmos partido? Vivemos num período muito propenso ao exercício da cidadania e, para isso, o indivíduo necessita exercitar sua autonomia e ser responsável por suas escolhas, preferências e opções.
Ser de esquerda é totalmente diferente de ser de direita, por exemplo. Quem acredita nos ideais socialistas dificilmente crê no êxito do capitalismo. O socialista luta por justiça social, pela eliminação das diferenças econômicas entre os indivíduos, além de defender o fim da propriedade privada e a divisão de recursos e riquezas. Por sua vez, o capitalista trabalha pela liberdade individual, pela preservação e perpetuação da propriedade privada e dos meios de produção. Acredita no liberalismo econômico, na livre regulação do mercado e aceita como natural a concentração de riqueza nas mãos de poucos, em detrimento de muitos.
Um grande dispêndio de horas e energia está sendo desperdiçado na tentativa de conciliar os opostos e fazer com que as pessoas não sejam contra, nem a favor: muito pelo contrário. Tanto os discursos de esquerda quanto os de direita estão sendo paulatinamente desconstruídos e moderados para atenderem às exigências e às demandas ditas democráticas, como se dourar a pílula fosse o caminho mais eficaz e desejável. Será? Sob o calor das discussões, a suavização do discurso ameniza as diferenças e acalma os ânimos mais exaltados, mas não diminui em nada a distância que separa um ponto de vista do outro.
Somos livres para construirmos e formamos nossos conceitos, ideias e opiniões. Ninguém tem o direito de nos impor sua verdade. Quando esta se apresenta absoluta e inquestionável, tão somente demonstra a fragilidade de seus pilares, que são erigidos para sustentar uma estrutura impregnada de fanatismos, dogmas e certezas.
Devemos ousar pensar por nós mesmos, e sempre buscar, de maneira humilde e sincera, dentro das nossas possibilidades, a construção de nosso próprio sistema de crenças e convicções. Ao invés de optarmos pela mera reprodução passiva de conceitos formulados e sugeridos por outras pessoas, devemos aprofundar nossos conhecimentos através de nossas próprias análises e reflexões. Nosso repertório de leituras e vivências devem ser digeridas e ruminadas com paciência e atenção para formamos nosso cabedal de saber e instrução.
As filhas diletas da ignorância são a violência, a guerra e a barbárie. Todas nascem, crescem e se desenvolvem numa atmosfera preenchida pelo ódio, o medo e a intolerância. Um dos mais belos atributos deste pequeno planeta é a pluralidade de seres e aptidões, cada qual com sua cultura e identidade. Não importa o nosso posicionamento político, religioso ou orientação sexual, as questões de classe e de cunho racial, desde que, não façamos aos outros o que não gostaríamos que fizessem conosco.
Porém, não podemos nos esquecer, o único regime que não tolera qualquer tipo de oposição aos seus ditames chama-se ditadura. Na inútil tentativa de destituir uma ideia ou pessoa que não nos agrada, rotulamos a mesma de impassível, radical e intransigente. Com certeza o mundo seria outro, se as pessoas fossem indiferentes a sua própria dor e sofrimento, não agissem por aquilo que sentem, e sim por aquilo que pensam. Quem dera fôssemos seres imperturbáveis ou, se preferirmos, impassíveis. Como seria bom se o mundo fosse habitado por pessoas que se preocupassem em pesquisar a origem de todas as coisas, ir de encontro as suas raízes. Eis o verdadeiro sentido e significado de ser radical. Se todos nós, sem exceção, não realizássemos qualquer tipo de concessão à corrupção, fôssemos inflexíveis quanto à falta de ética, de amor e de respeito, e não tolerássemos a maledicência, o ciúme e a inveja, não teríamos nenhum problema em sermos rotulados como seres intransigentes.
Para finalizar, vou reproduzir uma história, no intuito de refletirmos sobre a necessidade de sairmos de cima do muro. “Havia certo homem que estava em cima do muro. Ele ainda não havia escolhido qual caminho seguir. De um lado, Deus e os anjos o chamavam para que ele escolhesse o Reino dos Céus, enquanto, do lado oposto, o diabo e seus demônios estavam calados, despreocupados, sem fazerem sequer o menor esforço para convencer o rapaz de ir para o reino deles. O homem, notando isso, intrigou-se e perguntou ao diabo: "Por que você não está pedindo para que eu escolha o seu lado, enquanto Deus me chama insistentemente para o lado Dele?". O diabo, então, respondeu: "Porque o muro também é meu. Você já está do meu lado".