01/08/2017 às 07h50min - Atualizada em 01/08/2017 às 07h50min

Lerê lerê lerê lerê lerê

Gino Ribas Meneghitti
Mais uma vez assistimos estarrecidos, desesperançosos e inertes à vitória do retrocesso e do desrespeito aos mais caros direitos, duramente conquistados pelos trabalhadores. Em nome do progresso e da modernização da legislação trabalhista, milhares de empresários, legitimamente representados pela maioria no Senado, saem sorrindo mediante a aprovação irresponsável de uma medida que visa acima de tudo, interesses próprios e particulares.

Os sindicatos deverão ser exorcizados e sua existência demonizada, como se não tivessem tido nenhuma participação ativa na histórica luta pela aquisição e manutenção de direitos. Todos os trabalhadores deverão se curvar perante a carta magna do capital. Cada qual deve ser responsabilizado pelo seu fracasso pessoal, social e profissional.

Através de um apelo emocional e sincero devemos fazer com que todas as pessoas de bem se conscientizem da encenação promovida por todos os pobres e miseráveis. Se existe algum culpado pela sua extrema condição de penúria e miséria, são eles mesmos, e assim lavamos nossas mãos perante aos que amam se fazer de vítimas e pobres coitados.

A história se repete. Desde a abolição da escravatura, todo e qualquer movimento ou levante que vise à elevação ou melhoria de nosso povo deve ser fortemente atacado e rechaçado, na base da força e do golpe. Para tanto, é necessário utilizar de todos os meios e formas: mídia, justiça e política.
 
Os donos do poder, leia-se um por cento da população brasileira, conseguiram, de fato, através do uso do mito e de repetidas e reiteradas afirmações arbitrárias, persuadir grande parte da sociedade de que o maior responsável pelos problemas do país é o Estado e sua incapacidade de administrar e gerir a coisa pública.
 
A melhor saída, nestes casos, é entregar nossas riquezas e patrimônios nas mãos de empresas privadas e de pessoas mais bem preparadas, aquinhoadas e competentes: eles próprios. Os meios de comunicação de massa ao deturparem a imagem do Estado, passaram a dar todo crédito e mérito às leis “reguláveis” do mercado.
 
O mercado, assim como seus agentes, aparece como uma entidade invisível e abstrata, impessoal e universal, cujos princípios emanam de sua autorregulação natural e espontânea, promovida pela concorrência e pela competitividade, pela lei de oferta e demanda. O Estado, por sua vez, é retratado como particularista e pessoal, corrupto e partidário.

O papel central dos pseudo-sábios da mídia e do jornalismo é a idiotização da classe média, que por sua natureza soberba e orgulhosa, não se reconhece ou se admite povo e ignorante. Mesmo diante de tantos fatos e acontecimentos nem desconfia que também está sendo cegamente conduzida e manipulada pelas mãos do consumismo e do conformismo político e ideológico.
 
Os miseráveis, herdeiros diretos da senzala, são responsáveis pelo serviço braçal, bruto e pesado. Aos escolhidos pelo sistema e possuidores de grandes patrimônios, cabe o legítimo direito e dever de explorar e manter à sua revelia e critério este atual estado de coisas.

A escravidão no Brasil é um ideal mantido às ocultas, mas hoje, através da reforma trabalhista, revela sua face mais dura e cruel. Por muitos anos, a elite maquiou este fato, de modo que o discurso mais vendido e aceito é o da vitimização por parte dos pobres e excluídos.

Bastou a parte mais pobre da sociedade frequentar os aeroportos para que os mais ricos não demorassem a demonstrar sua indisfarçável insatisfação, comparando-os a rodoviárias. A presença dos mais pobres no shopping e universidades incomodou profundamente uma ala conservadora, branca e elitista, que se considera superior e acima de seus conterrâneos.
 
O ódio aos mais pobres é claro e explícito, e cada qual parece amar o seu opressor. O Brasil é um país majoritariamente formado e constituído de miseráveis, contudo eles mesmos, ao atingirem certo status social, se tornam, repentinamente, convertidos à seita maligna do capital.
 
Acreditando nas suas qualidades e na sua vontade de vencer na vida se julgam exemplos a serem seguidos e admirados, como se suas trajetórias pudessem resumir e atestar uma infalível receita de sucesso perfeitamente aplicável e praticável por todos. Mal sabem que sua vida, assim como seus interesses são dirigidos por quem está vários degraus acima.

Mesmo com a corda no pescoço, pagando escolas e hospitais privados, a classe média brasileira não se rende à evidência de que existe uma rapinagem e um sórdido jogo econômico muito acima do que possa imaginar sua débil inteligência.
 
Cheios de si e fartos dos outros, estes seres posam felizes para as fotos, de forma leve e descontraída, alegre e despreocupada, esquecendo-se que o preço a ser pago é alto: a escravização de si e do outro.
 
O poder do povo, ou a democracia, mais uma vez, deixa de ser exercida em função dos interesses daqueles que dizem nos representar. E assim caminhamos em direção à ruína de muitos e à riqueza de uns poucos. E continuo me perguntando: até quando?

 
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